Os retrocessos do Novo Código Eleitoral

Os retrocessos do Novo Código Eleitoral

            Após a aprovação pela Câmara dos Deputados da Reforma Eleitoral para o próximo ano, com diversas alterações na legislação que rege o processo eleitoral, entre elas o retorno das coligações partidárias, que aguardam agora a votação no Plenário do Senado Federal, dessa vez o debate gira em torno – e não se entende porque não fora discutido dentro do texto da Reforma – da elaboração do Novo Código Eleitoral, que tem gerado bastante polêmica.

            Veja que, como regra constitucional, todas as normas que impactem o processo eleitoral, para ter validade para a eleição do próximo ano, com base no princípio da anualidade, precisam estar aprovadas até o início do mês de outubro próximo, o que acaba gerando grande confusão e disfunção do debate legislativo, em especial pelo fatiamento dos temas, muitos de grande importância para partidos, candidatos e, ainda, para o próprio eleitor, sempre nesta ordem, afinal, no Brasil, o detentor do poder político (eleitor) é sempre deixado de lado.

            Como se sabe, o atual Código Eleitoral, ainda em vigor, desde 1965 (Lei nº 4.737), tem por objeto, conforme previsão do seu artigo 1º, caput, “assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado”, determinando, ainda que, para a sua fiel execução, compete ao Tribunal Superior Eleitoral a regulamentação de tais normas através de instruções normativas, como ocorre em todas as eleições. Nesse sentido, o Congresso Nacional traz como mudanças mais efetivas para a implementação do Novo Código Eleitoral os seguintes pontos, que merecem nossa total atenção, por se tratarem de questões polêmicas e, algumas, prejudiciais ao processo político e democrático.

            Com cerca de 890 artigos, o texto do Novo Código Eleitoral, que deve ser votado na próxima quarta-feira, traz reformulação ampla em toda a legislação partidária e eleitoral, entre elas, a flexibilização do uso da verba do fundo partidário, a redução da divulgação de pesquisas eleitorais, bem como a censura à realização de pesquisas na véspera do pleito, ainda, a obrigação dos institutos de pesquisas de informar o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições, o que é visto por alguns como cerceamento de informações e podendo estimular a circulação de números falsos e que confundirão os eleitores.

            Um ponto do projeto que está causando polêmica refere-se ao fundo partidário e a lista de despesas que poderão ser pagas com recursos públicos deste fundo, como em propagandas políticas, transporte aéreos e compra de bens móveis e imóveis, além da possibilidade da verba poder ser usada em “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido político”, ou seja, a norma deixa a definição a cargo do próprio partido, o que por si só poderá gerar um descontrole do tipo de gasto realizado com recurso público, incluindo o que não guarde relação direta com o processo eleitoral e a eleição.

            No que tange à Lei da Ficha Limpa, o projeto altera o período de inelegibilidade definido nesta, ou seja, o prazo continua sendo de oito anos de incidência da inelegibilidade, mas o termo inicial (início da contagem) será contado a partir da condenação, e não mais após o cumprimento da pena, corrigindo, nesse ponto específico, o equívoco da LC 135/10, que nos casos de condenação por crimes (alínea “e”) gera grande distorção e desproporcionalidade, ampliando o prazo de restrição para além dos 30 anos. Inclusive, sobre esse ponto já há uma ADI em processamento no Supremo Tribunal Federal.

            As fake news não passaram em branco nesse projeto, que traz a punição para quem divulgar ou compartilhar fatos “que sabe ou gravemente descontextualizados” com o objetivo de influenciar o eleitor, com previsão de pena de um a quatro anos e multa, pena que poderá ser aumentada se o crime for cometido, por exemplo, por meio da internet ou se for transmitido em tempo real, além do uso de disparo de mensagens em massa, ou, ainda, se praticada para atingir a integridade das eleições com vias a “promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”. Esse trecho, que destinatário certo, possivelmente e lamentavelmente, será vetado pelo Presidente da República, seguindo o que fez no texto da revogação da Lei de Segurança Nacional.

            Um ponto triste do projeto é o que retira direitos conquistados em anos de muita luta e evolução democrática, vez que anistia partidos que não cumpriram a cota de sexo e de raça em eleições antes da promulgação da lei, ou seja, pela regra “não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário” aos partidos que não destinarem os valores mínimos dos fundos eleitorais e partidários a mulheres e negros, o que certamente, em caso de aprovação, extinguirá todas as ações em tramitação que visem reparação nesse sentido. Evidente retrocesso!

            No que tange à administração partidária e de campanha, o projeto prevê a possibilidade dos partidos políticos contratarem, com recursos do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas, terceirizando, assim, de certa forma, o trabalho hoje realizado pela Justiça Eleitoral, além de ressuscitar a propaganda partidária gratuita obrigatória nas emissoras de rádio e televisão, que foi extinta pela reforma de 2017. Além desse ponto, a proposta multa apenas propaganda eleitoral negativa irregular que contiver “acusações inverídicas graves e com emprego de gastos diretos em sua produção ou veiculação”.

            Esse é um resumo de alguns dos pontos que trarão mudanças no processo eleitoral próximo, bem como na gestão partidária, além de outros que serão especificados após a aprovação do texto final, o que, só nessa pequena explanação, demonstra mais uma vez, assim como alertei acerca da Reforma Política, a necessidade de atenção plena e participação efetiva de toda a sociedade, vez que tais mudanças impactarão, por certo, não só no processo eleitoral, como também em suas vidas e, como última fronteira, na Democracia brasileira, por se tratar de evidentes alterações que representam, não os anseios do povo, mas sim a defesa dos interesses da própria classe política.

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Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/02/lira-diz-que-projeto-do-novo-codigo-eleitoral-deve-comecar-a-ser-votado-na-proxima-quarta-feira.ghtml

 

Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes - org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Por Ultima Hora em 09/09/2021
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