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O legado do filme “Ainda Estou Aqui” pode ser muito maior que estatueta inédita que a película garantiu ao cinema brasileiro com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, conquistado neste domingo (2). A obra provocou ampla discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Corte decidirá se a Lei da Anistia se aplica a casos de desaparecimento de vítimas da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Um levantamento da Agência Pública mostra que das 56 ações criminais divulgadas pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2012 e 2024, 18 seriam destravadas, caso a Corte decida afastar a Lei de Anistia nestes casos.
No último dia 24 de fevereiro, o STF, por unanimidade, decidiu que vai analisar se a Lei de Anistia se aplica a casos de desaparecimento, mas ainda não há data para o julgamento. O STF analisou recursos do MPF, que tramitam na corte sobre as ações penais envolvendo os desaparecimentos de Rubens Paiva e Mario Alves e o assassinato de Helber José Gomes Goulart, cujo corpo ficou desaparecido por 19 anos. A Corte seguiu o relatório do ministro Alexandre de Moraes e entendeu que cabe a repercussão geral do assunto, ou seja, o que o STF vier a decidir vai se aplicar a casos semelhantes que tramitam na Justiça e que estão travados por diferentes motivos.
Ganhador de prêmios internacionais, o filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, conta como Eunice Paiva (viúva de Rubens Paiva, interpretada por Fernanda Torres) liderou a família em meio ao luto e se transformou em uma advogada respeitada na luta por direitos humanos no Brasil, e é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado cassado que foi morto sob tortura em janeiro de 1971. O corpo do político jamais foi encontrado.
Entre 2012 e 2024, o MPF ajuizou ao menos 56 ações penais contra ex-agentes da repressão da ditadura. A instituição entende que a Lei de Anistia não se aplica para beneficiar os autores de violações de direitos humanos no período da ditadura militar brasileira, marcado por ataque sistemático a uma parcela da população que, com ou sem armas, se opunha ao regime. Os crimes praticados neste contexto seriam contra a humanidade e não prescreveriam, cabendo às autoridades brasileiras processá-los e julgá-los.
A prescrição é o limite de tempo previsto no artigo 189 do Código Civil que define até quando uma ação judicial pode ser movida para que um direito seja assegurado – vale desde cobranças até para a punição por crimes.
Ministro do STF Flávio Dino citou diretamente o filme brasileiro indicado ao Oscar Ainda Estou Aqui durante discussão sobre Lei da Anistia
Em dezembro, ao analisar um recurso em uma ação sobre um caso de ocultação de cadáver de uma vítima da campanha militar das Forças Armadas contra a Guerrilha do Araguaia na ditadura, o ministro do STF Flávio Dino citou o filme ao decidir que o tema era de repercussão geral.
“No momento presente, o filme ‘Ainda Estou Aqui’ tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”, afirmou.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região já decidiu afastar a Lei da Anistia para casos de desaparecimento ao julgar recurso sobre o desaparecido Carlos Zaniratto, um ex-soldado do Exército que desertou para seguir Carlos Lamarca na Vanguarda Popular Revolucionário (VPR), como mostrou a Pública.
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