99% do orçamento da Secretaria da Mulher de Tarcísio vai para Transporte

Secretaria de Políticas para a Mulher não tem dinheiro para ações próprias em defesa da mulher

99% do orçamento da Secretaria da Mulher de Tarcísio vai para Transporte

Criada em janeiro como novidade pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Secretaria de Políticas para a Mulher não tem dinheiro para ações próprias em defesa da mulher. Cerca de 99% de seu orçamento pertence à antiga Secretaria de Logística e Transporte.

O que aconteceu

  • Secretaria foi criada sem passar pelo crivo dos deputados. Tarcísio mudou por decreto o nome da Secretaria de Logística e Transportes para Secretaria de Políticas para a Mulher. O caminho padrão para estabelecer uma nova pasta é enviar um projeto de lei à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
  • 99% do orçamento ficou com Transportes. Apesar do decreto de Tarcísio, a estrutura e verba da área de transporte foram herdadas artificialmente pela Secretaria da Mulher. Dos R$ 782,8 milhões da "dotação atual" da pasta, R$ 768 milhões são para o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e R$ 5,3 milhões para a Companhia Docas de São Sebastião, segundo dados do Sigeo (Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária), do governo estadual.
  • Apenas R$ 9,4 milhões são de fato para a Secretaria da Mulher (1% do total). Até agora, a pasta reservou R$ 4,1 milhões para "Gestão Administrativa", como pagamento de salários e fornecedores.
  • Transporte ainda abocanhou parte desse orçamento reservado para a Mulher. Cerca de 75% dos R$ 4,1 milhões foram reservados para despesas de transportes: R$ 1 milhão para a contratação de serviços de telecomunicações e tráfego aéreo para o Aeroporto de Sorocaba e R$ 2,1 milhões para pagar funcionários inativos da antiga Secretaria de Logística e Transporte.
  • R$ 10 para o único projeto social. A única ação social com verba prevista da Secretaria da Mulher destina R$ 10 no total para a Educação em Direitos Humanos e Cidadania.
  • Outro lado: questionada pelo UOL, a pasta estadual não se manifestou sobre a fatia maior do orçamento para Transportes e também não respondeu sobre os R$ 10 destinados ao projeto social.
  • As atribuições da Secretaria de Logística e Transportes "foram transferidas para a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística", informou o governo. Já a Secretaria de Transportes Metropolitanos cuida do sistema metroferroviário e é responsável pela infraestrutura de transporte urbano metropolitano de passageiros nas seis regiões metropolitanas do Estado.

 



Como foi a criação da secretaria
 

  • Pasta deveria ter sido criada por lei, aponta especialista. "Essa reconversão da antiga secretaria por decreto é uma maneira de burlar a competência do Legislativo para aprovar mudanças na estrutura do secretariado", avalia Roberto Piccelli, advogado especialista em direito público.

"A meu ver, há um desvio de finalidade ao converter uma pasta de infraestrutura em uma ligada a direitos humanos sem a aprovação da Assembleia."

         Roberto Piccelli, advogado especialista em direito público

  • A secretaria argumenta que a Constituição Estadual permite nomear a nova pasta por decreto. "A denominação da SLT [Secretaria de Logística e Transporte] foi alterada (...) para Secretaria de Políticas para Mulher por ser o instrumento normativo adequado para, nos termos do artigo 47, XIX, 'a', da Constituição Estadual, dispor sobre organização e funcionamento da administração estadual", afirmou, em nota enviada ao UOL.
  • O artigo 47, no entanto, afirma que decretos podem ser usados pelo governador para "organização e funcionamento da administração estadual" apenas "quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos".
  • Sem orçamento para programas para mulheres, a pasta diz auxiliar outras secretarias. O órgão declara, em nota, ser "uma pasta articuladora de políticas públicas, (...) identificando necessidades e alinhando respostas em parceria com outras secretarias" e que suas ações "têm orçamento garantido pelo governo".
  • Estupros e feminicídios cresceram em SP em 2023, apesar de Sonaira eleger o combate à violência contra a mulher como prioridade. O primeiro semestre de 2023 teve o maior número de estupros em SP desde 1996, quando começa a série histórica: 7.089 casos no período, superando o recorde anterior (6.529), no 1º semestre de 2013. O número de feminicídios também é o maior para o primeiro semestre desde 2018: foram 111 ocorrências registradas. Na comparação entre todos os semestres, o período só perdeu para o 2º semestre de 2022, com 112 casos.


Sem prestar contas à Alesp

  • A chefe da pasta pediu dinheiro à Alesp para 2024. A secretária da Mulher, Sonaira Fernandes, encaminhou em junho um ofício pedindo aos deputados "a inclusão obrigatória", no orçamento anual de SP, de despesas "reservadas para programas e ações voltadas às mulheres".
  • Sonaira não prestou contas à Alesp. Apesar de a Constituição Estadual obrigar que secretários semestralmente prestem contas às comissões temáticas da Alesp, a secretária não compareceu à Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, diz a presidente da comissão, a deputada estadual Ana Perugini (PT).
  • "Todos os esclarecimentos foram prestados", rebateu a secretaria.
  • Tarcísio deveria ter providenciado verba para Sonaira, afirma petista. Segundo a deputada, assim como Lula (PT) remanejou o orçamento herdado de Jair Bolsonaro (PL) para bancar novos ministérios, Tarcísio poderia ter feito "um remanejamento que garantisse verba para a nova pasta".

"Tarcísio resgata o direito à mulher em seu discurso de vitória. Essa secretaria deveria vir com o necessário para executar esse discurso, mas a Comissão vai garantir que a secretaria não seja uma pasta de faz de conta.

       -Ana Perugini, deputada do PT"

  • "Sem orçamento, ela fica dependente da boa vontade do governo e de outras secretarias", opina Marina Ganzarolli, advogada e presidente do Me Too Brasil, organização nascida nos EUA para dar visibilidade a mulheres vítimas de violência sexual.

"Se a pasta não tem a mesma força que outras, não vai conseguir fazer muita coisa, porque o orçamento não é dela e as ações são de responsabilidade de outras secretarias."

        -Marina Ganzarolli, advogada e presidente do Me Too Brasil

Sonaira é bolsonarista e antiaborto

 

Sonaira Fernandes na vigília antiaborto


 

  • Sonaira Fernandes é da cota do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com quem trabalhou na Polícia Federal em 2014. Naquele ano, o filho 03 do ex-presidente a convidou para participar de sua campanha à Câmara Federal.
  • Sua ascensão política foi rápida. Sonaira integrou o gabinete de Eduardo em Brasília antes de receber um novo convite: representar o bolsonarismo na campanha para a Câmara Municipal em 2020, quando foi eleita com 17 mil votos.
  • Protesto contra o aborto. No ano passado, como vereadora, ela acampou em frente ao então hospital Pérola Byington — hoje Hospital da Mulher, com nova sede.
  • Sonaira viajou para evento religioso com dinheiro público. O governo de SP bancou R$ 135,9 mil para que Sonaira viajasse à Suíça, onde participou de evento para "ensinar os princípios bíblicos nas esferas de governo no mundo todo", segundo a Folha. A pasta informou que ela palestrou sobre prevenção à violência doméstica, saúde da mulher e empreendedorismo feminino. Depois teria participado de uma agenda do Comitê de Eliminação da Discriminação contra Mulheres da ONU.


O que diz a Secretaria da Mulher
 

  • A secretaria listou, em nota enviada ao UOL, a atuação de Sonaira no primeiro semestre:
  • Coordenou o Grupo de Trabalho Estabelecimento Amigo da Mulher. Formado para regulamentar leis de combate à violência contra mulheres em bares, restaurantes, casas noturnas e eventos, a pasta realizou 13 reuniões com oito secretarias e fechou acordo com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo para capacitar profissionais desses estabelecimentos.
  • Evento "Mães de São Paulo". Realizado em maio, lançou o Grupo de Trabalho do Núcleo de Acolhimento e Inclusão de Mães Atípicas. Em junho, ocorreu o evento "Junho Lilás - Teste do Pezinho", sobre triagem neonatal.
  • Auxílio-aluguel a vítimas de violência. O governo sancionou uma lei "garantindo pagamento de auxílio aluguel para mulheres vítimas de violência".
  • Emprego para mulheres. Em fevereiro, Tarcísio assinou uma lei "que institui a Política Estadual de Qualificação Técnica e Profissional, com preferência de vagas às mulheres vítimas de violência doméstica".
  • Dinheiro a empreendedoras. A secretaria informa que ajuda a divulgar R$ 50 milhões em linhas de crédito voltadas a empreendedoras do estado.

 

Fonte  - Uol

Por Ultima Hora em 28/07/2023
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