PERDENDO A SOBERANIA

Gen Marco Aurélio Vieira – fevereiro de 2025

PERDENDO A SOBERANIA

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania; .... in Constituição Federal - 1988

 

No final do Sec XX, a geopolítica pós-Guerra Fria fez o Exército dos EUA definir quatro características do ambiente estratégico global, na previsão de onde os futuros conflitos poderiam se desenvolver: o chamado mundo VUCA, sigla para volatility/volatilidade, uncertainty/incerteza, complexity/complexidade  e ambiguity/ambiguidade. Mais recentemente, em 2018, o antropólogo americano Jamais Cascio apresentou o chamado mundo BANI, brittle, anxious, nonlinear e incomprehensible, ou seja: frágil, ansioso, não-linear e incompreensível.

Os mundos VUCA e BANI evidenciaram-se na pandemia, nas enchentes do Rio Grande do Sul, nos incêndios da Califórnia, na eleição de Trump. Eventos globais inéditos que expuseram nossas vulnerabilidades, geraram intensas cargas de ansiedade coletiva, agravada por respostas não-lineares e incompreensão generalizada, consequências da incapacidade de processar a avalanche de (des)informação que nos chegava por inúmeras fontes, incessantemente.

Quanto ao ambiente geopolítico, confirmaram-se as previsões do aumento das hostilidades militares. A Academia de Direito Internacional Humanitário e de Direitos Humanos de Genebra-Suíça computou 110 conflitos armados em curso no mundo em 2024, alguns deles em andamento há mais de 50 anos.

Dentre estes, a guerra do Hamas com Israel, e a da Rússia contra Ucrânia são aquelas de maior possibilidade de se expandirem além das regiões onde são travadas. Neste sentido, as perspectivas de evolução e as consequências desses conflitos, a provável escassez mundial de recursos naturais previstos já em 2050, além do avanço do emprego militar da inteligência artificial (IA), deveriam estar balizando os planejamentos estratégicos do Brasil, neste primeiro quartil do Século XXI.  

Entretanto, no Brasil, a missão constitucional de defesa da Pátria – atribuída às Forças Armadas – tem sido relegada ao descaso, por querelas políticas paroquianas, incompetência estratégica e ignorância geopolítica aguda do atual governo.  Lula e seus ministros continuam chafurdando no pântano dos ressentimentos do regime militar, com assombrações universitárias de golpe e vingancinhas pessoais sendo externadas em decisões leigas desprovidas de qualquer fundamento operacional, cortes orçamentários espetaculosos, e em provocações extemporâneas de revisão da Lei de Anistia.

No campo interno, assistimos a impotência do Estado diante da criminalidade, que atualmente domina presídios e comunidades urbanas (mais de 900, só no Rio de Janeiro), e até já se infiltrou na política.  O Ministério da Justiça e o STF continuam fingindo não ver a perda do monopólio da violência institucional do Estado para os criminosos. O problema deixou de ser de segurança pública, quando passamos a viver uma guerra assimétrica, com danos à soberania e à cidadania em grande parte das periferias das metrópoles brasileiras já sendo aceitos até como “naturais”.

No campo externo a situação se agrava com política diplomática modelo sindicato dos metalúrgicos, alimentada pela ambição pessoal de Lula e reforçada por áulicos do seu entorno, o que está levando o País a perder seu histórico conceito de mediador de divergências internacionais. Em sua megalomaníaca pretensão de se tornar um “Mandela Tupiniquim”, nosso Presidente tem se manifestado de forma provinciana nos fóruns internacionais, sugerindo soluções simplórias para os conflitos entre nações, quase sempre despertando repercussões negativas junto aos países e líderes mundiais.

Lula vem contrariando os valores ocidentais/cristãos, ao alinhar-se ao Irã, aos terroristas do Hezbollah e do Hamas, apoiando abertamente os ditadores Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, e defendendo inclusive o regime cubano. Aí caberia lembrar Jerônimo de Praga condenado a fogueira "santa", que ao ver uma pobre senhora trazendo um graveto para depositar sobre seus pés, exclamou: - Santa simplicitas (santa ignorância).

Não foi à toa que Israel declarou Lula persona non grata, enquanto o presidente da Ucrânia afirmou aos jornalistas, durante coletiva em Davos, agora em janeiro, que o brasileiro “[...] não é ator relevante na solução do conflito com a Rússia e nem será com o retorno de Donald Trump”.

Em uma demonstração de total desrespeito à soberania do Estado brasileiro, inclusive, o ditador de plantão na Venezuela tem alardeado a sua intenção de atacar a Guiana, valendo-se do território brasileiro, e já chegou a anunciar o emprego de tropas brasileiras para “libertar Porto Rico”. Tudo sem qualquer manifestação ou resposta à altura do Governo brasileiro, ou de seu governante.

Consequências já verificadas: inseguranças econômica, jurídica e política, que associadas à campanha de descrédito das FFAA, ultimamente patrocinada pelo próprio governo, como “política de prevenção contragolpes militares”, só tem desqualificado diplomaticamente o país e fragilizado ainda mais suas Forças Armadas. Resultado prático: perda de soberania e ruína da capacidade operativa das forças militares de autodefesa.

Nos próximos dias, assistiremos uma reforma ministerial, na intenção do Presidente de melhorar sua popularidade. Provavelmente, a escolha do novo Ministro da Defesa recairá mais uma vez em um nome político, cuja missão deverá ser a mesma dos seus antecessores, desde a sua criação em 1999: submeter os militares ao “poder civil”; neutralizar quaisquer intenções geopolíticas das Forças Armadas; “amansar” seus chefes com migalhas de orçamento; e, lavar as mãos com relação às injustiças ou crimes cometidos contra a gente das armas.

Seguramente, entre os candidatos não há quem ao menos conheça o atual estágio da guerra no mundo, as ameaças ao País, ou as carências operacionais das Forças Armadas.

É temerária a atitude da imprensa, da Academia e de muitos intelectuais que insistem em “passar pano” na insensatez dessas decisões sabidamente contrárias aos interesses e à segurança nacional. A ignorância geopolítica, aliada a essa irresponsável miopia patriótica nos deixa perplexos, e trará consequências nefastas. Quando tanta gente defende incompetências, e tantas instituições atuam contra a “razão de Estado”, contra inclusive a vontade popular, só resta aguardar o desmanche da Nação. 

Gen Marco Aurélio Vieira

Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

Por Ultima Hora em 02/02/2025
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