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* Walter Felix Cardoso Junior
Então, gente... Eu os convido a refletir sobre essa torrente de rabos-presos que assolam nosso país em tempos tão complicados. Rabo-preso é um termo alegórico muito significativo. Caracteriza a condição de alguém que pode ser chantageado por agir errado, cometer crimes, fazer algo realmente deplorável, tornando-se vulnerável a denúncia, caso não cumpra as exigências de quem o extorque.
Todo rabo-preso é caudatário de condutas condenáveis. A perspectiva de exploração das deficiências morais de alguém, mediante chantagem, pode objetivar condicionar o seu poder de decisão no exercício funcional, beneficiando criminosos. Explicando melhor, qualquer um fica de rabo-preso quando está ou pode estar sendo coagido em razão do cometimento de ilegalidades ou imoralidades não aceitas pelo senso comum, pela consciência comum, encarnando por isso mesmo alvos de extorsão.
Metade dos brasileiros, pelo menos cinquenta e oito milhões deles, estão a procura de gente “limpa” imune a extorsão, sem rabo-preso, que possam concorrer nas eleições e serem eleitos para cargos importantes do governo. Virtudes como honestidade, probidade, responsabilidade, estão cada vez mais na agenda ética desejada pela sociedade, pois todos estamos completamente fartos e enojados de tanta falta de moralidade pública e maus modos dos representantes do povo.
Sim, os “santos” são raríssimos e, digamos, todos nós temos o nosso lado sombrio. Por isso, devemos reverenciar os ícones da moralidade, exemplos históricos, verdadeiros referenciais da humanidade, como Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King Jr, Chico Xavier, Nelson Mandela e Malala Yousafzai, dentre outros. Mas, onde estão os nossos patriotas, brasileiros isentos de dossiês pecaminosos, imunes à sanha dos investigadores particulares e dos “arapongas do estado” a serviço do lado negro da força?
Como se vê quase todos os dias nas mídias informativas nem só a categoria dos políticos está coalhada de rabos-presos. Também há gente desse naipe em outras searas privilegiadas, como a dos magistrados, militares, religiosos, educadores, diplomatas, agentes da inteligência e mais uma gama sem fim de fraudadores da moral, gente que vive colocando em risco a sua biografia. Inevitavelmente, sendo o tempo senhor da razão, e como a realidade sempre se impõe, todos eles acabam na barra dos tribunais e motivo de chacota nas comunidades.
Entretanto, a existência de rabos-presos nas Forças Armadas, e nas Polícias, apenas como exemplo, causa situações muito graves, quando se percebe que nos faltam comandantes e chefes íntegros, invulneráveis a “persuasão”, ou invioláveis a qualquer coisa que possa coagi-los a fazer ou agir em detrimento da moral, dos regulamentos, do interesse do serviço, da lealdade e da liderança no seio das instituições, podendo, em caso de capitulação, ocasionar prejuízos incalculáveis à disciplina e à hierarquia.
Porém, todos temos o “muro da consciência”. Para muitos, ele é bem baixinho, o que favorece a corrupção. Para outras, pessoas estatisticamente mais raras de serem encontradas, o muro é bem mais alto. A consciência de muro alto carrega o desenvolvimento de virtudes nobres que impedem ou dificultam a debacle moral trágica, afastando essas pessoas de erros catastróficos, aqueles que inicialmente abrem pequenas brechas e que depois se transformam em verdadeiros portais por onde passam as chantagens, ocasionado a culpa que mortifica almas, porque elas carregam segredos que não podem ser confessados a família nem aos amigos nem aos subordinados, e que, por fim, acabam por faze-las rodopiar nos torvelinhos da sociedade.
É triste tomar conhecimento de fatos cavilosos de autoridades da República. De fato, muitas delas tombam com a extorsão decorrente de parentes-problema, como os filhos “ovelhas-negras”, ou quando figuras do alto escalão se tornam presas de bandidos conhecedores das suas mazelas. Com isso, passam o restante de suas vidas tentando impedir escândalos e revelações bombásticas de situações estarrecedoras, como adultério, viciação em drogas ilícitas, fraudes e corrupção, derivações penosas de questões sexuais mal resolvidas e enrustidas, sorrateiras traições políticas, conexões comprometedoras, e até mesmo a ocultação de atos criminosos cometidos por subordinados ou aliados. Afinal, é chavão corrente que amigo não precisa ser anjo.
Seja como for, nós que ainda vagamos longe da perfeição, precisamos cuidar das próprias imperfeições morais, mormente aquelas mais penosas e que podem desdobrar motivos de humilhação, especialmente em conjunturas ameaçadoras, como a que atravessamos, cheia de convites sedutores, mas que têm em segundo plano escondido condições negativas de exploração moral daqueles que têm algo a oferecer, como líderes no exercício de funções de governo. A enorme pressão psicológica baseada em chantagens “bem circunstanciadas”, pode, inclusive, “mudar o DNA moral” de pessoas fracas, levando-as ao desespero.
Às vítimas de extorsão, é bom considerar o seguinte: Não responder diretamente a chantagem, pois pode dar a entender que a pessoa "mordeu a isca". É prudente deixar o chantagista falar ou agir até se esgotar. Nunca se deve ceder de pronto, sem negociar de forma saudável. Na vida cotidiana é sempre bom não ficar imobilizado e sem poder se defender disso ou daquilo por estar com o rabo-preso. Fazer as coisas corretamente, tudo certinho, nos levará à situação de liberdade, de autodefesa, sempre que formos ameaçados.
Inclusive, não é nada adequado ficar imaginando que os outros possam estar com o rabo-preso conosco. Ao contrário das oportunidades que a vida nos oferta, as tentações dão-nos quase sempre uma segunda hipótese, geralmente uma opção controvertida, que merece uma boa reflexão ética, levando em conta qual é a verdadeira relação que desejamos manter com os outros. Mesmo que haja motivos reais para alguém se sentir com rabo-preso conosco, pode acontecer de ele não se sentir assim. Ter receio de se colocar com o rabo-preso é um sentimento apropriado quando se tem o propósito realístico de evitar situações difíceis do cotidiano familiar e profissional.
Obviamente, não é aconselhável nos tornemos cobradores, mesmo quando somos ludibriados, sobretudo se em algum momento pensamos fazer denúncias que não temos como comprovar, muitas delas apenas fofocas. Afinal, a interatividade entre as pessoas pode ser mantida menos pela confiança recíproca do que pela recíproca suspeita, e isso precisa ser considerado. Quem tem o rabo-preso não é nem livre nem independente nem soberano. Ademais, é essencial não ter rabo-preso com o sistema. A sabedoria popular já carimbou a tese de que “o sistema é phod@“ (sic). Finalizando, esclareço que a prevenção continua sendo o melhor caminho para combater a corrupção e demais crimes que possam ameaçar a reputação, a saúde e a sobrevivência das pessoas em seus cargos e posições sociais. WF
* Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado na Academia Militar das Agulhas Negras, ex-Comandante do 63 BI; Egresso de 4 cursos do Centro Hemisférico de Estudos de Defesa, Washington/USA; diplomado em Gestão de Recursos de Defesa pela Escola Superior de Guerra; ex-Diretor do Departamento de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; e ex-Secretário de Planejamento Estratégico da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Publiquei três obras de Inteligência Competitiva, uma delas na Argentina.
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