MARÇO DE 1964 - O MÊS QUE NÃO ACABOU - Parte III

III – A DEMOCRACIA DAS ESPADAS

MARÇO DE 1964 - O MÊS QUE NÃO ACABOU - Parte III

*Por Gen Marco Aurélio Vieira

“Certos de nos batermos pela preservação da democracia, realmente ameaçada, sublevamo-nos em 1964, abortando o golpe da esquerda. O apoio maciço que nos deram a sociedade civil, a Igreja, a grande imprensa nacional e a classe média amedrontada respalda a nossa penosa decisão. Penosa, sim, porque o Exército tinha vocação legalista, e não golpista. Viramos golpistas quando estávamos fazendo uma contrarrevolução”
Jarbas Passarinho, foi Senador e Ministro de Estado
.

Desde a chamada “abertura política”, ocorrida no fim do Regime Militar, que a intelligentsia tem tentado – com razoável sucesso – reescrever a história, caracterizando o movimento de março de 1964 como a vitória do mal contra o bem.

Essa visão maniqueísta tem perdurado nos últimos 60 anos, baseada na opinião de quem não viveu aqueles tempos, não estudou e nem sabe o que de fato aconteceu, mas que simplesmente repete frases feitas como “golpe contra a democracia”, “anos de chumbo”, “ditadura militar”, sem muito fundamento histórico, ou mesmo teórico.

Na verdade, a mídia e a Academia têm abafado e distorcido os fatos de forma criminosa, substituindo-os por narrativas que acabaram por se tornar dogmas de opinião pública.

 O primeiro mito dessas narrativas é da derrubada do Presidente João Goulart, considerada um golpe arbitrário contra a democracia e à revelia da população. Os fatos mostram um ato legítimo, apoiado pelo Congresso e por toda a opinião pública. Há muitas evidências de que Jango Goulart – em março de 1964 – preparava um autogolpe, desrespeitando e a subvertendo as regras do estado democrático de direito, incentivando a sublevação dos militares, e desarticulando as forças que poderiam garantir a sua legitimidade.

Por si só, isso não justificaria um ato de força. De qualquer forma, ao infringir as regras que garantiam sua própria legitimidade política ele se expôs a uma ruptura institucional, ou abriu o caminho para que outros o fizessem — e com pauta própria. Caso pretendesse atuar dentro das regras democráticas, sua primeira iniciativa deveria ter sido preservar as leis que garantiam o seu poder e a sua legitimidade de presidente, elegendo o foro adequado para mudá-las: o Congresso. Como não agiu assim, justificou-se o ato preventivo de força: o contragolpe. 

Em plena Guerra Fria (1947-1991), quando o movimento comunista internacional promovia guerrilhas, atentados a bomba e sequestros nas novas democracias, parecia inevitável o enfrentamento violento das forças reacionárias conservadoras contra o, até então, maior esquema revolucionário já montado pelas esquerdas no continente americano. A ponderação dos políticos brasileiros, aliada à iniciativa da “violência sob controle” dos chefes militares, proporcionou uma solução inusitada, sem derramamento de sangue, com apoio da Igreja, de boa parte dos governadores, da sociedade civil, e com o concurso do Congresso.

A bibliografia revanchista incriminatória do período sequer cita essa excepcionalidade do movimento militar brasileiro, e insiste em um reducionismo que se resume aos lugares comuns da “violência militar” e do “ataque à democracia”. 

O segundo mito corrente é que o contragolpe de 31 de março instalou imediatamente uma “ditadura sangrenta”. Conceitualmente, “ditadura é um regime governamental no qual todos os poderes do Estado estão concentrados em um indivíduo”. Portanto, a única ditadura de fato e de direito no Brasil foi a de Getúlio Vargas, com congresso fechado, o Judiciário submisso, a imprensa oprimida (obrigada inclusive a elogiar o ditador), e mais de dez mil presos políticos, ao longo de 7 anos. 

No período do regime militar alternaram-se cinco presidentes “revolucionários”, todos eleitos legal e constitucionalmente, assim como mantidos em pleno funcionamento os três Poderes da República. Não se conhece ditadura na História com “revezamento de ditadores”, regularmente eleitos e empossados pelo Legislativo de um país.

E não se trata de semântica. O organismo internacional que analisa os governos no mundo, sob o aspecto de estrutura “democrática” ou "totalitária” - para usarmos as expressões por ele utilizadas - é o Tribunal Internacional de Justiça da ONU. Conhecido como a “Corte de Haia”, ele reconhece “estrutura democrática” naqueles países que obedecem a seis fundamentos básicos, sendo três deles oriundos da democracia grega, e os demais, típicos das democracias modernas.

Dos gregos, são considerados os princípios da isonomia legal, ou seja, “todos são iguais perante a lei”; da isotimia (ou da representatividade), “todos têm o direito de exercer funções públicas administrativas e de constituir um seu representante”; e da isagoria (em alusão às ágoras, locais onde os gregos exerciam a democracia direta) ou seja, a “liberdade de reunião e de expressão”, desde que não atentatórias às leis estabelecidas. Da democracia moderna, são outras três condicionantes: a existência de eleições regulares (independentemente se diretas ou indiretas); o pluripartidarismo (em oposição ao partido único dos regimes totalitários) e a alternância (rotatividade) no poder. E o mencionado Tribunal, à época, jamais classificou o Brasil como país de “estrutura totalitária”.

O terceiro mito apropriado pelas esquerdas é considerar o contragolpe como ato antidemocrático e sem qualquer respaldo jurídico.   

Entretanto, o “Movimento Civil e Militar”, desde o início, conforme o constante no AI-1, de 09 de abril 64, preocupou-se com a manutenção das instituições democráticas:

“Fica, assim, bem claro que a Revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”.

Deposto o presidente, a ideia dos militares era restaurar a democracia ameaçada e manter a ordem institucional, à princípio sem qualquer conotação ditatorial, mantendo vigente a Constituição Federal de 1946, com pequenas modificações, assim como abertos e funcionando o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. 

O Marechal Castelo Branco, primeiro presidente “revolucionário”, eleito pelo Congresso (1964-67), inclusive com o voto de Ulisses Guimarães (famoso por sua oposição à ditadura), praticamente apenas completou o mandato de seu antecessor deposto.  Ele priorizou sanear o país e preocupou-se em não cercear liberdades dos cidadãos, mesmo convivendo com os atentados terroristas da oposição, e as pressões militares para endurecer o regime.

As cassações dos direitos políticos do seu governo – alardeadas pelas esquerdas como “autoritarismo fascista”, mas sempre precedidas de inquéritos e processos – visaram neutralizar o esquema revolucionário comunista remanescente.

As sanções foram políticas, ainda que autoritárias, o que comprovava os princípios humanistas do movimento, e a constante preocupação dos militares na legitimação dos seus atos.  Essa solução passou longe do paredón de Cuba, ou dos gulags russos, onde naqueles mesmos momentos ainda estavam sendo fuzilados, ou aprisionados até à morte, sem qualquer processo judicial ou direito à defesa, milhares de dissidentes dos regimes revolucionários comunistas vitoriosos. 

Castelo Branco não conseguiu seu intento de realizar eleições e entregar o governo a um presidente eleito pelo povo. Pressionado pela “linha dura” dos militares que viam com desconfiança as lideranças civis como ainda ligadas aos esquemas anteriores de poder, de suporte predominantemente populista de esquerda, ele foi induzido a passar a presidência a outro “revolucionário”.

Escaldados com o passado de Getúlios e Jangos, os militares promoveram a eleição pelo Congresso do Marechal Costa e Silva (67-69). Ele assumiu o governo enfrentando uma oposição agressiva, organizada em uma “frente ampla” pelos antigos aliados da “revolução” - Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek - e assistiu o recrudescimento da guerra revolucionária, movida contra o regime pelas organizações terroristas de esquerda, chegar a um ponto insustentável. 

Até 13 de dezembro de 1968, a “democracia das espadas” havia preservado todas as liberdades, inclusive de imprensa e de manifestação pública. Mas, era impossível travar aquela guerra assimétrica usando apenas a Constituição como escudo, na defesa do Estado.

Não havia como ser diferente: a liberdade dos povos, já dizia o florentino Maquiavel, nisso repetindo autores mais antigos, se garante é com o ferro das espadas. 

*Gen Div R1 Marco Aurélio Vieira

Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

** Este texto é de opinião e é de total responsabilidade de seus idealizadores. 

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