Visitando um certo lugar... De falar

Visitando um certo lugar... De falar

 Se eu já não soubesse o que é “lugar de fala”, eu pensaria que a expressão se referiria ao parlamento ou grupos de debates. Ora, existe um lugar melhor para falar e ser ouvido do que em um local dedicado para isso? Quando falamos uns com os outros somos capazes de suspender nossas verdades e enxergar o mundo a partir de uma realidade diferente da nossa. O “lugar de fala” nega isso.

 Antes de opinar sobre, vamos usar a definição original da coisa. Diz Djamila Ribeiro, “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas”. O “lugar de fala” vem, nesse sentido, para dar voz àquelas que historicamente e socialmente foram oprimidas e perderam o direito de serem ouvidas: as minorias. Assim, esse discurso vem banhado de uma ideia de conflito entre os diferentes e precisa das ideias identitárias dos movimentos sociais.

 Há duas ideias nisso tudo que me incomodam profundamente e que demonstram que essa expressão não é nada brasileira. A primeira é de uma segmentação da população em caixas cada vez mais específicas. A segunda se refere a inexistência da condição humana empática que essa teoria pressupõe.

 Vamos lá. Como o país da miscigenação e inclusão de povos e culturas, que é o Brasil, pode criar uma teoria que segmenta as pessoas em grupos opostos? Se considerarmos somente sexo (homem e mulher), gênero (heterossexual e homossexual), transsexualidade (cis e trans), cor (branco e negro) e renda (pobre e rico), já teríamos no mínimo 32 caixas para dividir as pessoas em diferentes clãs. E olha que eu coloquei só duas classes em cada uma das classificações, enquanto esse pessoal do “lugar de fala” coloca MUITAS outras.

Cada uma dessas caixas vêm, de acordo com a teoria da interseccionalidade, com diferentes níveis de prestígio social. Um homem, hétero, cis, branco e rico tem muito mais prestígio que uma mulher, lésbica, trans, negra e pobre. Assim, cada ser em cada caixa perde a condição de ser humano, um ser capaz de ter experiência únicas e singulares, para se tornar uma certa “etiqueta” de acordo com o seu prestígio social. Uma conclusão imediata disso é que a Verdade não pode ser alcançada em diferentes temas por pessoas de diferentes caixas. Ora, este é o réquiem da empatia e coesão social.

É claro que cada uma dessas pessoas terá, ao longo da vida, diferentes vivências e perspectivas sobre o mundo. Também é importante ouvir as experiências de cada um quando estamos discutindo temas delicados. Somos seres sociais, portanto somos capazes de dialogar e entender uns aos outros por meio da empatia. Não pode um homem branco entender a realidade da mulher negra a partir dos estudos e diálogos que ele faz durante a vida? Somos dotados de empatia e razão. É claro que uma pessoa é capaz de entender a outra se estiver interessada nisso. Para que filmes como “Estrelas Além do Tempo” existirão então?

Temos o réquiem das artes aqui. Por meio das artes somos capazes de atingir estados emocionais que não conseguimos durante nossa vida. Nossas almas são tocadas e estimuladas a enxergar outras perspectivas humanas que não conseguimos obter, por um motivo ou por outro, até o momento de nossas mortes. As pessoas que defendem o “lugar de falar” estão castrando os artistas. Não importa mais a beleza ou os dilemas morais mais profundos que foram abordados. O que importa é o “papel social” que a obra se sujeitou, se desfigurando, em prol das minorias.

 Quando nós brasileiros vamos mandar estas teorias segregacionistas embora daqui? Racismo, machismo, homofobia, transfobia… Tudo isso existe sim aqui e devemos combater com todas as forças. Mas é claro que essas teorias não são nossas. Aqui se ouve forró, modão sertanejo, xote, axé, samba e funk sem cerimônia nenhuma. Todas as culturas chegam aqui, se misturam e prosperam. Uma pessoa tem bisavô escravo, avó escravagista, pai de descendência indígena e mãe portuguesa e se casa com, quem sabe, um canadense que veio curtir o carnaval. Somos o país do mexidão. Nossa força é a Unidade. Isso é ser brasileiro.

 

Por Ultima Hora em 07/03/2023

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