“MAMÃE FALEI” E A QUEBRA DECORO PARLAMENTAR

“MAMÃE FALEI” E A QUEBRA DECORO PARLAMENTAR

Nessa semana que passou, presenciamos a lamentável fala do Deputado Estadual Arthur do Val, conhecido popularmente como “Mamãe Falei”, que ofendeu de modo bastante grave as mulheres ucranianas, afirmações que ressoaram por todo Mundo e que criaram uma reação bastante enérgica aqui no Brasil, especialmente no meio político e entre seus pares na Assembleia Legislativa de São Paulo, esta que já recebeu mais de 16 pedidos de cassação contra o parlamentar.

Tamanha gravidade de tais atos, que envolvem a ida até a Ucrânia, coleta de apoio financeiro de brasileiros para a dita ajuda humanitária, assim como a fala machista e absurda, somados aos inúmeros pedidos de cassação do mandato apresentados na ALESP nessa semana, fez com que diversas dúvidas fossem levantadas acerca dos limites das condutas do cidadão-político, fora do exercício do mandato, face ao que conhecemos por decoro parlamentar e o exato significado dessa expressão e as consequências da sua inobservância.

O decoro parlamentar é um conceito vago e bastante aberto que, de fato, gera muitas dúvidas acerca dos limites, alcance e aplicação, prevendo a Constituição Federal, em seu artigo 55, § 1º, tratar-se a quebra desse princípio o abuso das prerrogativas do parlamentar, a percepção de vantagens indevidas e demais atos definidos como tal nos regimentos internos das Casas Legislativas, estes que seguem o texto constitucional.

Nesse sentido, pode-se entender decoro como o respeito às regras de convivência, que podem decorrer de um código de ética ou nas condutas exigidas por determinadas instituições, devendo-se considerar o decoro parlamentar como a conduta individual exemplar que se espera ser adotada pelos políticos, representantes eleitos de sua sociedade, estando descrito, como dito, na Constituição Federal e no regimento interno de cada Casa do Congresso Nacional, assim como, por simetria, das Assembleias Legislativas.¹

Quando a Constituição fala em “abuso das prerrogativas”, por certo que não está restrita à atividade parlamentar, abrangendo atos cometidos no exercício de outros cargos e, numa interpretação mais extensiva, abrange, ainda, a conduta na vida pessoal, até por que nenhum parlamentar aderiu compulsoriamente à vida pública, tratando-se de uma opção voluntária, que deve exigir paradigma de comportamento.²

 Assim sendo, com base em interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, entende-se que fere o decoro parlamentar o uso de expressões que configuram crime contra a honra ou que incentivam sua prática; abuso de poder; recebimento de vantagens indevidas; prática de ato irregular grave quando nos desempenho de suas funções; revelação do conteúdo de debates considerados secretos pela casa legislativa, entre outros.³

 Nesse passo, verifica-se claramente, diante de tais conceitos, que a conduta praticada pelo Deputado Estadual Arthur do Val, mesmo que praticado fora do exercício do mandato e fora do território nacional, ofendeu diretamente o decoro parlamentar quando, entre outras condutas, usou de expressões que configuram crime contra a honra ou que incentivam sua prática, o que, em tese, poderá, sim, levar a cassação do seu mandato, vez que é justamente esta a previsão do inciso II, do artigo 55, da Constituição Federal, para sua inobservância.

 Digo poderá, uma vez que tal julgamento é de caráter político, cabendo aos seus pares a interpretação acerca da decisão sobre a gravidade do ato e o alcance da quebra do decoro parlamentar, e concluo que não cabe, nesses casos, qualquer interferência externa, nem mesmo do Poder Judiciário, cabendo a este, quando provocado, tão somente a garantia da observância do procedimento e das garantias relacionadas ao contraditório e ampla defesa, nada além, por se tratar justamente de função atípica e soberana do Poder Legislativo o julgamento dos seus próprios integrantes.

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¹ https://pt.wikipedia.org/wiki/Decoro

² https://www.conjur.com.br/2007-ago-31/decoro_parlamentar_quais_limites_legais

³ https://pt.wikipedia.org/wiki/Decoro

Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP (2019-2021). Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ (2019-2021). Membro fundador da ABRADEP - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes - org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

 

Por Amilton Augusto em 22/03/2022
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