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Por J. Perim
A pretensão brasileira de ser um grande player no cenário internacional esbarra também na realidade de suas Forças Armadas, que sofrem de um jejum prolongado de conflitos para voltarem à realidade de combate. E com inúmeras deficiências na organização e prontidão de nossas forças, isso ainda tem sido acentuado pela prevalência da política e interesses privados sobre as artes militares. E num verdadeiro combate, tais deficiências ficarão a mostra, denegrindo não somente a sua imagem, mas do próprio país, fora a perda de soberania.
Pois bem, com o grave problema da indefinição sobre o comando da Venezuela que nos espreita em nossas fronteiras, temos no mínimo duas hipóteses do que poderão ou não acontecer, mas, no entanto, precisamos inicialmente entender o contexto de interesses internacionais para com aquele país e região, não obstante o mercado que faz parte, o energético. Lembrando que num ataque dela contra a Guiana, devido a suas condições geográficas, com certeza exigirá o uso de nossa fronteira.
Contexto internacional de demanda de energia
Segundo estudo financiado pelo ARANCO, a estatal petrolífera do governo da Arábia Saudita, tendo em vista acompanhamento de consumo energético – todos os tipos de energia, como atômica, petróleo, elétrica, etc., se não houver grandes guerras, cada vez mais aumentará seu uso, bem como a população mundial está prevista para, após 2052, ultrapassar 10 bilhões de habitantes.
E segundo o mesmo estudo, num comparativo macro, se um indiano médio consumir cerca de 15% do que um estadunidense consome atualmente, faltará energia. E finalizando o mesmo, o EEUU consumia acima de 40% do que é produzida no mundo já em 2010, mesmo com 3% da população mundial.
E para piorar, a Inteligência Artificial – IA consome um volume absurdo de energia, sendo utilizada cada vez mais e multiplicando o seu emprego em segmentos dos mais diversos, consequentemente exigindo um aumento substancial de produção além do comum. E ainda não há em vista, mesmo com estudos e protótipos de geração via fusão nuclear bem avançados pela Europa e China, substitutos para o petróleo num futuro proximo.
Contexto regional
A Venezuela é hoje a detentora disparada das maiores reservas do mundo de hidrocarbonetos, e isso obviamente atrai interesses de poderes externos ao país. Desde Chávez há um embate com governos ocidentais, enfrentando há anos pesados embargos devido a isso, o que obviamente gerou grandes problemas internos e externos naquela nação.
Historicamente, há inegável grande interesse nessas reservas hoje estatais e com o “descobrimento” de petróleo em Essequibo, na vizinha Guiana, é possível que seja o mesmo veio petrolífero, e, consequentemente, já disputa grandes atenções do governo Venezuelano tendo em vista que colocará em risco seu poder, como também tal área já é contestada nos tribunais pela Venezuela há mais de século. Desculpas há muitas para se escolher.
Isso tudo sem contar com o apoio de grandes potências emergentes como China e Rússia à Maduro, em busca de poder global em contraponto às ocidentais, que por sua vez também clamam por energia sendo grande consumidoras e apoiam opositores locais fantoches, e, por isso, o presidente da Venezuela vem adquirindo armamentos ultra pesados e não aceitará mais riscos sem reação. Seu ensaio foi a proposta com pressão para exploração de petróleo conjunto com a Guiana, e não deu certo.
Fora isso, o Brasil está para operar jazidas petroliferas na margem equatorial da Amazônia, área próxima ao local do possível conflito, o que além de lucros e autonomia, gerará também riscos geopolíticos no campo do deep state internacional, e exigirá mais proteção de sua região costeira.
A primeira hipótese refletida é que Maduro permanecendo no poder - já dito na época da morte de Chaves ser um líder medíocre frente ao anterior que já era problemático, possivelmente enfrentará o país novos embargos e tensões maiores, devido também a questão com seu vizinho agora grande produtor de petróleo, a Guiana. E segundo analistas, deverá se opor até militarmente contra isso.
A segunda e mais difícil de acontecer, será a vitória da oposição, que, sendo fantoche de grupos hegemônicos ocidentais, abrirá espaços e espreitará ainda mais nossos territórios limítrofes, com interesses diversos. Até o momento, “padrinhos” de Maduro se posicionaram publicamente em seu favor, fazendo até o EEUU recuar de reconhecimento da oposição como vencedora do último pleito eleitoral. Até o momento a situação continua incerta.
Sendo uma ou qualquer outra, teremos problemas na nossa fronteira de Roraima, hoje até abastecida de energia pela Venezuela; um absurdo.
Das condições técnicas de defesa
Vejamos, pois, alguns aspectos técnicos de defesa de nosso território e contexto geográfico.
O trecho fronteiriço em perigo está situado na borda norte da reserva Raposa do Sol, e na doutrina que seguimos, ocidental, costuma-se priorizar a superioridade aérea.
Entretanto, não temos capacidade de sequer operar face à superioridade aérea venezuelana. O ponto mais distante está a 290 km da Base aérea mais próxima, ou seja, 580 km + 15 minutos de fogo de barragem em apoio às nossas tropas de terra. Os Black Hawks que o exército quer comprar tem autonomia máxima de 583 km, ou seja, não tem emprego operacional.
Os venezuelanos têm sistemas russos S 300 e aviões Sukhoi SU-30, cada um capaz de derrotar a quase totalidade das aeronaves estacionadas em Boa Vista antes de qualquer uma dessas alcançarem distância de tiro.
O reforço seria parcialmente impossível, já que os helicópteros referidos não conseguem fazer um voo sem escalas de Manaus ou Belém até Boa Vista. Um reabastecimento em voo já dentro do teatro de operações não é a coisa mais sensata a se fazer. Tanques adicionais são alvos lindos. O estabelecimento de novas bases de reabastecimento parece também uma sandice, já que o suprimento por caminhões esticaria a logística dentro da área de conflito e a aeronave no chão é “pato morto”. Estão numa selva.
Esse risco não é teórico, pois em 22 de fevereiro de 2019, a despeito dos panos quentes, a Venezuela acabou com as movimentações brasileiras na fronteira e deixou todas as aeronaves militares no chão. As pretensões brasileiras de intervir em apoio aos EUA no país vizinho foram imediatamente revertidas face ao choque de realidade.
O terreno de difícil acesso e sem estradas certamente não é convidativo para apoio logístico com o uso de veículos civis (caminhões e carretas). Embora o Exército Brasileiro disponha de um número de cerca de dez mil destes, a malha rodoviária Sul não se liga a Malha rodoviária Norte, devido a um lobby de balseiros que nunca permitiu a união das mesmas pela única passagem possível, apesar de ter ocorrido até audiências públicas em todos os municípios onde esta ligação é possível.
Assim, salvo o que for produzido com os estoques de Manaus e Belém, o Norte do país dificilmente verá ajuda vinda de outros cantos, principalmente do sudeste industrializado. Ainda que se usasse a balsa, o tempo de viagem seria superior a uma semana.
Além da cobertura aérea e da logística, outro gargalo é das comunicações, da qual também sofremos um suposto ataque da nação vizinha em 21 de março de 2018. O inexplicável apagão do governo Temer pode ter sido simplesmente um ataque hacker, já que a internet usada na parte norte do país vem diretamente da Venezuela. Até hoje se sabe que começou na usina de Xingu - PA, mas segue sem explicação.
Na ocasião, o Brasil deslocou tropas das unidades de Manaus e Belém para a fronteira com a Venezuela com a desculpa de evitar que o surto de sarampo chegasse ao Brasil. Porém, o deslocamento de tanques, peças de artilharia e outros meios ofensivos não pareceu apenas uma preocupação sanitária ao governo de Nícolas Maduro. Ainda hoje, temos uma dependência das comunicações da Venezuela naquela região.
O Brasil tem bom preparo de infantaria de selva, porém, o apoio de artilharia não é bem adaptado. Todavia, o pior problema são as tropas aerotransportadas, que não têm apoio nenhum de artilharia aerotransportada, apesar de termos excelentes aeronaves de fabricação nacional para este fim, como o KC 390. Lentamente, o apoio aéreo está sendo garantido por drones, ainda timidamente se firmando na composição da força. Estes últimos poderiam ser uma forma de apoio tático a tropas em solo, porém, continuamos vulneráveis a ataques à nossa linha logística e às cidades.
As ações na Amazônia dependem de acessibilidade fluvial. A nossa marinha detém grandes efetivos em pequenas embarcações capazes de rápido deslocamento e algum poder de fogo. Desenvolver essas embarcações seria uma prioridade da nossa Marinha, porém o sonho de Marinha de Deep Blue Ocean levou investimentos em belonaves cuja utilidade é questionável, como um submarino nuclear, incapaz de se manter escondido nas águas costeiras e sem mísseis balísticos para operação estratégica.
O fundo de marinha mercante tem sido utilizado raramente para a confecção de embarcações amazônicas, e nossa navegação de cabotagem é praticamente inexiste, e sendo assim, não há como usar este meio para suprir linhas de logística. O uso de botes limita o armamento montado. Não temos uma linha de embarcações ligeiras com armamento pesado para operação em igarapés e igapós.
A conscrição é hoje um veneno na prontidão das forças armadas, ao invés de termos um exército profissional, temos um monte de jovens que dispararam em média menos de um tiro em toda sua vida militar. E a um custo imenso, as forças armadas cumprem mais um papel social de oferecer um primeiro emprego que o seu papel constitucional de defesa de nossa soberania. Igualmente grave, é o fato de que pensões fora da média nacional, sugam grande parte do orçamento da força. Orçamento militar não é orçamento social, é orçamento militar.
É quase certo que numa ação real em Essequibo, virão mercenários de grupos com alta letalidade. Soldados que contra forças regulares bem treinadas mantêm taxas de letalidade de até 400/1 a enfrentar poucos militares profissionais e muitos conscritos. O número de cartas de condolências às mães de garotos de 18 anos será politicamente insustentável.
Alguns militares no País das Maravilhas alegam, sem nenhuma prova concreta, que os aviões venezuelanos estão todos quebrados e não operacionais, que não têm todas as contramedidas eletrônicas dos originais, e que a superioridade numérica brasileira já basta a vitória, mas a pior sandice de todas, que a 4ª frota Norte Americana virá a nosso socorro, nem calculando também o custo político disto.
As lições que os Houthis deram ao grupo de ataque do CVN Dwight Eisenhower já deveriam bastar por si só. Todos os marinheiros daquela belonave declararam o medo em serem atacados diretamente. A frase deles significa dizer que as outras sete camadas de defesa falharam. Se o porta-aviões foi ou não atingido, não sabemos, mas sabemos que saiu corrido de volta a seu estaleiro e não é defensável de um ataque de saturação, mas também que o equipamento de fabricação russa em mãos venezuelanas é bem mais numeroso, moderno e letal que os dos Houthis. Segundo, confiar nos EUA foi o que o Zelenski fez, e já temos o resultado.
Voltemos para o “eu acho”. O desmonte da ABIN para servir a um projeto político partidário ao invés do projeto político nacional foi um desastre. Se já havia uma defasagem de duas gerações (Big data e IA) do como fazer inteligência (espionagem), se voltou ao modelo anterior à segunda guerra.
Um de seus diretores, oriundo da Polícia Federal, nunca soube da missão da ABIN e segue falando que ela “investiga”. Resultado, todas as operações de análise estão paradas por falta de comando, hora de destinatário, inclusive no atual governo. Para se entender um pouco do que se fala aqui, usamos da cultura popular:: essas pessoas pensam 007, não Jack Ryan (como era no momento da criação substituindo o antigo SNI), e já deveríamos ter superado Snowden há cinco anos.
Resumindo, nossas forças armadas precisam de profissionalização, recriação do sistema de inteligência, investimentos em infraestrutura de transportes e comunicações nacionais, compras ditadas por necessidades operacionais e concordância com o Plano Nacional de Defesa e as análises de cenário, retificação do orçamento militar, priorização de reposição de armamento com a indústria nacional e tecnologias autônomas.
Já não é a primeira vez que se vê esse filme, os franceses tiveram que demitir grande parte de seus oficiais generais no primeiro mês da Primeira Guerra. Precisamos mudar o pensamento dos comandantes das FFAAs, caso contrário, estaremos cada vez mais vulneráveis. E uma hora a conta chega, indicando hoje estar talvez bem próxima.
Tenho um imenso respeito e apreço pelas FFAAs do Brasil e aos seus comandantes, mas a realidade mudou e posicionamentos dela precisam ser mudados. Ou senão tal realidade poderá cobrar um imenso preço também a nação.
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