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Infelizmente, ainda é corriqueira a fala de que os desempregados, moradores de rua, cotistas, bolsistas do Prouni, beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada – BPC representam uma massa de incapazes de emergir e vencer a “competição” da vida real. Em outras palavras, são adjetivados como preguiçosos. O argumento mais ou menos elaborado é resumidamente justificado com a palavra meritocracia.
A glamourosa matéria exibida pelo Fantástico no último domingo sobre o jovem Artur Mesquita, de 15 anos, mostrou que o estudante é obrigado a subir no alto da árvore para melhorar o sinal de internet e assistir suas aulas no Pará.
É curioso como a imprensa em geral constrói casos de superação quando, na verdade, exemplos como o do jovem Artur evidenciam a falência das políticas públicas que, por consequência, é promotora de miséria e atrasos no desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens neste país. Como também não podemos narrar como empoderamento o caso da Dona Maria, de 101 anos, que procurava emprego para comprar vinhos e carnes sem depender de ninguém.
A pergunta que fica é: a meritocracia é promotora de desigualdades sociais ou trata-se de um mecanismo justo? Qual seria sua resposta? Seja qual for, o fato é que você passa a se posicionar politicamente com um pensamento que eventualmente não fora formulado por você, ou seja, foi socialmente construído.
Não deixarei para o final a minha resposta para a questão apresentada neste texto. Para mim, sem igualdade de partidas não há meritocracia nem mesmo democracia, olhando por esse prisma. Por esse motivo, ela é uma farsa que funciona como uma indústria, com produção em escala mundial, para o descarte de pessoas pobres e vulneráveis. Trata-se da espetacularização da pobreza que transforma casos como o de Artur e Dona Maria na expressão que apelido de “pobre star”. A verdade é que não tem meio termo: para quem defende a farsa meritocrática, a pobreza é trabalhada nas ambivalências, tais como criminalização ou glorificação.
É difícil, reconheço, ler histórias de superação e não se emocionar ou momentaneamente se iludir com a meritocracia. No entanto, esteja certo que ela não é uma resposta paliativa, tampouco definitiva para as injustiças sociais. O que devemos descartar do repertório da humanidade não são os pobres e vulneráveis, mas o racismo, homofobia, xenofobia, feminicídio, machismo, preconceito de classes e as inúmeras formas existentes de opressão. Precisamos de uma sociedade onde não exista necessidade de competir em desigualdade de partida para obter bem-estar e reconhecimento social.
Infelizmente, é verdade que as classes mais vulneráveis possuem trabalhos mais exigentes fisicamente e gastam mais tempo de comutação e também possuem piores acessos e péssimas estruturas de apoio. Então, não sobra muito tempo para o desenvolvimento profissional o que, praticamente, os condena a empregos precários, impedindo a mobilidade social.
Decerto, sabemos que a meritocracia engendra uma elite que se arvora em narrar que serve ao público quando, na verdade, se retroalimenta das vantagens que seus privilégios lhe conferem, isto é, podem largar na frente da maioria em qualquer competição ou disputa. O problema é que isso é um sistema fechado. Trata-se de uma retroalimentação sistêmica viciosa em que as elites no passado receberam e atualmente entregam, por exemplo, educação para seus descendentes de uma forma que ninguém mais consegue proporcionar. Essa educação extraordinariamente incrível custa caro e ninguém mais consegue pagar por ela, a não ser quem pode - a elite. O mais curioso em tudo isso é que não para por aí, pois esse contingente privilegiado organiza o mundo do trabalho ao seu bel prazer, isto é, os trabalhos com melhores remunerações são quase exclusivamente vinculados às habilidades e competências que o ensino mais caro proporciona.
Allan Borges é Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais
Foto: Reprodução.