Ainda sobre política e futebol em 2024 diante da extrema direita

O de Neymar à privatização de praias é uma das polêmicas envolvendo futebol e política - Reprodução / Twitter / Paris Saint-Germain

Ainda sobre política e futebol em 2024 diante da extrema direita

Fábio Perina - Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Breve ensaio explica como convergem e articulam os movimentos e governos de extrema direita

Esse breve ensaio emerge como uma continuidade conclusiva a algumas destacadas polêmicas envolvendo futebol e política: o apoio do jogador brasileiro Neymar à privatização de praias, a acusação do empresário estadunidense John Textor de manipulação de resultados contra o Botafogo, prejudicando seus negócios, e o apoio do presidente argentino Javier Milei ao modelo de clube-empresa (no lugar de clube associativo) e seu apoio ao canto discriminatório do jogador Enzo Fernández da seleção argentina.

O objetivo é tornar mais claro como convergem e articulam os movimentos e governos de extrema direita dos respectivos países. Se naquela ocasião busquei levantar casos concretos do micro (futebol), agora busco levantar reflexões gerais do macro (política).

Em suma, como considerações teóricas, aprofundo a indispensável reflexão de Pablo Stefanoni, no livro "A rebeldia tornou-se direita?", sobre como nos Estados Unidos e na Europa Ocidental as extremas direitas habilmente se apropriaram de temas aparentemente não-políticos (como humor e costumes) para usos políticos profundos. Mesmo sem o autor usar o termo "isca", noto a mesma dinâmica que homogeneiza obscurantismo, negacionismo e terraplanismo por partirem de algum elemento pitoresco que almejam atrair céticos, curiosos ou revoltados, que se engajam por demandas primeiro anti-ciência ou meramente comportamentais, para logo se tornarem apoiadores cada vez mais extremados através de demandas anti-política (ou mais precisamente anti-Estado com suas políticas sociais). Pensando em exemplos mais concretos, tal qual no início da pandemia do coronavírus, com a intensa mobilização contra vacinas e contra o isolamento social em defesa da "liberdade individual". A resiliência está em que esse elemento pitoresco, ao não ser prontamente rechaçado como absurdo pelo campo midiático ou pelo campo político, ganha tempo na expectativa de ganhar novas adesões pontuais de coadjuvantes (por isso as várias menções a cabos eleitorais nesse ensaio) que trabalham ativamente para normalizá-los. E assim tal demanda ganha capilaridade e o "louco" ganha uma "legião", ou, conforme uma metáfora mais popular, o engajamento é tanto que o disparo em massa nas redes de "apitos de cachorro" tem efeitos reais imediatos e danosos.

Há notória convergência temporal, vide o uso recorrente que fazem da acusação de manipulação eleitoral, como ficou notório nas articulações golpistas nacionais e internacionais nas recentes eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2020, Brasil em 2022 e, sobretudo, Venezuela em 2024. O que impacta em uma progressiva desregulamentação geral dos sistemas políticos nacionais e das relações exteriores, buscando forjar "a lei do mais forte". Dessa forma, bolsonaristas, trumpistas e mileístas certamente convergem ideologias messiânicas ao levantarem acusações sem provas e mobilizarem soluções simplistas e destrutivas contra alguma "casta", seja de políticos, dirigentes ou jornalistas. E aqui basta mencionar que nos últimos meses tivemos evidências suficientes de uma espécie de "diplomacia paralela" que os 3 líderes neofascistas aplicam, privilegiando em suas viagens internacionais as afinidades ideológicas (vide o notório evento Conservative Political Action Conference, sendo que mais adiante falarei do conservadorismo) e até mesmo a adesão entusiasmada ao sionismo e ao Estado de Israel, apesar da heterogeneidade religiosa desses três países.

Como considerações políticas, não basta uma conclusão superficial de que alguma "isca" seja apenas “loucura”, pois mesmo nos detalhes há um método de apostarem em cooptar para seu próprio campo político-ideológico um vago sentimento “anti-sistema” de eleitores que inviabiliza outras formas de organização popular emancipatória. Na constante violência política que fomentam, concluímos que não existe "lobo solitário" de seus atos golpistas, mas sim uma progressiva articulação, sofisticação logística e, sobretudo, cumplicidade com outras instituições aparelhadas. Dentre os três líderes neofascistas citados, em sua ascensão, todos parecem coincidir em almejar não somente formar maioria de 50% para vencer as eleições como sua tática principal e menos custosa. Mas, sobretudo, almejam como tática secundária formar um "piso" de 30% de votantes, dos quais possuem dentro um núcleo duro pronto para ir até o fim com seu líder em uma ofensiva golpista.

Novamente, usando as reflexões de Stefanoni para além de sua obra para aplicar às reflexões aqui levantadas, há uma atual e preocupante ascensão de movimentos de extrema direita como libertarismo e masculinismo, mencionados pelo autor, que me fazem pensar nesse "trânsito" entre minoria e maioria. Mesmo que ambos não almejem se tornar majoritários, eles parecem ser uma evidência de capilaridade e articulação entre tamanhos e tipos de militantes diferentes, pois ao mesmo tempo respaldam movimentos eleitorais mais amplos e mais convencionais, como liberalismo e conservadorismo, respectivamente, de Milei e Bolsonaro, vide os lemas de campanha de "Viva la libertad, carajo" e "Deus, Pátria e Família". E sobretudo almejam formar uma minoria política (e até para-militar) de defesa incondicional de seu líder, podendo até se especular a filtrar sub-líderes mais destacados para assumirem seu lugar numa eventual nova etapa de ainda mais extremismo. Indo para alguns exemplos mais práticos, enquanto Milei tem como principal corrente ideológica o libertarismo (embora reivindique também ser um refundador do liberalismo argentino), para os casos das modalidades esportivas, Bolsonaro nitidamente transitou entre movimentos de massa e de nicho, respectivamente, em 2018, pelo elemento do conservadorismo (vide o lema "Deus, Pátria e Família") tão notório entre jogadores de futebol; e em 2022, de modo complementar, um masculinismo indireto (ou “oculto”) diante de outras práticas corporais como jiu-jitsu, fisiculturismo e até os atos políticos através de motociatas de massa.

Ora, concluindo esse ensaio no final de 2024 após a elucidação investigativa da Polícia Federal sobre a gravíssima tentativa de golpe entre 2022 e 2023, como ressalva política final, tampouco existe bolsonarismo "moderado" (sendo um termo usado por setores hegemônicos da mídia que tentam normalizá-lo). Parece-me mais rigoroso tratar do bolsonarismo "oculto", ou seja, ele busca uma reorganização através de novas lideranças e, sobretudo, através de novos temas não-políticos para novamente coesionar apoiadores e depois partir para nova ascensão política. Ou seja, podem emergir temas pitorescos para além de meras "cortinas de fumaça", almejando nunca perder a iniciativa da narrativa para ofuscar uma fase defensiva e partir para uma nova ofensiva em uma disputa intensa e extensa pela hegemonia na sociedade, enquanto, no momento, a disputa pelo governo e pelo poder parece mais distante.

Por exemplo, em 2023, o bolsonarismo focou esforços em sua rede parlamentar e midiática em pautas laterais, onde aplicam fortemente sua "guerra cultural", ao buscar se apropriar de temas morais: como a disputa de eleições dos conselhos tutelares e a criminalização das ocupações do MST. Sendo que no ano seguinte avançaram novamente em novos temas como a criminalização do aborto, o fim da "saidinha" de presidiários e a defesa de direitos humanos e até a anistia para os golpistas presos do 8 de janeiro. Assim como, se entre 2022 e 2023 tanto atacaram o "sistema" da forma mais direta possível pela tentativa de golpe após perderem as eleições para Lula, rapidamente tiveram flexibilidade tática para transitar entre a luta política dentro do sistema e a luta político-militar contra o sistema quando, em 2024, não somente voltaram a convocar atos de rua no início do ano a partir de temas morais e religiosos (sendo sintomático que a bandeira de Israel emergiu em massa junto da camisa verde e amarela tão consolidada). E, sobretudo, apostaram alto na luta eleitoral dentro do sistema para obter um grande número de prefeitos e vereadores, visando obter em 2026 um grande número de senadores para buscarem "emparedar" o STF. O aparelho judiciário é o que certamente consideram o último bastião de defesa da democracia liberal e defesa do governo Lula, que frustrou sua última tentativa de golpe, e dessa forma se preparam para corrigir essas imperfeições operacionais de fundo, tal qual a falta de apoio externo naquele momento.

*Fábio Perina é formado em Ciências Sociais e Educação Física (bacharel e licenciatura). Mestrado em Educação Física. Recém ingressante no Doutorado em Educação Física com ênfase em Sociologia do Esporte. Todos os cursos pela Universidade Estadual de Campinas

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial 

Edição: Nathallia Fonseca

Por Ultima Hora em 06/01/2025
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