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De acordo com pesquisa Datafolha divulgada pela BBC News Brasil no início de maio, a população que se declara “sem religião” já somaria a cifra de 14% do total da população brasileira.
O quadro mais preciso que se têm sobre o perfil religioso do país é fornecido pelo Censo do IBGE, realizado a cada dez anos. O último Censo foi feito em 2010.
A previsão era que em 2020 seria realizado um novo Censo, onde esses dados seriam atualizados. Contudo, isso ainda não aconteceu em decorrência da pandemia. O que se há no momento são pesquisas menos abrangentes, mas que apontam tendências a serem diagnosticadas pelo IBGE.
A pesquisa Datafolha, com foco no perfil do eleitorado para as eleições de 2022, trouxe dados sobre a religiosidade dos brasileiros e brasileiras que merece uma reflexão. Como indiquei acima, 14% já se declararia “sem religião”.
No Censo do IBGE de 2010, esse contingente da população era de 8%. O crescimento dessa população se acentuou a partir da década de 1980, conforme o Censo do IBGE: 1,6% em 1980, 4,8% em 1991, 7,3% em 2000.
Em relação ao segmento “sem religião” chama atenção os dados sobre São Paulo e Rio de Janeiro, conforme o Datafolha: em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem sem religião chegam a 30% dos entrevistados, superando evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%). No Rio de Janeiro, os sem religião nessa faixa etária chegam a 34%, também acima de evangélicos (32%), católicos (17%) e demais religiões (17%).
Mas o que significa “sem religião”? É preciso cautela ao se falar desse grupo, pois uma análise apressada poderia indicar que seriam pessoas ateias e/ou agnósticas. Contudo, não é esse o caso.
Trata-se de um grupo que mantém uma crença no sobrenatural, mas a vive de forma individual, sem a intermediação de instituições e lideranças religiosas. Seria um fenômeno em sintonia com o individualismo e a pluralidade de referências existenciais disponíveis as pessoas no mundo urbano e moderno.
Em face disso, não é gratuito que esse grupo tenha começado a crescer no Brasil a partir dos anos 1980, quando se consolidou um modelo urbano-industrial de sociedade em detrimento do modelo rural de origem colonial, com uma série de implicações para os indivíduos, como o declínio dos laços sociais coletivos e da autoridade do poder patriarcal.
Hoje em dia as pessoas estariam mais livres para suas escolhas religiosas, inclusive com sincretismos (católico e umbandista, por exemplo), ou ausência delas (ateísmo e agnosticismo).
A religião sendo vista como uma opção e uma escolha, e não um elemento identitário que permeia toda a existência humana, como nos projetos de construção de uma identidade nacional pautada no pilar do catolicismo feitos no Brasil do século XIX.
Apesar dessas mudanças no perfil religioso da sociedade brasileira, com os 14% de “sem religião” apontado pela pesquisa Datafolha, isso não significa que a religião tenha deixado de ser um importante referencial na vida das pessoas.
De acordo com a respostas para o Datafolha, 49% da população ainda se identifica com o catolicismo, sendo que no Censo do IBGE de 2010 esse percentual era de 64%. Por outro lado, 26% se declaram evangélicos, sendo que no Censo do IBGE de 2010 esse percentual era de 22%.
Se o Censo do IBGE for tomado como referência, a população católica foi de 89% em 1980, para 83% em 1991, 73% em 2000, e 64% em 2010, enquanto os evangélicos aumentaram de 6% em 1980, para 9% em 1991, 15% em 2000 e 22% em 2010.
Nesse caso, a pesquisa Datafolha revelaria que o declínio do percentual de católicos continua acentuado no país, ao passo que diminuiu a velocidade de crescimento da população evangélica.
Mas o que todos esses números indicam sobre a religiosidade no Brasil?
Entre as diversas reflexões que podem ser feitas eu destacaria a consolidação de uma população cada vez mais diversa em suas crenças religiosas, ainda que muito dessa “diversidade” fique na matriz do cristianismo.
Mas o fato é que a realidade de um país marcado pela hegemonia de uma religião, como foi com o catolicismo até o final do século XX, não parece mais plausível, ainda que seja um sonho acalentado por alguns que almejam um “Brasil evangélico” em um futuro próximo.
Por outro lado, a ideia de que o ateísmo se converta no grande referencial identitário do país não parece factível. As pesquisas, como Datafolha e IBGE, demonstram que a religião continua sendo importante na vida das pessoas, e isso não deve mudar tão cedo.
O que fica disso tudo é a necessidade de se reconhecer que no Brasil a pluralidade de crenças religiosas, ou ausência dela, vai ser cada vez mais um elemento de nossa configuração como sociedade.
E perante isso uma atitude salutar é o desenvolvimento do respeito e tolerância em relação a essa pluralidade, sempre em risco perante tentações teocráticas instrumentalizadas para fins políticos, como atualmente acontece no cenário brasileiro.
Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61329257
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