A ATUALIDADE DAS FORÇAS ESPECIAIS

A ATUALIDADE DAS FORÇAS ESPECIAIS

“Os exércitos regulares são como árvores, imóveis, profundamente enraizadas, nutridas até o topo graças a suas longas raízes. [...] Nós funcionamos de maneira indefinida, como uma influência, uma ideia, uma coisa invulnerável, intangível, sem frente nem costas, evanescente como gás...

”Capitão T.E. Lawrence (Lawrence da Arábia) sobre as Forças Especiais in Os Sete Pilares da Sabedoria

 

A primeira notícia que se tem de unidades de operações especiais vem da Bíblia, no livro dos Juízes, onde se revela como Gideão iludiu e venceu os Midianitas. 

Após selecionar soldados de elite, entre os milhares de soldados do seu exército, Gideão preparou uma operação no mais absoluto sigilo, para surpreender e desorientar os adversários – estes em número bastante superior –com três ações simultâneas: despertá-los com sobressalto, sob luz ofuscante e barulho ensurdecedor.

Assim, distribuiu trombetas, jarros e tochas à 300 guerreiros, orientando-os a ocultarem a chama das tochas nos jarros, de sorte a brandi-las simultaneamente, no momento combinado. Aproveitando-se da escuridão do cair da noite, sorrateiramente e preservando o silêncio, os Hebreus cercaram as posições midianitas; ao sinal combinado, quebraram os jarros, e agitando as tochas sobre as cabeças, lançaram-se violentamente contra os inimigos, tocando as trombetas.

Despertados em sobressalto pela algazarra, e ofuscados pelos inúmeros clarões, os Midianitas se convenceram de que uma força muito superior se precipitara sobre eles e lançaram-se ao combate indiscriminadamente, massacrando-se uns aos outros na confusão geral da escuridão. Com pouquíssimas perdas, Gideão submeteu os Midianitas, graças ao seu estratagema.

A História nos apresenta inúmeros outros exemplos de unidades às quais foram confiadas missões audaciosas, inéditas e criativas, cujo objetivo era resolver uma situação específica pouco afeita às tropas regulares, ou corrigir o curso de uma batalha que exigiu uma solução diferente. 

Mas, embora tenham sido utilizadas praticamente por todos os exércitos em conflito no mundo, desde a antiguidade, o caráter sigiloso e os registros secretos das operações especiais muitas das vezes as tornaram invisíveis para os historiadores. Foi somente a partir da Segunda Guerra que as operações especiais assumiram seu caráter institucional no seio das forças armadas, intensificando-se seu papel nos planejamentos estratégicos, com o aumento de seus efetivos e o reconhecimento de sua importância tática.

Chegamos ao Sec XXI e guerra mudou muito.  Tecnologias disruptivas, terrorismo, crime organizado, narcotráfico, ataques cibernéticos, paraísos fiscais, fundamentalismo religioso, imigração descontrolada, crises humanitárias, mísseis de longo alcance complicaram consideravelmente as forças de defesa de todos os países. 

Está cada vez mais difícil distinguir militares de civis, e os “danos colaterais” junto à população civil são parte do efeito desejado nos conflitos: as cidades, o mercado financeiro internacional e a Internet são os atuais campos de batalha. Hoje as possíveis ações de combate são difusas, em ambientes humanos complexos, e a exigência deefetivos capazes de operações não convencionais só aumentou, o que faz das unidades de forças especiais os instrumentos ideais nesse novo tipo de engajamento em meio caótico, sem front ou retaguarda.

E apesar do fim da Guerra Fria, e das ameaças que ela representava, não há perspectiva de a situação mundial entrar em uma era de estabilidade, pelo contrário. O velho enfrentamento global Leste-Oeste foi substituído por antigos e recentes conflitos, até então contidos pela diplomacia ou por guerras assimétricas localizadas.   

A invasão da guerra Rússia na Ucrânia, os ataquesdo Hamas, Hezbolah e Houtis à Insrael, com apoio do Irã, a tomado do poder na Síria por um grupo terrorista, demonstram que cada vez mais os antagonismos estão se materializando em guerras híbridas, com potenciais de expansão imprevisíveis.

Na verdade, assiste-se uma verdadeira fragmentação política internacional, e os Estados estão com maiores dificuldades para reduzir a violência e a criminalidade, nos territórios sob suas responsabilidades. A diminuição da autoridade dos governantes, fruto do aumento da influência de oligarquias locais, ou mesmo pelo empoderamento das organizações criminosas, inclusive no nível transnacional, além da submissão dos governos às agendas globalistas (direitos humanos, pautas de gênero, ambientalismo xiita...) têm minado o poder de coerção dos estados e o élan das forças militares.

No Brasil, a campanha de desvalorização e descrédito das Forças Armadas tem sido orquestrada por um revanchismo retrógrado, baseado em acusações sem provas cabais de “tentativa de golpe” e de inócuos “ataques à democracia” -porque de fato estes nunca se concretizaram - reforçado pela ignorância geopolítica e militar de nossas elites executiva, legislativa e judiciária.  

Narrativas com base em conversas de whatsapp e recortes de documentos apócrifos têm sido fonte de chacota e difamação das nossas Forças Especiais, um das mais respeitadas do mundo, com reconhecidas atuações de sucesso como tropas da ONU na África, Kosovo, Haiti e mesmo no Brasil.

Não há percepção do estamento político brasileiro de que os novos atores das guerras desenvolveram estratégias que fogem aos controles governamentaishabituais, e que estes se tornaram capazes de operar de maneira híbrida, agoraem escala global. À semelhança do Hezbolah no Líbano, por exemplo, o crime organizado no Brasil agora tem fontes de financiamento legalizadas, e já quebrou o monopólio da violência institucional do Estado, missão constitucional das Forças de Segurança.

Hoje, há facções com organização e chefes conhecidos, que negam a soberania do Estado na ocupação armada decomunidades carentes, e na execução de justiçamentos em plena luz do dia, com total liberdade orçamentária e operacional. Nunca o Brasil precisou tanto de forças de operações especiais, mas a visão paroquial e preconceituosa de Forças Armadas impede nossos governantes de sequer vislumbrarem suas possibilidades de emprego. 

Ao impor ao Comandante do Exército a constituição de um grupo de trabalho visando “[...] levantar ações para o aprimoramento das Operações Especiais do Exército Brasileiro”, aparentemente no prosseguimento da sua campanha de desmoralização das Forças Armadas e dos seus chefes, este governo está de fato dando ênfase ao retrocesso operacional e à fragilização das lideranças da Segurança Nacional. A evolução militar do Brasil jamais dependeu de ingerência político partidária. Alardear a promoção da própria fraqueza é burrice, mas promovê-la em nome de crenças ideológicas é crime de lesa pátria. 

Gen Marco Aurélio Vieira - Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

Por Ultima Hora em 24/12/2024
Publicidade
Aguarde..