Bolsonarista que ameaçou Lula no Pará exibe símbolos nazistas em motocicleta

O motorista de aplicativo está sendo investigado pela PF e usa tornozeleira eletrônica

Bolsonarista que ameaçou Lula no Pará exibe símbolos nazistas em motocicleta

Por Fabyo Cruz — Revista Cenarium

O motorista de aplicativo Manoel dos Santos Ferreira Junior, de 31 anos, é investigado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de ameaçar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a visita do político a Belém (PA). Além das declarações publicadas nas redes sociais, a reportagem descobriu, com exclusividade, que o suspeito exibe em sua motocicleta adesivos com símbolos nazistas, incluindo a inscrição Luftwaffe e a Cruz de Ferro.

No dia 12 de fevereiro, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão contra Manoel Júnior, autorizado pela Justiça Federal, que também determinou medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de se aproximar de locais onde Lula esteja presente.

A decisão foi tomada em meio à visita do presidente ao Pará na última semana, onde ele participou da entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida e vistoriou as obras para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30).

Antes da chegada de Lula a Belém, Manoel Júnior  — utilizando o nome “Júnior Sanches” — publicou mensagens em tom de ameaça contra o presidente nas redes sociais. Em uma das publicações, ele escreveu: “Dessa vez vou conseguir chegar perto. Lula vai se arrepender de ter nascido. Eu vou livrar o Brasil desse cara, vou preso mas vou feliz”. Em uma foto, o suspeito aparece vestido com uma camisa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Publicação feita por Manoel Júnior como Júnior Sanches em uma rede social (Foto: Marx Vasconcelos/CENARIUM)

O conteúdo postado levou a PF a abrir uma investigação por incitação à violência contra o chefe do Executivo. Para a corporação, as declarações foram consideradas uma ameaça real à integridade de Lula, especialmente em um contexto de crescente radicalização política no país.

Referências nazistas

Uma fonte próxima ao suspeito disse à revista “Cenarium” que Manoel Júnior tem um histórico de publicações extremistas na internet e se alinha a ideais da extrema direita. “Ele sempre demonstrou um posicionamento político radical, diz que é apoiador do Bolsonaro e gostava de exibir esses adesivos na motocicleta. Havia outros com referências ao nazismo, mas ele os removeu”, afirmou.

A reportagem conseguiu localizar o veículo do investigado no município de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém (RMB).

No paralama dianteiro da motocicleta, uma Honda CB250F Twister, há um adesivo com a inscrição Luftwaffe, nome da força aérea da Alemanha durante o regime de Adolf Hitler, e outro com a Cruz de Ferro, condecoração militar concedida pelo Terceio Reich. O veículo também apresentava marcas e resíduos na lataria, sugerindo que outros adesivos foram removidos recentemente.

Motocicleta de homem que ameaçou Lula em Belém possui adesivos com referências nazistas (Foto: Marx Vasconcelos/CENARIUM)

A investigação jornalística constatou que Manoel Júnior acompanha conteúdos relacionados ao nazismo nas redes sociais. Entre os perfis monitorados está a conta do Instagram Luftwaffe Supplies, especializada na venda de vestuário e itens militares do período nazista. Embora o site não apresente informações claras sobre o país de origem da empresa, a utilização de preços em euros indica que a empresa pode estar situada ou atuar na Europa.

A loja se apresenta como um espaço para “entusiastas da história” e alega que seus produtos são destinados exclusivamente a fins históricos, colecionáveis e reconstituições. Especialistas alertam que esse tipo de comércio frequentemente serve como fachada para a disseminação de ideologias extremistas.

Relação histórica

O historiador Tunai Rehm, professor-doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisador sobre temas relacionado à Segunda Guerra Mundial no Pará, comentou o uso de tais símbolos e alertou sobre o crescimento da apologia ao nazismo no Brasil.

“Esse símbolo é da Luftwaffe, a força aérea da Alemanha nazista. A Luftwaffe foi extinta em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do regime nazista. Agora, por que esse sujeito está utilizando esse símbolo na moto? Esse é um questionamento relevante. A Polícia Federal tem investigado um aumento no número de crimes relacionados à apologia ao nazismo no Brasil”, afirmou o pesquisador.

“O motivo desse crescimento ainda não é totalmente claro, mas é possível que a internet tenha facilitado o compartilhamento e a disseminação de ideias extremistas, incluindo pensamentos antissemita e racista, que seguem presentes na sociedade”, afirma pesquisador .

Para Rehm, as redes sociais possuem um enorme potencial para disseminar informações, sejam elas verdadeiras ou não. Ele explica que, mesmo com a derrocada do nazismo, essa forma de pensamento ainda sobrevive. “Muitas vezes, indivíduos se deparam com conteúdos distorcidos e acabam se identificando com eles, o que pode explicar a adesão a essas ideologias extremistas. Vale lembrar que apologia ao nazismo é crime no Brasil”, ressalta.

O historiador comentou, ainda, sobre a relação entre as ideias do nazismo e as ameaças feitas por Manoel Júnior ao presidente Lula: “O presidente Lula é historicamente associado à esquerda brasileira, enquanto o nazismo foi um movimento radicalmente contrário ao socialismo e ao comunismo. É interessante notar que, apesar de ser um movimento de extrema direita, o nazismo também se opunha ao liberalismo”.

“Se esse indivíduo se identifica com ideais nazistas, faz sentido que enxergue Lula como um inimigo, alguém que ele acredita ser responsável pelos ‘males’ da sociedade. Só ele poderia explicar as motivações exatas por trás dessas ameaças, mas dentro dessa lógica ideológica, a hostilidade contra Lula faz sentido para quem compartilha desse pensamento extremista”, disse o especialista.

Mandado da Polícia Federal contra Manoel Júnior (Foto: Reprodução/CENARIUM)

Mãe se queixa da truculência da polícia

A reportagem foi até a casa da mãe de Manoel Júnior, que também foi um local visado pela operação da PF. A idosa disse ter ficado profundamente abalada com o caso envolvendo o filho — e por questões de saúde, sua identidade será preservada. Ela afirmou que não tinha conhecimento das publicações do filho e só descobriu a gravidade da situação quando agentes federais chegaram à residência, localizada em um bairro periférico de Belém, para cumprir o mandado de busca e apreensão.

“A polícia invadiu minha casa como se eu fosse uma criminosa. Só soube do que estava acontecendo quando já estavam revirando tudo. Eles estavam atrás de armas”, disse a mãe do suspeito.

A mãe de Manoel, que se identificou como negra, baiana e com deficiência auditiva, negou que o filho seja uma pessoa violenta e disse estar indignada com a repercussão do caso. “Ele não tem arma, nunca brigou. Foi uma infantilidade dele. Agora está envergonhado, desempregado e usando tornozeleira. Todo mundo olha diferente para quem usa isso”., afirmou.

Segundo a idosa, o filho se arrependeu das publicações e demonstrou profunda angústia com a repercussão do caso. “Ele chorou muito, coisa que ele nunca faz. Disse que não sabe o que passou pela cabeça dele quando falou aquilo”, contou a mãe do motorista de aplicativo.

Ela também revelou que as divergências políticas eram um tema frequente dentro da família. “Meu filho deve ter votado no Bolsonaro, acho que ele votou, e eu sempre votei no Lula. Ele até brincava com isso: ‘Mamãe, esse cara não presta’, dizia ele.”

!Acredito que o fato de ele falar isso na internet, sobre um presidente, foi o que motivou a vinda da PF aqui em casa. Esse foi o erro dele. Eu só vi as postagens depois que me mostraram. Todo mundo achou um absurdo, porque o Manoel sempre foi trabalhador. Disseram: ‘Por que não vão prender bandido?’”, diz a mãe de Manoel.

A mãe de Manoel Júnior também comentou que o filho enfrenta problemas emocionais desde a morte do pai, o que pode ter influenciado seu comportamento.

“Ele ficou muito abalado pela morte do pai, acho que isso pode ter afetado ele de alguma forma. Meu filho é formado, trabalhador. Cometeu o erro de falar besteira na internet, mas não é um bandido”. A mãe também menciona que o filho residiu por três meses em Santa Catarina, ela também acredita que a vivência no outro estado pode ter o influenciado de alguma forma.

Agora, a família enfrenta dificuldades para lidar com a situação judicial e busca recursos para tentar reverter as medidas impostas pela Justiça.

“Queremos tirar essa tornozeleira dele, isso está me machucando demais. Mas os custos para contratar um advogado são altos. Sou solteira, não tenho grandes condições financeiras para pagar um advogado. Pensei em procurar a Defensoria Pública, mas acho que lá deve demorar muito. Terei que dar um jeito, vender algo para pagar um advogado”, desabafou.

Além da batalha jurídica, a mãe de Manoel Júnior expressa preocupação com o futuro profissional do filho. “Fico preocupada se meu filho vai conseguir retomar a vida dele, arrumar um bom emprego. Ele trabalha como motorista de aplicativo e ainda está pagando as parcelas da moto. Estou muito preocupada com isso, temo pela vida do meu filho”, finalizou.

A “Cenarium”  tentou novo contato com a família, desta vez por ligação telefônica, nesse domingo, 16, para saber se a família já possui representante jurídico neste caso, mas não obteve retorno.

Ennya Barbosa é advogada criminalista (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Brasil criminaliza uso de símbolos nazistas

A advogada criminalista Ennya Barbosa explicou que a legislação brasileira criminaliza tanto a incitação ao preconceito quanto o uso de símbolos nazistas, por meio da Lei 7.716/89, que estabelece que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional resulta em pena de reclusão de um a três anos e multa.

“ Se essa incitação ocorre por meio de comunicação social — como redes sociais ou blogs —, a pena pode chegar a dois a cinco anos de prisão. Além disso, fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos como a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, também é crime no Brasil, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa”, explicou.

Segundo a advogada, a crescente tentativa de maquiar símbolos nazistas dificulta a aplicação da lei.

“Com o crescimento de células neonazistas no Brasil, há um esforço para utilizar símbolos alternativos que não estejam explicitamente descritos na lei. A legislação cita expressamente a cruz suástica e a cruz gamada, mas sabemos que outros ícones, como a Cruz de Ferro e referências à Luftwaffe, também são usados por grupos extremistas para disseminar a ideologia nazista”, afirma a advogada criminalista.

A especialista enfatiza que não há justificativa para o uso de símbolos nazistas sob o pretexto de interesse histórico. “Uma pessoa que realmente reconhece o nazismo como um capítulo nefasto da história jamais teria uma farda nazista ou exibiria insígnias do regime como a Cruz de Ferro. O problema não é o estudo da história, mas a romantização e a apologia a um regime genocida. Isso fortalece grupos extremistas e contribui para a disseminação do ódio contra minorias”, destaca.

Ennya ressalta que o nazismo não é apenas um movimento histórico, mas um regime baseado na supremacia racial e na perseguição sistemática a diversas minorias, especialmente o povo judeu.

“O nazismo se estruturou no ódio contra o povo judeu, mas também perseguiu pessoas negras, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, que inclusive foram as primeiras vítimas do regime. Quando falamos em proibição do uso desses símbolos, estamos falando de um mecanismo legal para penalizar qualquer forma de apologia a esse passado racista e genocida”, afirmou.

Tunai Rehm é historiador e possui pesquisas sobre temas relacionado à Segunda Guerra Mundial no Pará (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Tunai Rehm é historiador e pesquisador sobre temas relacionado à Segunda Guerra Mundial no Pará (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Nazismo no Pará

O nazismo não foi um fenômeno restrito à Alemanha da década de 1930, explica Tunai Rehm. O pesquisador conta que células nazistas chegaram a existir em diferentes Estados brasileiros, inclusive no Pará.

“A popularidade de Adolf Hitler não se limitou à Alemanha. No Brasil, no início de sua ascensão ao poder, jornais o tratavam de forma diferente do que fariam depois da Segunda Guerra Mundial. O modo como o nazismo foi percebido antes e depois do conflito mudou significativamente, inclusive aqui. No Brasil, existiram células nazistas ativas, e há pesquisas documentadas sobre isso”, afirma .

“Há registros em jornais da época, como O Estado do Pará, que relatam a apreensão de documentos pertencentes a essa célula. Um dos envolvidos chegou a ser acusado de associação ao nazismo e foi enviado para um campo de concentração em Tomé-Açu, que funcionava como um campo de trabalho forçado”, completou.

Tunai explica que, com a ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e as potências do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – durante a Segunda Guerra Mundial, houve uma forte mobilização antinazista no País.

“Surgiu uma intensa perseguição a possíveis colaboradores do nazismo, chamados de quinta-coluna, termo oriundo da Guerra Civil Espanhola e apropriado durante a Segunda Guerra. Isso desencadeou uma verdadeira ‘caça às bruxas’, em que alemães, japoneses e até brasileiros foram acusados de espionagem e associação ao nazismo. Empresários e imigrantes precisaram se posicionar publicamente para demonstrar que não apoiavam Hitler e que eram fiéis ao Brasil”, explica.

O historiador conta que com o fim da guerra e a revelação dos horrores dos campos de concentração e extermínio, como Auschwitz, consolidou-se a rejeição global ao nazismo e uma tentativa de desconstrução da ideologia nazista. No entanto, Rehm alerta que essa mentalidade não desapareceu completamente e que a internet tem sido um veículo importante para sua manutenção.

Por Ultima Hora em 18/02/2025
Aguarde..