Cannabis medicinal: realidade à espera de regulamentação

Cannabis medicinal: realidade à espera de regulamentação

Por Nelson Oliveira, da Agência Senado - Quando os próximos jogos olímpicos forem abertos no dia 26 de julho de 2024, em Paris, o uso do canabidiol (CBD) na preparação de atletas não será uma raridade, mas algo disseminado, conforme esperam profissionais que atuam na prescrição de produtos e medicamentos à base de Cannabis (maconha). A Olimpíada de Tóquio foi a primeira na qual o CBD consta como substância liberada para uso pelos atletas, ao mesmo tempo em que punições mais brandas são previstas para o uso do tetrahidrocanabinol (THC), canabinoide com efeitos psicoativos, também extraído da Cannabis, mas proibido pela Wada, a agência internacional antidoping.

Dores musculares e nas articulações, ansiedade, tensão nervosa e insônia são problemas corriqueiros no dia a dia de competidores, ainda mais aqueles submetidos aos treinos e provas no contexto de eventos de grande porte. Corredor que já passou por turbulências emocionais sérias, o brasileiro Daniel Chaves encara mais um teste na maratona com a ajuda do canabidiol em gotas, que ele aplica sob a língua antes de dormir. O atleta inclusive demonstra a aplicação em um vídeo postado na internet.

“O primeiro contato que o Daniel Chaves teve com o canabidiol foi para cuidar de um estado emocional, um quadro clínico de depressão. Não foi diretamente pensando em performance. Porém, o que acontece é que, quando atletas buscam a Cannabis como recurso para tratamento de alguma patologia, algum quadro clínico, seja ansiedade, depressão ou até mesmo trauma, começam a sentir uma evolução também na performance, pelos outros benefícios que a Cannabis promove, como a melhora do sono, a melhor recuperação muscular e a ação anti-inflamatória”, explica Peu Guimarães, triatleta amador e diretor da Atleta Cannabis, empresa que oferece aconselhamento médico, nutricional e treinamento associado ao uso de produtos canábicos.

Quanto às perspectivas para o futuro da Cannabis no esporte, Guimarães acredita que sejam “gigantes”. Ele mencionou o apoio de US$ 1 milhão da liga de futebol americano NFL a estudos científicos sobre os possíveis benefícios da substância no tratamento de lesões neurológicas e inflamações em jogadores submetidos a impactos constantes. Segundo o empresário, além de Daniel Chaves, fazem uso do canabidiol no Brasil o skatista Pedro Barros, o tenista Bruno Soares e os paratletas da natação Talisson Glock, Roberto Alcade e Susana Schnarndorf.

“E há aqueles que usam, mas não se pronunciam por temerem o preconceito”, diz Guimarães.

Por mais atribulada que seja, a realidade de atletas profissionais e amadores é mais confortável que a de pessoas que sofrem de epilepsia, esclerose, Parkinson, fibromialgia e uma série de outros males crônicos, mas que dependem igualmente de produtos ou remédios canábicos para aliviarem seus sintomas.

Espasmos, tremores, convulsões, enjôos e falta de apetite estão entre as ocorrências frequentes que podem ser tratadas ou amenizadas pela Cannabis medicinal. No entanto, sem a garantia da oferta de compostos nas farmácias (ou no sistema de saúde), os doentes estão sujeitos a uma rotina estressante. A busca de médicos que prescrevam as substâncias adequadas, complexos pedidos de importação à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), ações judiciais para obter salvo-conduto ao plantio e à extração de óleos medicinais da Cannabis, além do medo de uma batida policial, estão entre os dramas das famílias de crianças acometidas por epilepsia ou autismo, para citar dois exemplos.

A mudança desse quadro repousa quase que totalmente nas mãos do Poder Legislativo, uma vez que as resoluções expedidas pela Anvisa desde 2015 limitam-se a regulamentar a prescrição, a exposição e a importação de produtos prontos ou a fabricação no Brasil de compostos à base de matéria prima importada. Quanto ao Poder Judiciário, suas sentenças são em geral provisórias, avaliado cada caso em particular, e podem estender por tempo indefinido o drama dos autores, como recentemente se deu na 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte transferiu à Anvisa a responsabilidade de autorizar um plantio de Cannabis, encargo que a agência diz não poder assumir.

Um dos embates mais tensos nessa seara foi travado neste ano pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança),que teve sua liminar de cultivo, extração e fornecimento de óleo cassada e retomada por decisões judiciais num espaço de sete dias, entre fevereiro e março. Na última sentença, também provisória, a instituição que atende famílias de usuários de canabinoides foi instada a regularizar situações pendentes na Anvisa.

De acordo com o diretor jurídico da instituição, Yvson Cavalcanti de Vasconcelos, o projeto do laboratório foi aprovado pela Vigilância Sanitaria de João Pessoa e pela Anvisa e aguarda o Alvará da obra ser aprovado pela Prefeitura de João Pessoa. Em seguida entrará na fase de cotação para o início da reforma. Enquanto isso, os Procedimentos de produção estão "em fase de implantação", de modo a atender o Sistema da Qualidade estabelecido na resolução da Anvisa RDC 301/19. Segundo Vasconcelos, "outras ações sanitárias também estão sendo adotadas, conforme orientação da Anvisa".

“Temos mais de 300 liminares no Brasil, sendo 23 só no Ceará”, estima o advogado criminal Italo Alencar, diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), além de assessor jurídico da Sativoteca, Acolher e Liga Canabica, associações que atuam na defesa dos direitos dos usuários de Cannabis medicinal.

Como conselheiro estadual de Políticas sobre Drogas no Ceará e membro da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Políticas Públicas sobre Drogas da OAB no mesmo estado, Alencar traça um cenário positivo para a Cannabis no Brasil, apesar dos problemas enfrentados pelos usuários e ativistas.

“A ONU já reclassificou a Cannabis para a lista das que têm propriedades medicinais reconhecidas, embora devam ser controladas. Então, isso é um avanço diante da proibição em nível internacional. O Brasil está na retaguarda desse movimento, mas é um processo que já começou. As leis do Brasil ainda são retrógradas, mas o movimento das famílias, dos pacientes, das associações, inclusive das empresas que pretendem atuar nesse ramo, já está a todo vapor. E, a meu ver, não vai retrair”, afirmou.

Ao Senado, Casa na qual já tramitam quatro projetos de regulamentação do plantio e manipulação da Cannabis para fins medicinais, deve chegar em algum momento a matéria sobre o tema envolta em maior controvérsia: o Projeto de Lei (PL) 399/2015. Trata-se de uma proposta bastante ampla de regulamentação, que vai do cultivo de Cannabis, tanto para extração de CBD como de THC e outros canabinoides, à fabricação e comercialização de produtos, com uma série de exigências para garantir qualidade, eficácia e segurança aos processos e aos resultados finais. O PL também autoriza a pesquisa científica da Cannabis de um modo geral e regulamenta o plantio de cânhamo (sem THC) para uso industrial, mas não toca na questão do chamado uso recreativo ou adulto da maconha.

O PL 399/2015 encontra-se atualmente pendente de uma decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem cabe colocá-lo na pauta do Plenário daquela Casa. O projeto foi aprovado em uma comissão especial que ouviu especialistas e representantes da sociedade civil sobre os potenciais benefícios e riscos da medicação à base de Cannabis.

“O projeto era terminativo na comissão especial, mas foi apresentado um recurso para que fosse apreciado também pelo Plenário da Câmara. Caso o recurso de Plenário seja rejeitado, pode ir ao Senado. Se o requerimento for pautado e aprovado, o projeto vai precisar ser aprovado também pelo Plenário antes de ir a votação no Senado”, explica o relator do PL, deputado Luciano Ducci (PSDB-PR).

Na avaliação do parlamentar, as chances de a proposição ser aprovada são grandes, mesmo com o recurso para votação em Plenário:

“Há uma crescente discussão sobre o assunto na sociedade, o que tem feito os parlamentares tomarem conhecimento da questão e se posicionarem favoravelmente à pauta. Uma recente pesquisa, de março deste ano, aponta que 78% dos brasileiros são favoráveis à Cannabis para uso medicinal”, disse.

Os números obtidos por um instituto privado se assemelham aos colhidos por um levantamento do Data Senado, que aponta percentual de 75% de entrevistados favoráveis à fabricação de remédios à base de Cannabis pela indústria farmacêutica e 79% favoráveis à sua distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O maior entrave ao avanço da regulamentação é a rejeição de parcela dos parlamentares e de suas bases ao cultivo e ao uso da Cannabis, que tem na ingestão de cigarros de maconha uma prática ilegal e vista como danosa dos pontos de vista comportamental e da saúde. Ao contrário do CBD, o THC provoca alterações de curto prazo na percepção, na coordenação motora e na memória, ainda que danos permanentes à capacidade cognitiva estejam sendo energicamente contestados por diversos pesquisadores e especialistas médicos, do mesmo modo que a morte por overdose e a dependência da droga.

“Como médica, posso dizer que a dependência química de Cannabis é infinitamente pequena, se comparada com a do álcool, a primeira droga que entra nos lares. O que há são versões montadas por conflitos de interesses da indústria farmacêutica e do agronegócio”, afirma a psiquiatra Eliane Nunes, mestre e doutora em ciências, especialista em psicanálise infantil e dependência química e diretora-geral da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa (Sbec), entidade sem fins lucrativos pioneira na defesa da substância.

“Não podemos deixar que uma questão que tem relação com acesso à saúde, ciência, remédios e economia, vire uma pauta ideológica em que se discuta tráfico, drogas, quando o assunto não é este. Enquanto não tivermos uma lei, viveremos instabilidade jurídica e desconfiança do mercado neste setor”, argumenta Ducci.

O deputado lembra que há clínicas em todo o Brasil, inclusive em Curitiba, para apoiar quem demanda um tratamento com Cannabis, mas o público que tem acesso a elas é o mesmo que pode procurar um advogado e buscar o remédio importado:

“A Cannabis é uma realidade no mundo todo, incluindo em países de espectro ideológico mais conservador, como é o caso de Israel [leia mais sobre isso aqui]. Não há como voltar atrás. Avanços científicos importantes comprovam a eficácia dos remédios para inúmeras doenças e condições. Se não dermos segurança jurídica aos players, perderemos mercado. Quem, qual empresa vai querer investir em um local que não dá segurança jurídica ao seu negócio? Se não avançarmos de fato, continuaremos atrasados e esses investimentos facilmente migrarão para os países vizinhos que tiverem melhores condições jurídicas”, questionou.

Para ele, há uma expectativa de avanço na legislação a partir da mobilização gerada pelos trabalhos da comissão especial. O papel da Anvisa foi igualmente mencionado por Ducci, que vê na regulamentação de “toda a cadeia produtiva” um caminho natural e necessário.

O assunto foi debatido nesta semana em um congresso virtual na plataforma Dr Cannabis, que reuniu usuários, médicos, advogados, parlamentares, empresários e investidores de um setor avaliado em US$ 20,5 bilhões, mas com previsão de girar US$ 90 bilhões já em 2026. Enquanto especialistas em medicina propalavam as aplicações dos diversos tipos de canabinoides, nos chats, os participantes trocavam informações e contatos. Ao mesmo tempo, vinha à tona a ação judicial movida por um candidato a vaga no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP). Aprovado no concorrido vestibular do ITA, ele parou no exame toxicológico por apresentar em seu organismo rastros de canabidiol ingerido para aliviar a tensão provocada pelo certame.

Entre os debatedores do encontro, estava o economista e ex-diretor da Anvisa Ivo Bucaresky, que chegou a presidir a instituição quando em 2015 o canabidiol saiu da lista de entorpecentes e psicotrópicos para a lista de substâncias “controladas”. Compostos de canabidiol não pode conter mais do que 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo capaz de gerar as sensações habituais em um consumidor de maconha.

“Para que essa matéria avance no Congresso, precisamos envolver toda a sociedade num debate, incluindo os setores que são contra, como os representados no Congresso pelas bancadas ligadas a religiões e às forças de segurança”, recomendou Bucaresky, ao relembrar do que antecedeu a flexibilização das normas pela Anvisa em 2015.

Segundo ele, se os atrativos econômicos do aproveitamento da Cannabis, como as receitas de exportação e a criação de empregos, são de grande impacto, sob o ponto de vista da saúde pública, é preciso pensar na soberania do país em Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA).

“Há oito anos, recebemos na Anvisa um alerta sobre a fragilidade do Brasil na área dos ingredientes ativos, mas nem imaginávamos que essa fragilidade ficaria clara em razão de uma pandemia”, lembrou.

Bucaresky se referia à falta de insumos básicos para a fabricação de vacinas contra a covid-19 que atrasou a imunização dos brasileiros.

No mesmo painel do Congresso, falou o deputado e ex-ministro da Saúde (2011-2014) Alexandre Padilha, que aconselhou igualmente a mobilização da sociedade em torno do PLC 399/2015, proposta que no início tinha escopo bastante restrito e acabou evoluindo, pela pressão popular, a um projeto de grande envergadura e contornos democráticos.

“Contemplamos no projeto, além dos laboratórios, tanto as associações que fazem o plantio e produzem óleo de Cannabis quanto as sete mil farmácias magistrais”, explicou Padilha.

Conhecidas também como farmácias de manipulação, as farmácias magistrais aviam receitas personalizadas seguindo fórmulas específicas.

As associações foram formadas por pessoas que encontraram no óleo de Cannabis o último recurso para atender a seus familiares, ante o fracasso de outros medicamentos e às dificuldades financeiras para importar remédios que podem aliviar sintomas como os provocados em crianças e adolescentes pelas síndromes de Lennox-Gastaut (SLG) e de Dravet (SD), modalidades de epilepsia refratárias aos tratamentos medicamentosos tradicionais e a cirurgias. Desde 2014, esse tratamento compassivo (de último recurso) é autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 2.113/14. O CFM apoia sua decisão no entendimento de que “não há evidências científicas que comprovem que os canabinoides são totalmente seguros e eficazes no tratamento de casos de epilepsia”.

Apesar do apoio de um número significativo de senadores, o tema do aproveitamento da Cannabis não tem consenso na Casa. A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) é a principal defensora dos tratamentos canábicos, dos quais se utiliza para se contrapor a severas limitações nos movimentos provocadas por um acidente automobilístico. A ela se somam vozes como a senadora Leila Barros (Cidadania-DF); Humberto Costa (PT-PE), médico e ex-ministro da Saúde (2003-2005); Telmário Mota (Pros-RR); Zenaide Maia (Pros-RN); Flávio Arns (Rede-PR); e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), relator da SUG 6/2016, que permite o aproveitamento de todas as partes da planta.

Mara fez um apelo emocionado em 2019 durante a votação de uma proposta popular que permite um aproveitamento amplo da planta, incluindo as partes que contêm princípios psicoativos. Segundo ela, as famílias que precisam da maconha medicinal estão sofrendo, e rejeitar a proposta seria virar as costas a essas pessoas. A parlamentar falou da própria situação:

“Se a gente aprovar um projeto permitindo só o canabidiol, o medicamento que inclusive eu tomo, vai ser proibido. Isso vai fazer com que eu perca a minha força laboral. E, poxa, alguém aqui já me viu alucinando em algum canto do Congresso? Alguém aqui já me viu falando besteira? Alguém aqui tem algum senão quanto à minha dedicação, à minha seriedade no meu trabalho?”, questionou Mara quando da votação da SUG 6/2016, convertida posteriormente no PL 5.295.

Para Alessandro Vieira, o projeto não terá impacto no tráfico de entorpecentes e no uso recreativo da maconha. Os parlamentares argumentaram que a matéria vai tramitar pelas comissões e que o debate do mérito ainda poderá ser aprofundado.

Os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Styvenson Valentim (Podemos-RN) são contra qualquer regulamentação que vá além do canabidiol. Em maio, Girão criticou a tramitação do PL 399/2015:

“Estão fazendo agora a toque de caixa para votar e aprovar. Foi uma comissão especial criada na época em que o presidente [da Câmara] era o Rodrigo Maia, e foi toda ocupada por uma maioria pró-maconha”, disse o parlamentar, que teme pelo futuro da juventude e das famílias brasileiras.

“Em plena pandemia, isso é prioridade? Isso é uma inversão completa de valores e princípios. Esse projeto libera geral a maconha no Brasil. Questão de industrialização em larga escala, cultivo, plantação, chocolate e bolo à base de maconha. Ou seja, é o fim do mundo”, advertiu.

Girão, autor de um projeto para obrigar o SUS a distribuir canabidiol a pacientes de epilepsia, e Mara Gabrilli, também participam de um outro debate em torno do CBD: a disponibilização do único canabidiol autorizado pela Anvisa, fabricado no Paraná pelo laboratório Prati-Donaduzzi, que o desenvolveu juntamente com pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

O produto fitofármaco (ver quadro ao final) é vendido nas farmácias por valores que vão de R$ 280 a R$ 2.500, dependendo da dosagem, e foi oferecido ao SUS, para distribuição gratuita, por R$ 1.850,41 a unidade, com impostos, ou R$ 1.497,42, sem incidência tributária. O custo anual médio do tratamento foi estimado em R$ 74.865 e R$ 60.584, respectivamente, por paciente. E o impacto orçamentário para crianças e adolescentes com as síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet, em idades entre 2 e 17 anos, foi estimado em R$ 80 milhões ao ano, com impostos, ou R$ 70 milhões, sem impostos, para atender a toda a população elegível, formada por cerca de mil pacientes. Em cinco anos, o impacto acumulado seria de R$ 416,3 milhões (com impostos) ou R$ 336,9 milhões (sem impostos).

A Fundação Oswaldo Cruz, por meio da Farmanguinhos, chegou a firmar acordo de transferência de tecnologia para fabricar o canabidiol do laboratório paranaense e fornecê-lo gratuito ao SUS, mas dependia da aprovação do fitofármaco pelo Ministério da Saúde, que acabou não ocorrendo.

Diante dos custos altos e de resultados que a Coordenação de Monitoramento e Avaliação de Tecnologias em Saúde (Conitec) considerou modestos, foi recomendado que o SUS não adotasse o canabidiol Prati-Donaduzzi. Segundo o relatório da Conitec, os estudos apresentados falam em “redução de cerca de 50% na frequência de crises epilépticas totais por até 2 anos”, com vários efeitos adversos e desistências do tratamento.

Analisando o uso do CBD, não especificamente o avaliado pela Conitec, o médico Li Li Min, chefe do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse em março à Rádio Senado que os efeitos do CBD em algumas crianças “são impressionantes”.

“A [possibilidade de] inclusão do canabidiol é um avanço, mas não resolve e nem melhora o problema do acesso, já que este produto é feito com matéria-prima importada e tem preço muito elevado para o consumidor final. É mais uma evidência de que o assunto que tratamos é sério, é uma necessidade da sociedade e nós, como representantes do eleitor, não podemos ignorar”, avalia o relator do PL 399.

O canabidiol da Prati-Donaduzzi enfrenta incertezas em outro front, o da propriedade industrial. A patente requerida junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi)  é contestada, inclusive por técnicos do órgão que analisaram petições contrárias ao monopólio sobre um saber considerado de todos. Uma dessas petições foi protocolada no órgão pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Posteriormente, Mara encaminhou um ofício ao Inpi indagando sobre a análise do processo.

“Comemoramos muito a derrubada dessa patente, que ameaçava inviabilizar a concorrência no setor e, consequentemente, diminuir a oferta e o acesso para aqueles pacientes que mais necessitam”, diz a senadora.

Mara explica que, de acordo com o entendimento do colegiado do Inpi, apenas alterar a concentração de CBD e acrescentar excipientes “é uma modificação trivial que está dentro das habilidades ordinárias de um técnico no assunto na área de tecnologia farmacêutica e não pode ser considerada como uma atividade inventiva”. Portanto, o pedido do laboratório paranaense não atenderia os requisitos de patenteabilidade disposto nos artigos 8° e 13 da Lei de Propriedade Industrial – LPI.

“A Cannabis é uma planta milenar, com usos diversos. As regras para que um produto ou um processo sejam merecedores de patente devem estar ligadas à inovação, não acredito que seja o caso”, opina Luciano Ducci.

Opinião semelhante tem a coordenadora da Liga Canábica da Paraíba e coordenadora-geral da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica (Fact Brasil), Sheila Geriz, que é analista judiciária do Tribunal de Justiça da Paraíba e mestre em Direito pela Universidade Federal da Paraíba:

“Muitos pacientes e associações que cultivam a Cannabis para a extração de derivados terapêuticos já constataram que os preços cobrados pelas empresas de Cannabis ou mesmo pela indústria farmacêutica são injustificáveis. Obrigar o SUS a adquirir de uma única empresa um produto com preço exorbitante e eficácia terapêutica menor, pois não contém o espectro de canabinoides da planta presentes nos óleos integrais, é uma demonstração de falta de interesse em promover o acesso real à Cannabis como ferramenta terapêutica. Se existe por parte do governo o projeto de usar o SUS para promover este acesso real, que seja feito apoiando as Farmácias Vivas [do SUS] e as Associações de Pacientes, como prevê o PL 399/2015” explicou.

Segundo Sheila, que é paciente e mãe de paciente usuário da terapêutica canábica, o preço do óleo ofertado por associações depende da concentração e do volume em cada frasco. Os compostos podem ser apresentados também na forma de pomada.

Conforme o diretor Jurídico da Abrace, os preços variam de R$ 79,00 a R$ 649,00, dependendo do tamanho do frasco, da concentração do extrato, dos princípios ativos CBD e THC e da quantidade — entre 30 a 100 ml.

“Informações referentes a produtos, incluindo seus preços, são direcionadas exclusivamente aos prescritores [médicos], uma vez que trata-se de produto de Autorização Sanitária, com controle da Portaria 344/98, do Ministério da Saúde, e da RDC 327/19”, esclarece Vasconcelos.

Por Ultima Hora em 03/09/2021
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