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O ritmo no barracão da Estação Primeira de Mangueira, na Cidade do Samba, região portuária do Rio, está forte. Tudo para aprontar o carnaval de 2024 que vai homenagear uma personagem importante da história da verde e rosa: a cantora Alcione.
A carnavalesca Annik Salmon disse que as alegorias do carnaval de 2023 já foram desmontadas e separadas as ferragens que serão aproveitadas nas montagens dos carros de 2024. Há duas semanas que a equipe do barracão trabalha no processo de mecânica estrutural das alegorias.
Em outra frente, ela e Guilherme Estevão que formam a dupla de carnavalescos desenharam protótipos de fantasias e algumas já começaram a ser confeccionadas no ateliê montado no barracão. “Está a todo vapor o ateliê com todos trabalhando. Está ficando muito lindo”, disse animada, acrescentando que as fantasias são a maioria e se destinam aos componentes inscritos em alas da comunidade. O restante, que são as relativas às alas comerciais, é produzido fora do local. “Está tudo no cronograma certinho”, disse.
Annik explicou que a ansiedade está bem controlada nesta fase, mas isso deve mudar quando chegar mais para o final do desenvolvimento do carnaval de 2024. “Essa parte é muito gostosa, essa parte de criação de desenhos, de começar a tirar do papel e botar em pratica a roupa, a modelagem que a gente vai usar. Em carro é a mesma coisa, então é muito gostoso e não dá essa ansiedade porque é legal a gente ver tudo criando forma. A ansiedade começa lá no final, pra mim em processo pessoal, quando já está praticamente tudo pronto e chegando o dia do desfile, tendo que entregar as coisas, tendo que embalar [as fantasias e os carros], tudo junto e ao mesmo tempo, mas agora quando a gente está criando é muito bom e não fico ansiosa”, relatou.
Por causa das festas dos meses de junho e julho, a agenda da Alcione está intensa e, por isso, o contato com a equipe de carnaval está menor, ao contrário do que foi quando os carnavalescos estavam desenvolvendo o enredo, mas em agosto deve mudar e já estão previstas algumas reuniões, entre a dupla de coreógrafos da comissão de frente Karina Dias e Lucas Maciel e a homenageada. “Com a gente eles estão aqui [no barracão] todos os dias trocando ideias de como pode ser a comissão de frente. Eles não tiveram contato com a Alcione que eu acho muito importante ter”, revelou.
Samba
A disputa do samba na quadra vai começar, segundo Annik, no dia 2 de setembro. Agora ainda está na fase de criação dos compositores. A carnavalesca disse que a maior parte dos sambas concorrentes deve ser entregue no início da seleção. “Eles [compositores] deixam para vir mais para o final e trazer o samba pronto. Os que vieram até agora foram só a letra pra gente ver se está de acordo com a proposta do enredo. A gente não ouviu um samba completo”, contou.
A identidade da cantora Alcione com a Estação Primeira de Mangueira é uma prova de que a pessoa não precisa ter nascido na mesma cidade onde uma escola de samba faz suas atividades para se sentir parte daquele universo. Não à toa que a Mangueira decidiu homenagear a maranhense como personagem do enredo de 2024: A Voz Negra do Amanhã.
Quem convive com a Alcione sabe do envolvimento dela com a verde e rosa e com a comunidade do Morro de Mangueira. Até em batizados, casamentos, enfim, festas de famílias a cantora costuma estar presente. Por isso, os carnavalescos acreditam que a homenagem a marrom, como é chamada, fosse um pedido antigo dos componentes da escola.
“Ela escolheu esse lugar. É uma pessoa que não nasceu no Morro da Mangueira, nasceu no Maranhão, mas é como se fosse cria desse morro. Essa identificação que ela tem é muito forte e querendo ou não a Mangueira ficou um pouquinho mais maranhense, graças a Alcione”, completou o carnavalesco da escola, na época do lançamento oficial do enredo.
A proximidade de Alcione com a Mangueira não para por aí. A escola escolheu o aniversário de 95 anos, no dia 28 de abril, para lançar oficialmente o enredo de 2024. “Graças a Deus, desta vez ela aceitou, o que, para nós, é uma honra. Está sendo um processo muito gostoso, porque ela também está acompanhando. Temos um suporte muito grande, não só da Alcione, como de toda a família, dos funcionários e assistentes dela”, contou Guilherme Estevão.
Quando soube que era o tema de 2024, a cantora se emocionou com a homenagem que surgiu justo quando completa 50 anos de carreira. Alcione chegou até a dizer que a Mangueira está sua história e na sua vida a ponto de achar que até o sangue dela é verde e rosa, se referindo às cores da Estação Primeira.
Maranhão
O estado natal de Alcione será apresentado no enredo para mostrar a imersão da artista na cultura popular que a acompanhou durante todo o tempo. Aí estarão as crenças, as festas religiosas dedicadas a São João, São Pedro e São Marçal e as tradicionais como o Tambor de Crioula, definido como patrimônio cultural do Brasil, que se trata de uma dança de origem africana em devoção a São Benedito. O público vai ver uma representação do Bumba Meu Boi, também uma tradição maranhense.
Na carreira artística, o enredo lembrará a formação musical incluindo o piston, instrumento que usou muito nas apresentações na noite carioca depois da sua mudança para o Rio de Janeiro. Antes o primeiro contato com a música na cidade foi como vendedora na loja Império dos Discos. Na sequência vieram os concursos de calouros e shows em boates do Rio.
O amor pela Mangueira surgiu no Maranhão, a ala de baianas da escola em desfiles da escola, retratada em revistas, chamou a sua atenção. Quando chegou ao Rio, se aproximou dos componentes da escola e começou a participar também dos desfiles.
Desde 1987 está à frente da escola mirim Mangueira do Amanhã que desenvolve durante o ano oficinas artísticas e cursos de formação de mestres-salas e porta bandeiras, baianas e mestres de bateria. Essa é a forma de Alcione reforçar o futuro da escola por meio de crianças da própria comunidade. Tudo isso vai estar na Marquês de Sapucaí para envolver o público e alegrar os corações mangueirenses.
Tuiuti
A Paraíso do Tuiuti, seguindo a sua tradição, vai apresentar um tema relacionado à cultura do povo negro. Dessa vez a homenagem é a João Cândido no enredo Glória ao Almirante Negro!, desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos.
João Cândido foi um marinheiro brasileiro que participou da luta contra os maus-tratos, a má alimentação e as chibatadas sofridas pelos colegas nas embarcações, por isso ficou conhecido como Almirante Negro.
O carnavalesco lembrou que em 2018, a escola de São Cristóvão, na zona norte do Rio, a escola conquistou o vice-campeonato no Grupo Especial com o enredo que destacava os 130 anos da Lei Áurea. Agora, no retorno dele à agremiação, Jack desenvolve um outro tema que representa uma história de resistência e libertação do povo preto.
Jack disse que o tema foi uma sugestão do presidente da Tuiuti, Renato Thor, que tinha lido sobre o assunto e gostaria de vê-lo na avenida. “É um enredo com a cara da escola. Depois de alguns longos meses de pesquisa, escrevi a sinopse, desenvolvemos a logo do enredo, agora estamos finalizando os protótipos das fantasias da escola. Mais uma vez, acho que seremos muito felizes em exaltar a temática de um herói preto na Avenida”, contou o carnavalesco.
O enredo, segundo Jack, retrata a história do Almirante Negro, o João Cândido, tendo como ponto de partida do enredo a liberdade. “Ele lutou por isso. Falamos, claro, do seu local de nascimento, da Revolta da Chibata, dos diversos acontecimentos históricos envolvendo sua trajetória”, revelou.
Para o carnavalesco, um dos grandes destaques do desfile do Tuiuti em 2024 deverá ser o samba. “A escola, tradicionalmente, vem trazendo bons sambas para a Marquês de Sapucaí. Com uma temática dessas, teremos uma belíssima obra, com certeza”, apontou. A comunidade ficou satisfeita com a escolha do tema. “O enredo é a cara do Tuiuti. A escola gosta dessa temática. O Paraíso foi vice-campeão em 2018 questionando os 130 anos da Lei Áurea. Agora chegou a hora de sermos campeões”, apostou.
Mocidade
A última escola a divulgar o enredo de 2024, a Mocidade Independente de Padre Miguel escolheu levar para a avenida a brasilidade e vai de “Pede caju que dou... Pé de caju que dá!”. O atraso na divulgação do tema, pouco mais de um mês depois do que estava previsto foi por causa de uma disputa na política interna da agremiação que acabou em uma decisão judicial, impedindo a realização de eleição de nova diretoria e o anúncio do enredo. O lançamento só ocorreu no dia 28 de junho, após a reversão desta parte do impedimento pela justiça.
A Mocidade será a primeira do Grupo Especial a entrar na avenida na segunda-feira de carnaval no dia 12 de fevereiro com o enredo assinado pelo carnavalesco Marcus Ferreira e pelo jornalista e escritor Fábio Fabato, autor da sinopse.
Marcus Ferreira disse à Agência Brasil que está confiante na leveza do tema para envolver o público apesar de ser o início do segundo dia dos desfiles, quando as arquibancadas precisam se empolgar.
O autor da sinopse disse dias após o lançamento que foi de apreensão o período em que a decisão judicial ainda estava valendo por completo, apesar do enredo já estar pronto para ser divulgado. “As pessoas começaram a cobrar muito, dizendo que só a Mocidade não tinha enredo. Para nós que já sabíamos qual era o enredo e já estávamos trabalhando nele havia, pelo menos, dois, três meses ficávamos pensando que tinha que sair logo”, contou Fabato.
Segundo o jornalista, depois de ficar em 11º lugar em 2023, a Mocidade está em um período em que precisa se reconstruir e o enredo vai trazer o estilo de um carnavalesco que foi responsável por desfiles memoráveis da escola. “Fomos beber na fonte do Fernando Pinto, que é um grande carnavalesco da Mocidade nos anos 80 e tratou a escola de modo tropicalista. A gente teve essa idéia de fazer o enredo sobre a fruta caju que é absolutamente brasileira ao contrário da banana que não é brasileira. A gente brincou que é morder a carne do caju e sentir o sabor do Brasil”, completou.
Inesperado
A leveza do enredo está presente até no aparecimento da ideia de usar o caju como enredo. “Eu tinha até outras ideias, mas foi um enredo que surgiu com um sentimento. Eu estava na praia lendo uns artigos e passou um vendedor de castanhas. Fiquei olhando e falei castanha de caju. Na hora entrei na internet para ver o que essa fruta representa para a gente e me encantei com a história e falei caramba é a cara da Mocidade. No dia seguinte trouxe para a escola e prontamente começaram a entender que seria um caminho que a gente seguiria para o carnaval do ano que vem”, revelou o carnavalesco sobre a origem da escolha do enredo.
A equipe de carnaval gostou da reação da escola ao enredo “recebi muitas mensagens dos independentes e de muita gente do carnaval elogiando justamente esse frescor. É um enredo que transmite alegria pelo tema”, pontuou Marcus Ferreira.
A demora para o anúncio do enredo chegou a ser preocupação, mas agora o cronograma está se desenvolvendo com o processo de criação dos sambas. “A escola está a tempo de caminhar bem. A ideia é que venha um samba muito feliz, muito pra cima. A gente vai pedir isso aos compositores. Que eles se inspirem a partir dessa coisa tropicalista do caju”, comentou Fabato.
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