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Por Heloisa Villela
O alerta da Organização Mundial da Saúde sobre o risco de uma epidemia de mpox no mundo deve servir de sinal vermelho para que os brasileiros prestem atenção no surgimento de sintomas. E também pode incentivar um aumento na produção da vacina contra a doença e em uma distribuição mais rápida do produto, diz o infectologista Esper Kallás, presidente do Instituto Butantan.
Professor titular da Faculdade de Medicina da USP, ele também dirigiu o Centro de Pesquisas Clínicas do HC e, nesta entrevista ao ICL Notícias, deixa claro que uma epidemia de mpox não vai se parecer com o que o mundo enfrentou recentemente com a Covid. E mais: ele destaca que aqueles que se vacinaram até os anos 80, contra a varíola, estão razoavelmente protegidas agora.
O vírus da mpox está se espalhando rapidamente em países ao sul do deserto do Saara, na África. E o Brasil já tem casos também. A doença é endêmica na República Democrática do Congo mas, nos últimos meses, se alastrou para outros quatro países da região. Por isso, esta semana a Organização Mundial da Saúde declarou emergência de saúde pública global.
Esper Kallás, presidente do Instituto Butantan
ICL Notícias – Qual é a gravidade do que estamos enfrentando com essa epidemia?
Esper Kallás – O vírus, que é parente do vírus da varíola, pode causar lesões muito desconfortáveis. A gente teve, especialmente em São Paulo, um grande surto de mpox em 2022. Foram centenas de casos que aconteceram, a maioria transmitidos por contato íntimo que causou uma concentração em populações que tinham atividade sexual um pouco aumentada comparada com a população em geral. Tanto é que na ocasião foi adotada uma política de se importar vacinas e destinar a esses grupos com maior vulnerabilidade à transmissão sexual.
. A gente viu que deu um pico em meados de agosto/setembro de 2022 e depois praticamente sumiu. Ficaram pipocando alguns casos esporádicos, mas muito poucos, e a coisa parece que acalmou. Agora a gente está vendo um crescimento de casos novamente.
Ontem por exemplo eu vi um caso de mpox em uma pessoa que provavelmente adquiriu a doença em contato íntimo também, e há uns indícios, conversando com os colegas em São Paulo, de que o número de casos está começando a aumentar, mas não no mesmo ritmo do que aconteceu em 2022.
E eles estão localizados em alguma área do país?
São localizados por cadeias de transmissão. Uma pessoa tem contato com outra e aí a outra pessoa acaba adquirindo e é mais ou menos assim. Agora, o que está acontecendo na África parece que tem um comportamento um pouco diverso. A cadeia de transmissão passou de contatos íntimos, principalmente em relações sexuais, para um contato domiciliar, mais ocasional.
Então, aparentemente, o que vem acontecendo lá na África é transmissão interpessoal, muito provavelmente relacionado a convívio intradomiciliar e a agente ainda está começando a ter uma ideia um pouco melhor do que está acontecendo. As variantes de vírus que estão circulando lá são um pouco diferentes das variantes que circulam por aqui. E a gente está vendo que o número de casos aumentou bastante em alguns países, especialmente no sul do Saara africano. Aí surge aquela coisa que as pessoas começam a fazer comparações com a epidemia de HIV/AIDS mas o comportamento dessa doença aparentemente é diferente.
A segunda coisa é que lá observou-se uma taxa de mortalidade, especialmente entre crianças, além do esperado. E aí a gente tem que entender um pouco melhor que, muitas vezes, as condições de assistência à saúde em alguns desses países onde tem acontecido esses casos é mais limitada. Portanto, você ter doenças que aqui seriam consideradas menos agressivas, menos graves, e depois vira uma situação lá com a associação a uma mortalidade maior faz com que a gente acabe notando que pode ter uma relação com as condições de assistência de lá.
Independentemente disso, o que vem acontecendo nesses países ao sul do Saara africano com o aumento do número de casos, é muito importante para eles, e com o número das mortes associadas. E a Organização Mundial da Saúde achou melhor considerar uma emergência por ter cometimento de muitos países, porque não é mais uma coisa local, da República Democrática do Congo quando começaram a aparecer novos casos que espalharam.
O fato deles estarem observando um aumento de casos que são intrafamiliares é mais um motivo de preocupação já que essa transmissão pode estar se dando por contato?
Aparentemente, sim. Por isso também a preocupação da OMS. Mas eu acho que a gente tem que acompanhar mesmo com mais atenção. E por que eles fazem esses anúncios? Para chamar a atenção das pessoas que fazem as políticas públicas mundiais. Você alerta todo mundo. Vamos correr atrás, tentar fazer uma vacina em maior volume, distribuir com maior velocidade. Todo mundo muda a atitude. Ela tem o seu papel.
Eu me lembro que em 2022 houve essa discussão da vacina. Havia pouca vacina e somente um laboratório fabricava.
Isso. Ainda o número de doses disponíveis é pequeno, mas esse período de 2022 para 2024 teve outros laboratórios que se preocuparam em criar a infraestrutura para fazer essa produção. Então há hoje uma capacidade de reação maior. E quando você faz uma declaração dessas, serve quase como um estímulo para muitos desses que estão trabalhando no desenvolvimento irem adiante.
E o Brasil tem planos de fazer uma vacina para mpox aqui?
Falando pelo Instituto Butantã, a gente já tem identificadas duas possibilidades de explorar esse caminho, mas ainda em uma etapa bem precoce. A gente não consegue fazer nenhuma promessa. Mas está no nosso radar e já temos algumas reuniões e discussões planejadas para verificar se a gente conseguiria.
A Fiocruz já anunciou que também tem um interesse assim. E é claro que, depois da aliança estratégica que a gente assinou com a Fiocruz, havendo possibilidade lá ou cá, a gente vai ajudar um ao outro para empurrar para diante.
É o caso de ter um monitoramento nos pontos de entrada, portos e aeroportos?
Nós já temos. Mas é preciso ressaltar que o vírus já circula por aqui e talvez seja uma variante um pouco diferente da que a gente tem lá na África, mas já circula aqui desde 2022 e nós temos sistemas de monitoramento, com identificação de suspeitas clínicas, notificação dessas suspeitas, rota para as amostras serem encaminhadas e processadas, e laboratórios de referência que conseguem fazer o diagnóstico.
Aqui no estado de São Paulo, é o Instituto Adolfo Lutz que faz isso. Então a gente já tem isso estabelecido. Não parte do zero. Já tem uma estrutura bem estabelecida por conta do que a gente viveu em 2022.
Qual é a, na sua visão, a medida prioritária no momento? Qual é a preocupação que a gente deve ter no momento?
Acho que a primeira é termos um sistema de detecção e vigilância bem estabelecido, aproveitando o que aconteceu, reforçar e aumentar a discussão. Inclusive o ministério da saúde já criou um comitê para estudar esse assunto. E começar a trabalhar para tentar trazer uma vacina para o Brasil. Absorver capacitação e deixar tudo pronto nesse sentido.
No momento a gente não tem vacina?
O Brasil importou um tanto de vacinas um tempo atrás e usou o que tinha. Tem que revisitar esse assunto. Tenho certeza que o ministério está fazendo isso agora.
O senhor acha que é necessário dar algum tipo de orientação para a população, ou ainda é muito cedo para ter essa preocupação?
Olha, a gente tem que alertar para fazer a suspeita diagnóstica. Dar as dicas de quando a gente deve dizer que o paciente tem alguma coisa e deve procurar o profissional de saúde para avaliação clínica e coleta de material.
Quais são os sinais que nós devemos observar, que podem indicar a presença do vírus?
Começam a aparecer lesões pelo corpo, como se fossem umas pequenas verrugas com um ponto central que parecer ter um pouco de pus. Muitas delas são dolorosas, desconfortáveis, aparecem junto com febre e mal estar. Se isso começa a aparecer, às vezes é difícil a população distinguir de catapora. Mas se essas lesões aparecem junto com febre e mal estar, e elas forem dolorosas, pode levar para um profissional dar uma olhada.
E o sistema de saúde está bastante alerta?
Por causa de 2022, já teve uma rodada de conscientização muito grande que certamente está sendo reforçada. A gente realmente não parte do zero.
A primeira coisa que ouvi de várias pessoas foi: “covid de novo não! Outra pandemia não!”. Existe algum paralelo?
O paralelo é que trata-se de um vírus, como na Covid, é um vírus transmissível também, mas as características da doença e da disseminação são muito diferentes. Seguramente, a gente não está vendo a mesma coisa. Cada agente infeccioso tem características especiais, comportamentos distintos, e eu acho que não é uma comparação feliz.
Mas pode significar medidas de contenção, de isolamento igual teve na covid? Acho que não. Como é contato, a situação é diferente. Você tem formas muito mais eficazes de fazer proteção de transmissão do que um vírus que se dissemina pelo ar.
Com esse vírus, é preciso tocar no paciente para ser contaminado. O toque é na lesão? A gente sabe onde é? Como se dá a transmissão exatamente?
Isso a gente está aprendendo. Mas precisa de um contato mais direto. E tem outra coisa importante sobre vacina. Lembra daquela vacina que a gente usou até meados dos anos 80, a vacina de escarificação no braço, contra a varíola, que pegava uma agulhinha e fazia uns buraquinhos, deixava uma marca no braço, quem tomou essa vacina está protegido. Em grande parte. Muito provavelmente.
É um vírus de uma variante um pouco diferente, a gente precisa entender um pouco mais para ver se não tem nenhuma surpresa, mas de uma forma geral, o que a gente viu no mpox que circulou em 2022, quem tinha tomado a vacina de varíola nos idos até o começo dos anos 80, está protegido.
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