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Por Miguel do Rosário, de O Cafezinho - Nesse domingo, a Globonews ancorou um debate com três nomes da terceira via: Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Alessandro Vieira (Cidadania).
A iniciativa é louvável. Uma pena que seja algo tão rara. Um canal que vem se propondo a ser uma plataforma de jornalismo de oposição ao governo federal deveria organizar debates diários, de preferência mais plurais.
A presença de representantes de Lula e Bolsonaro (ou os próprios, se eles toparem), por exemplo, é fundamental, até mesmo para os debates ficarem mais animados.
Desde que saiu do governo, Mandetta tem uma presença pública razoável, e sempre que há um debate desse tipo, envolvendo o conceito de terceira via, ele está presente. Já assisti a uns três ou quatro debates com ele, sempre com a presença de Ciro Gomes. A propósito, os dois costumam rasgar muita seda um para outro nessas conversas. No debate deste domingo, não foi diferente.
Mandetta, como de praxe, vomitou um bocado de clichês vazios. É um quadro intelectualmente fraco, que não aparenta estar se preparando, de fato, para os debates de que participa. Ele não identifica os problemas, tampouco sinaliza soluções. Sua estratégia de campanha, pelo jeito, será torcer pelo apoio de seu partido e ganhar parado, herdando os votos dos nem-nem. A âncora do debate lembrou que a fusão DEM X PSL pode ter o dedo do Planalto, mas isso foi rechaçado por Mandetta. Ele disse que, se isso ocorrer, estará fora, mas que até onde ele sabe, os quadros do PSL e DEM mais próximos de Bolsonaro deverão sair do novo partido. Francamente, não convenceu.
O maior problema de Mandetta é a falta de clareza sobre sua posição. Ele tem feito críticas duras a Bolsonaro, mas não é um nome identificado como oposição. É, no máximo, um dissidente.
O senador Alessandro Vieira saiu do anonimato com a CPI da Pandemia, na qual tem se destacado, em função de sua experiência como delegado de polícia. Suas intervenções são sempre esperadas com ansiedade pelo público. É um senador sério e estudioso, com uma imagem de político ético e íntegro. Essas qualidades lhe ajudaram a se eleger, e podem ter animado alguns estrategistas políticos de seu partido acerca do potencial de sua candidatura presidencial. Mas a sua participação no debate de ontem deixa claro que Alessandro não tem o carisma necessário para ser um candidato competitivo. Além disso, ele parece preso a um lavajatismo anacrônico, que não tem mais apoio em lugar nenhum. Essa característica pode lhe valer uns votinhos de setores médios insatisfeitos com Bolsonaro (ou das “viúvas de Moro”). Se Moro for candidato, porém, Vieira desaparece.
Um ponto bom da participação de Vieira foi sua ênfase na necessidade de se aumentar a assistência aos mais pobres, e isso hoje, com urgência, sem cálculo eleitoreiro se isso ajuda ou não o governo. Essa é a única postura digna possível diante do aumento da fome e do desemprego.
Mandetta e Vieira, todavia, são candidatos café-com-leite. São tão inviáveis que não há muita graça em analisar seu desempenho.
Ciro Gomes aderiu a uma postura excessivamente defensiva em relação ao PT. Ele não parece mais estar na posição orgulhosa e confortável de “atacante”, como antes do ressurgimento político de Lula.
Hoje, a postura de Ciro – suas palavras, seu tom de voz, sua linguagem corporal – é de alguém que lamenta, que reclama.
Em todas as suas falas, Ciro transparece imensa sensibilidade e irritação a qualquer menção ao ex-presidente. No debate de ontem, ele fala mais de Lula do que de qualquer outro tema.
O pedetista, além disso, tem se repetido demais. Em toda entrevista ou debate, repete as mesmas frases, os mesmos números, e isso gera cansaço no ouvinte que, por acaso, o escuta por mais de uma vez.
Ciro tem uma narrativa ainda confusa sobre alguns pontos. No início da entrevista, a âncora o confronta sobre suas relações com o PT, visto que ele foi ministro de Lula e esteve junto com o PT em todas as lutas políticas decisivas, até 2018 (contra os excessos midiáticos e judiciais no caso do mensalão, contra o golpe, contra a prisão de Lula).
Ciro tem dificuldade para explicar sua mudança. Uma hora ele diz que Lula fez um bom governo. Em outra que Lula é um “vendedor de ilusões”.
Nesse debate, ele pegou leve, porque os ataques de Ciro a Lula tem sido bem mais pesados, às vezes beirando o caricatural.
A tese econômica de Ciro também vem sendo apresentada de maneira repetitiva. Ele lembra que o Brasil cresceu muito dos anos 30 aos 80. E que depois disso o país perdeu o passo, sobretudo na participação industrial. Esse fenômeno, no entanto, é global. A indústria perdeu participação em quase todo o mundo (com exceção da China), em virtude da importância relativa que os serviços tecnológicos adquiriram. No caso do Brasil, o crescimento do agronegócio também explica, em parte, o decréscimo da participação industrial no PIB.
A desindustrialização, todavia, é um fato, e um grave problema econômico. Mas não faz sentido elogiar o período que se estende de 1930 a 1980, sem lembrar que a parte mais recente se deu sob o tacão da ditadura, que tinha um projeto industrial absolutamente concentrador, com produção voltada exclusivamente para os setores médios. A indústria do regime militar nunca olhou para a massa, e por isso, quando a democracia política empoderou as classes trabalhadoras, dando-lhes mais poder de barganha salarial, a inflação explodiu. Não dá para elogiar o período “desenvolvimentista” sem fazer essa ponderação.
Sua análise dos problemas econômicos testemunhados no segundo mandato de Dilma Rousseff é parcial e injusta. A sabotagem que Dilma experimentou não teve igual na história brasileira. Não foi propriamente, portanto, um problema de doutrina econômica.
Apesar da escolha infeliz de Joaquim Levy como ministro da Fazenda no início do segundo mandato, Dilma Rousseff havia apostado, em seu primeiro governo, num audacioso projeto de desenvolvimento, embora aparentemente cheio de falhas e contradições. No segundo mandato, não se pode esquecer que Levy foi substituído por Nelson Barbosa, que prometia (embora nunca tenha cumprido, por falta de tempo) dar uma guinada desenvolvimentista.
O problema principal de Dilma foi de ordem política, e seu governo foi vítima de um golpe de Estado pós-moderno, do qual a sabotagem de sua administração, em todos os níveis, foi parte essencial. Omitir a Lava Jato e o golpe como fatores fundamentais para explicar a crise econômica daquela época não nos ajuda a entender o que aconteceu.
As invectivas de Ciro contra as sondagens de intenção de voto, dizendo que elas “custam milhões de reais”, são uma tolice. As pesquisas não custam tudo isso. A tecnologia, ao contrário, tem baixado expressivamente os custos de pesquisa. Quando fala esse tipo de coisa, Ciro fere sua própria reputação, de “amigo dos números”. O pior, no entanto, é passar a imagem de que não gosta das pesquisas apenas porque elas não oferecem resultado positivo para si. Isso é uma espécie de negacionismo.
Os três pré-candidatos concentraram a maior parte de suas críticas em Lula, o candidato da oposição que lidera as pesquisas.
Isso me parece um erro. O problema do Brasil hoje, definitivamente, não é Lula.
Não basta “xingar” Bolsonaro, porém, como faz Ciro apressadamente. As críticas ao governo federal precisam ser elaboradas, construídas, explicadas didaticamente.
Bolsonaro é o antipetista por essência. O antipetista identitário, por assim dizer. Doria e Leite, pré-candidatos pelo PSDB, também já sinalizaram que sua estratégia de campanha terá uma pegada mais antipetista do que antibolsonaro.
O antipetismo já está amplamente servido, portanto. Claro, há o antipetismo pela esquerda, que é aquele no qual o PSOL surfou durante os anos em que o PT esteve no poder. Esse antipetismo de esquerda, hoje, não tem a força de antes, e sobretudo não tem apelo eleitoral expressivo.
O espaço que existia para Ciro (hoje não sei mais se existe) era o de um candidato verdadeiramente de centro, com muito diálogo com os setores liberais, e uma grande abertura para o campo progressista insatisfeito com o PT.
A importância de Tábata Amaral nessa construção era óbvia. Entretanto, como Lula ainda estava preso, o PDT calculou – equivocadamente – que poderia substituir o PT na esquerda. Forçou a barra no debate sobre a Previdência, e o resultado foi desastroso: afastou os liberais e partidos de centro, e perdeu parlamentares importantes. Ao cabo, os ataques exagerados ao PT, com alfinetadas no PSOL, no PCdoB e nos movimentos sociais, angariaram, como seria óbvio, forte animosidade de grande parte da esquerda.
A impressão que tenho é que Ciro esticou demais uma corda, que se rompeu. Ainda existe um setor social marcado por insatisfações com o PT, mas a comparação com Bolsonaro mudou a química.
As famílias de baixa renda estão aderindo em peso a candidatura de Lula. O antipetismo desses setores evaporou.
A classe média antipetista, por sua vez, se fragmentou. Uma parte dela se radicalizou no bolsonarismo, talvez por orgulho, e aderiu ao “vitória ou morte” de Bolsonaro. A tendência é que isso reflua, porém, porque é um preço demasiado alto. Ninguém vai arriscar sua vida por um governo considerado incompetente pela maioria.
Uma parcela mais progressista da classe média aderiu a Ciro e a outros candidatos da terceira via. Mas o preço cobrado por Ciro, essa radicalização antipetista, também tem sido excessivo. O pedetista teria obtido melhores resultados se apostasse numa retórica mais propositiva. Podia reduzir o uso de números decorados, e enveredar mais para o campo dos projetos, sonhos, utopias.
A classe média sempre foi afeita a essas abstrações, e Bolsonaro tem explorado muito essa característica, vide seu apelo constante à “liberdade”, ao “anticomunismo”.
Esse antipetismo progressista não é tão radical, não tem raízes profundas. Temos visto essa classe média, em nome do mal menor, aderindo, aos poucos, à candidatura de Lula. Isso explica os 6% de Ciro na última pesquisa Ipec. (Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.)
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