A Política do Martírio: Da Facada à Cadeirada, passando pelo tiro. — Como a Direita Usa a Violência para Ganhar Eleições

Por Filinto Branco

A Política do Martírio: Da Facada à Cadeirada, passando pelo tiro. — Como a Direita Usa a Violência para Ganhar Eleições

A política contemporânea está cada vez mais parecida com um roteiro de filme de ação, onde facadas, cadeiradas e até tiros roubam a cena. Nos últimos anos, vimos Jair Bolsonaro se transformar em um mártir político após a facada de 2018. Mais recentemente, Pablo Marçal ganhou os holofotes e alguns pontos nas pesquisas, depois de levar uma cadeirada do Datena, no debate da TV Cultura. E não pense que isso é exclusividade nossa: nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump também entrou para o seleto grupo de mártires ao levar tiro durante um comício.

Esses episódios não são meros acontecimentos policiais. Eles se tornaram ferramentas poderosas, habilmente usadas pela direita para reforçar suas narrativas de resistência contra o establishment e ganhar o apoio popular.

A política brasileira, por sua vez, virou um verdadeiro espetáculo de surpresas e incidentes dignos de produções cinematográficas. Tanto a facada em Bolsonaro quanto a cadeirada em Marçal transcenderam o infortúnio pessoal, sendo rapidamente transformados em símbolos poderosos que alimentam as campanhas da direita, conquistando corações e mentes do eleitorado

Comecemos com o caso de Bolsonaro, em 2018. Até aquele momento, ele já era uma figura polêmica e vinha crescendo nas pesquisas com seu discurso de combate à corrupção e ao "sistema". Mas foi a facada em Juiz de Fora que transformou sua campanha. A facada não só gerou comoção nacional como também solidificou sua imagem de outsider, aquele que estava literalmente disposto a sacrificar sua vida pelo Brasil.

Em um país saturado de escândalos de corrupção e descrédito político, Bolsonaro emergiu como a figura contra tudo isso e que como um super herói, sobrevivia ao ataque, dos “corruptos comunistas”. Transformando-se em um símbolo de luta contra um sistema supostamente corrupto e violento.

Em escala global, o caso de Donald Trump adiciona mais um capítulo a essa crescente teatralidade política. O ex-presidente dos Estados Unidos, envolto em controvérsias durante e após seu mandato, foi alvo de um disparo durante um comício. Trump, que já era mestre na arte de usar a narrativa de vitimização — lembrando seu discurso de ser "perseguido" pela mídia, pelo judiciário e pelas elites de Washington — encontrou no tiro mais uma oportunidade para reforçar seu status de "campeão do povo".

Trump transformou o incidente em um argumento contra seus adversários, apresentando-se como alguém que não só é atacado politicamente, mas fisicamente, por aqueles que querem impedir seu retorno ao poder.

Agora, vemos algo semelhante acontecendo com Pablo Marçal, um nome ainda em ascensão dentro da direita, que também foi "vítima" de um ataque — desta vez, uma cadeirada em um debate ao vivo. O incidente, que poderia ter sido apenas uma cena de confusão e violência comum em eventos acalorados, foi rapidamente utilizado para promover a imagem de Marçal como alguém que se mantém firme diante de ataques pessoais e que não se intimida. De novo, o padrão se repete: uma narrativa de resistência física e moral, em que o político se torna o herói que sobreviveu à tentativa de silenciamento.

Esses três episódios — a facada de Bolsonaro, a cadeirada de Marçal e o tiro em Trump — têm em comum a criação de uma narrativa de martírio. Ao serem atacados, esses líderes são transformados em símbolos de resistência, figuras que se posicionam como vítimas de forças maiores e obscuras. E, ao fazer isso, conseguem atrair ainda mais apoio popular, principalmente entre eleitores que se veem igualmente "atacados" ou marginalizados pelo sistema.

A eficácia dessa estratégia é inegável. A vitimização cria uma conexão emocional que vai além da política tradicional. Para muitos eleitores, esses eventos se tornam uma prova incontestável de que seus candidatos estão no caminho certo. Afinal, se "eles" estão atacando, é porque "eles" têm medo de perder o poder. A dicotomia "nós contra eles" se fortalece, e os políticos atacados assumem o papel de heróis nacionais — ou até internacionais, no caso de Trump.

O que se nota é que essa construção simbólica da direita tem sido extremamente eficaz em tempos de polarização. Os eventos violentos são rapidamente absorvidos e reciclados como ferramentas de mobilização. Não é apenas a violência física que está em jogo aqui, mas o que ela representa. O "mito" de Bolsonaro sobreviveu à facada e se fortaleceu. Marçal, com a cadeirada, ganhou notoriedade, e Trump, ao sobreviver ao tiro, se reposiciona como o líder que desafia tudo e todos.

No entanto, uma questão permanece: até quando essa fórmula vai funcionar? O público pode começar a enxergar esses incidentes com ceticismo, especialmente se continuarem a se repetir de forma tão dramática. A narrativa de martírio pode se desgastar, ou pior, pode se transformar em uma estratégia previsível, que não mais evoca as mesmas reações emocionais.

Enquanto isso, o que fica cada vez mais evidente é que, na política moderna, até a violência se transforma em marketing. Os líderes da direita souberam como poucos usar esses episódios de forma hábil, criando uma narrativa de resistência que fala diretamente ao coração dos eleitores. E, como sabemos bem, na política, as emoções tem um peso maior nas eleições do que a razão.

É importante ressaltar, que qualquer forma de violência praticada pela direita ou pela esquerda, deve ser veementemente condenada, tanto  em períodos eleitorais quanto fora deles.

No fim das contas, a política se converteu em um verdadeiro espetáculo, onde até uma simples cadeira vira símbolo de resistência. A grande questão é: até quando esses episódios continuarão a ditar os rumos eleitorais? Quando voltaremos a discutir efetivamente programas de governo? E, por último, fica a pergunta: qual será o próximo "acidente" a moldar as narrativas políticas?

Filinto Branco – Colunista Político

 

Por Ultima Hora em 21/09/2024
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