Yanomami e o ouro de sangue

Yanomami e o ouro de sangue

As imagens dos yanomami magérrimos, adoentados, com crianças e idosos muito abaixo do peso, esquálidos nas clareiras dos desmatamentos dos garimpos de ouro, às margens dos rios poluídos de mercúrio, moribundos, onde a floresta parecia um campo de concentração e de extermínio grudaram na minha mente.

O país e o mundo estão impactados pela visão do genocídio que vinha sendo praticado, à luz do dia, contra os povos originários do nosso país. Os pedidos de socorro foram ignorados pelos responsáveis para lhes garantir proteção. Tamparam os ouvidos e ficaram mudos, enquanto eles gritavam por ajuda. Uma parte da população estava adormecida e entorpecida pelo veneno das fakenews, enquanto o ex-governante parecia esperar a hora para anunciar, em rede nacional, a extinção dos yanomami.

E eles, guardiões das florestas e dos rios, dos quais retiram sua sobrevivência, estavam morrendo, junto com a natureza, que sangra pela exploração irresponsável de suas riquezas. Os diamantes explorados em áreas conflagradas da África ficaram conhecidos como diamantes de sangue. Agora, nós temos o ouro do genocídio dos yanomami, o ouro de sangue. Rios envenenados, florestas derrubadas, solo contaminado, mortes de crianças e de idosos, tendo por testemunha o silêncio do governo. Cenas de um horror talvez só imaginado por alguém como o ex-presidente, que festejou as mortes dos indígenas da América do Norte. Coube ao Presidente Lula levar seus ministros à Reserva Yanomami e impedir que o genocídio fosse perpetuado.

A intolerância em relação ao mais vulneráveis sempre foi uma marca do Estado brasileiro. Nossa história é repleta de casos de ofensas aos povos indígenas, aos africanos e aos afrodescendentes que aqui foram escravizados. A sanha perversa, que contradiz a ideia do ser humano cordial dos trópicos, é resiliente e teima em permanecer nos nossos dias, até que imagens de crueldade venham a público, para nos sacudir.

São inúmeros os casos de chacinas, são incontáveis os casos de violência policial contra jovens negros e negras nas favelas e nas periferias. São carandirus e pedrinhas que assombram todos os dias a afrodescendência e os pobres.

Precisamos nos debruçar e encontrar soluções para impedir que nos transformemos numa nação de brutos, de indiferentes, ou que nos mobilizemos somente para estancar essas feridas abertas, embora sabedores que teremos outras sangrando sobre o solo brasilis.

Grilagem, ocupação de terras devolutas, invasão de áreas demarcadas para nações indígenas, desmatamento, garimpo e mineração ilegais e tráfico encabeçam a lista de crimes e práticas condenáveis realizadas ao longo da história do Brasil, e, raramente, os culpados são punidos.

É preciso de um basta definitivo nos genocídios. É preciso salvar e assegurar todos os direitos dos povos originários. É preciso que a desintrusão das áreas ocupadas seja realizada rapidamente, com o levantamento de todos que lá estiverem, para que não ousem retornar.

A memória desses acontecimentos que envergonham a nação não pode ficar escondida. O Brasil precisa de equipamentos de memória que sejam conhecidos pelo nome real do havido na história. Nesse sentido, é preciso que o Estado tenha o Museu do Genocídio dos povos Indígenas, que terá o registro de toda a história dos povos originários.

Um Museu da Escravidão também é necessário, para registrar toda a memória da escravidão dos africanos e dos afrodescendentes, para que trabalhos análogos à escravidão nunca mais aconteçam.

Não são propostas originais, pois no mundo já existem equipamentos de cultura e de memória com o mesmo conteúdo, na Alemanha, na África do Sul, na Inglaterra, nos EUA e em outros países. Isso permite que as populações tenham a perspectiva dos valores civilizatórios e humanitários.

Dessa forma, trataremos da origem de todos esses males, que residem na brutal desigualdade constitutiva do Estado nacional e formadora da nação brasileira. A ideia de que levar vantagem é o que é importante tem que ser interrompida. O Estado brasileiro precisa de renda básica, para repartir melhor o bolo do crescimento econômico, para ser bom para nação.

O Brasil é poderoso e a imagem que desejamos ter para nos emocionar é a da mesa farta e enfeitada de flores e de cantos de amores, sem lamúrias ou dores.

Por Eloi Ferreira de Araujo Ex-ministro da Igualdade Racial e Ex-presidente da Fundação Cultural Palmares.

Por Ultima Hora em 24/02/2023

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Notícias Relacionadas

BNDES libera R$ 10,75 bilhões para obras na Via Dutra e Rio-Santos: impulsionando a economia Brasileira
19 de Julho de 2024

BNDES libera R$ 10,75 bilhões para obras na Via Dutra e Rio-Santos: impulsionando a economia Brasileira

ASSERJ comemora a geração de mais de mil empregos formais nos supermercados fluminenses em março
08 de Maio de 2024

ASSERJ comemora a geração de mais de mil empregos formais nos supermercados fluminenses em março

SAARA – O maior shopping a céu aberto da América do Sul
06 de Agosto de 2024

SAARA – O maior shopping a céu aberto da América do Sul

Inflação desacelera para todas as faixas de renda em junho
14 de Julho de 2021

Inflação desacelera para todas as faixas de renda em junho

Aguarde..