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Ontem, o Ministro da Defesa do Brasil – José Mucio, expôs em público divergências entre seu ministério e o comando do governo federal. Uma dessas diz respeito a aquisição dos blindados da empresa israelense Elbit.
Não levando em conta a questão geopolítica nem as condições daquele país naquele momento para garantir cumprimento do contrato, nem posições estratégicas do Itamaraty quanto mais a necessidade real dessa controversa aquisição, Mucio teceu críticas com retoricas acusatórias se utilizando do mesmo argumento ideológico ao qual acusa o governo federal, misturando povo com o país, e pior, esquecendo que está tentando adquirir produto de uma empresa. Isso sem contar a inutilidade dos equipamentos, como comprovei em artigo anterior da série Hot Wheels.
Independentemente de posições políticas, a situação foi surreal e vergonhosa, por estar expondo e inserindo nosso país em questões aos quais estamos “pisando em ovos”, visto o delicado e diferenciado contexto mundial nesse momento. Ou seja, ainda criou embaraços diplomáticos. Desrespeitou o governo, consequentemente a nação e seus cidadãos. Longe de mim aqui estar defendendo a gestão federal, mas verdade há de ser dita: sou patriota de resultado, não da boca para fora.
Preocupado deveria estar nosso Ministro da Defesa com nossas fronteiras, esse sim nosso problema real e imediato – Essequibo, exploração de petróleo, tráfico de armas e drogas, etc., e inúmeros graves problemas internos da FFAA, não com compras de materiais inúteis a defesa do país como esses blindados e helicópteros ultrapassados -como os Black Hawks, isso tudo já comprovados em artigos anteriores da mesma série. Nada em sua fala sobre essas verdadeiras necessidades. Nada.
Desafio o ministro a provar tecnicamente que estou equivocada. Para o leitor entender melhor a situação, vamos às questões geopolíticas atuais.
Você já se perguntou o que é uma vitória militar? Clausewitz definiu a guerra como a "continuação da política por outros meios", onde você impõe o outro pela força a atender sua vontade. Apenas com essa ideia de Clausewitz, a grande parte dos comentários sobre as atuais guerras em curso seriam inválidas.
Por exemplo, enquanto a Ucrânia está em estado de guerra, ela não está admitida na OTAN sob pena de imediato alastramento da guerra. Com isso, o primeiro objetivo russo já foi atingido. Destruir a OTAN em todo desgaste humano, de recursos e da base econômica, gerando revolta popular contra governantes. Nisso, o segundo objetivo está em progresso, e até aqui bem-sucedido mesmo com propaganda dos meios ocidentais dizendo o contrário, porém, já se veem muitos protestos nesses países contra a guerra que provocaram. Mas como resumir vitória? É a função onde meios e recursos de A conseguem sobrepujar os meios e recursos de B.
Voltando ao exemplo, a indústria armamentista dos países da OTAN está na máxima capacidade e lhes falta matéria prima. Recentes publicações inclusive ocidentais mostram que os EUA têm deficiência de minerais estratégicos, que a França e Alemanha sofrem com falta de fontes de energia, e o Reino Unido não conseguiu conter a inflação uma vez que os recursos disponíveis são muito menores que o padrão de consumo, dentre outras situações que os enfraquecem.
As vantagens que um lado pode ter sobre o outro são o conhecimento, a adequação da resposta, a prontidão, o treinamento e a adaptação. Os Houtis sabiam como estrangular economicamente o Estado de Israel através do fechamento do estreito de Bab el Mandeb. Os exércitos palestinos, como o Hamas e o Hezbollah criaram uma forma de combate que desorienta o IDF com ações de guerrilha inspiradas na vitória Vietcong, nos ensinamentos ingleses e apreendida ao longo de décadas de conflito.
O ataque do Hamas em outubro de 2023 pegou o exército israelense fora de prontidão. Observe que levou muitas horas até que uma unidade organizada chegasse, a primeira linha de defesa foi cidadã. O apoio aéreo NUNCA chegou.
Toda essa preleção é para dizer que a defesa militar brasileira não é uma atividade das forças armadas, mas de toda sociedade. Enquanto as FFAA se virem como algo à parte bem como o Ministro da Defesa, ou por tutor do povo, seremos vulneráveis. Como diz o ditado árabe: "Eu e meu irmão contra meu primo, eu e meu primo contra o estranho". Veja como a Arábia Saudita e o Egito pularam fora da coalizão "árabe" liberada por Israel e EUA contra os palestinos - procurem, eles realmente pensaram nisso.
Como aplicar essas lições da guerra hodierna na defesa de nossas fronteiras e territórios? Autoconhecimento e realismo:
1) O Brasil tem uma proporção continental e não pode ser tratado com uniformidade;
2) As vias de acesso, os tempos e movimentos são muito grandes para uma eficiente defesa de ponto, por exemplo, no caso do uso da Reserva Raposa do Sol pela Venezuela para atacar a Guiana;
3) Nada grande, pesado e que não seja resistente à água ou anfíbio serve para operar na Amazônia. Então esqueçam tanques israelenses adaptados ao deserto, precisamos de armas adaptadas às NOSSAS necessidades operacionais. Esqueçam Marinha de Oceano Azul, precisamos de unidades rápidas de intervenção e diversidade de unidades para atacarmos o inimigo com saturação;
4) Vamos abolir a conscrição? Precisamos de profissionais bem treinados e a R1 regularmente reciclada e com capacidade operacional. Os recursos devem ser para uma tropa em prontidão e replacement rápido. A defesa tem que ser em camadas;
3) Textos de Think Tank não foram confeccionados para enfeitar prateleira, mas para discussão. Inclusive um relatório do Cabelo, feito por sargentos em serviço no Rio de Janeiro.
E aqui entra o problema social que faz nossa fraqueza:
a) Filho de Maria não chega a general;
b) O indígena é considerado como não brasileiro, entretanto se adaptaram à sua própria defesa e do território na unidade de São Gabriel da Cachoeira. E para bom entendedor, o que eu disse já basta. A primeira linha de defesa tem que ser feita por quem mais sofre com incursões das FARC para captura de jovens, com tráfico de drogas, com genocídio;
c) temos que dividir o treinamento desde o mais elementar nível. Quem é operacional será sempre operacional; quem é tático, tático; quem é estratégico, estratégico. O que não dá é o militar ouvir trinta anos "não pensa, faça" e ele entra pela Escola de Comando do Estado Maior e digam, agora vocês vão aprender a pensar. Até às escolas militares estão a suprimir criatividade, e aí o resultado é uma força militar que ainda usa a régua de cálculo de 1919 (missão francesa) para relação infantaria e artilharia;
d) Precisa reformular o ensino de História e História da Guerra no currículo da AMAN, pois se tornou uma pseudo-História voltada a se escusar com as novas gerações, ao invés de gerar reflexões. Veja que na história da formação acadêmica militar, o curso onde se discutia questões nacionais às vésperas e depois da Proclamação da República, era o curso de relojoaria. Agora inventaram um “réductionniste”: Olavo de Carvalho, que praticava falácia "ladeira escorregadia" a um livro péssimo de crítica a Gramsci. A ideia basilar da educação militar é conhecer-te a si mesmo tanto quanto seu inimigo;
5) Temos que decidir se nosso ativo humano em combate é precioso ou descartável. Pode parecer chocante ao leitor, mas vimos as lideranças políticas da Ucrânia considerando seus cidadãos menos importantes que corrupção e agendas externas. Assim, não há preocupação com a sobrevivência dos soldados uma vez atacados. Um caso paradigma foi quando um Bradley pegou de surpresa um tanque russo e o deixou inútil, mas toda tripulação sobreviveu. Porque investimento em equipamentos casca de ovo é muito mais barato, mas há perdas de ativos humanos mais rápido.
O que mais estranha é que tais blindados desejados pelo Ministério da Defesa são mais adaptados para guerra de Contra Insurgência, ou seja, para serem utilizados contra o próprio povo brasileiro? Acredito que não. Então para que serviriam? Nada! Só gastos desnecessários; mas porquê? Essa situação então não deveria ser investigada por quem é competente? TCU não viu? Os valores ultrapassam 1 bilhão que deveriam serem esses recursos utilizados de acordo com o PND? E precisamos de indústrias nacionais voltadas para essas exigências. Quando acordarão? Aguardam ajuda estadunidense numa necessidade? E se eles não puderem ajudar ou se tornarem futuramente nossos inimigos?
Continuamos ainda no país de faz de contas... isso próximo a uma possível guerra nuclear.
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