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Oito corpos foram avistados, no domingo (30), num sobrevoo de equipes de segurança em área de garimpo dentro da Terra Indígena Yanomami (TIY). As primeiras informações não-confirmadas indicam que sejam de garimpeiros. Os corpos estavam boiando na região do Uxiú, onde garimpeiros que se recusam a sair da TIY assassinaram, na véspera, um agente de saúde Yanomami e balearam mais dois. Os indígenas estavam nas margens do rio Mucajaí, enquanto realizavam o ritual reahu (cerimônia fúnebre). Não está descartada a hipótese de retaliação pelo ataque sofrido no sábado.
As informações são da Amazônia Real
A Hutukara Associação Yanomami, um das principais entidades representativas dos indígenas, desconhecia a descoberta de mais oito corpos. Às 19h20, a Policia Federal (PF) confirmou a notícia em nota divulgada à imprensa. Uma fonte garimpeira afirmou à Amazônia Real que os novos corpos são de mineradores. “Estamos diante de um banho de sangue sem precedente se não mudar isso agora”, alertou essa fonte, que afirma que a situação está fora de controle.
O descontrole é real. No domingo, em outro local da TIY, quatro garimpeiros foram mortos em um confronto com agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama, totalizando 13 mortes desde o dia 29. Foram apreendidas armas e munição de grosso calibre. Um dos homens que morreu na troca de tiros era foragido da Justiça e chefiava uma facção criminosa, conforme apurado e divulgado pela Rede Amazônica e pelo G1.
Para o antropólogo Marcelo Moura, que atua na região de Surucucu e estava presente durante o socorro aos indígenas feridos, afirma que a ofensiva, sem motivos esclarecidos ainda pelos agentes federais, caracteriza como uma possível retaliação devido às operações de retirada dos garimpeiros ilegais. Segundo ele, nesse momento em que os focos de garimpo continuam ativos, há um aumento dos níveis de violência. O pesquisador teme por essa escalada da violência e cita o massacre de Haximu, que aconteceu após a retirada dos invasores na década de 1990.
“As relações muitas vezes que se estabelecem forçosamente pela presença dos garimpeiros ao redor de determinadas comunidades podem ir se esgarçando, ficando cada vez mais tensas e passa a haver um sentimento de inimizade declarado entre os Yanomami e os garimpeiros que estão ali perto. Então eles passam a estar mais suscetíveis a fazer qualquer tipo de retaliação aos Yanomami das comunidades”, analisou o antropólogo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que há cinco anos pesquisa e trabalha com o povo Yanomami.
No sábado, quando três yanomami foram baleados, e um deles morreu, havia várias mulheres e crianças participando do ritual reahu, na comunidade Uxiú, como informou a nota assinada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e Texoli Associação Ninam. Os disparos de arma de fogo foram feitos de um barco com seis pessoas.
O documento das associações indígenas já informava que as lideranças da comunidade Uxiú estão organizadas para atacar qualquer embarcação de garimpeiros que passar pela região. “Isso significa que pode ocorrer a qualquer momento mais uma tragédia”, alerta. A nota assinada por Dário Kopenawa (vice-presidente da Hutukara) e Gerson Xirixana (presidente da Texoli) pediu providências urgentes.
O garimpeiro ouvido pela agência foi na mesma direção: “Os índios foram se vingar dos garimpeiros e aí aconteceu essa tragédia que é só o começo de uma gigantesca tragédia”.
O cerco da facção criminosa
Ilson Xirixana, de 36 anos, foi atingido com um tiro na testa. O agente de saúde da região chegou a ser socorrido e levado de helicóptero para o Centro de Referência em Saúde do Polo Base de Surucucu, mas não resistiu e morreu na madrugada de domingo. Outros dois Yanomami, baleados no abdômen e tórax, continuam internados no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista.
“Segundo os depoimentos, os garimpeiros estavam embriagados e armados com calibre 380, também conhecido como ´9 mm Curto´, os vestígios foram coletados pelos indígenas e entregues à Polícia Federal. As lideranças acreditam que pelo armamento pode significar que um grupo de facção tenha se instalado na região”, informou trecho da nota da HAY e da Texoli.
As duas entidades denunciam ainda que duas pessoas que estavam na embarcação que efetuou os disparos são conhecidos dos agentes da Funai e do Ibama. “Os garimpeiros Ismael e Anão têm autorização para transitar dentro dos garimpos para a retirada dessas pessoas ilegais – Ismael era a pessoa que estava pilotando o barco na hora do ataque em Uxiu. Só que a autorização do barco venceu em 6 abril quando o espaço aéreo também foi fechado para aviões não autorizados na Terra Yanomami e mesmo assim eles continuam transitando dentro do território”, acrescentou a nota.
Nessa escalada da violência, a polícia investiga se os garimpeiros mortos fazem parte do mesmo grupo que atirou nos Yanomami e resultou na morte de Ilson. A série Ouro de Sangue Yanomami, da Amazônia Real com a Repórter Brasil, já apontava que o garimpo na TIY é financiado por políticos e traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Marcelo Moura, funcionário do Expedicionários da Saúde (EDS) que atende os indígenas no Centro de Referência e Polo Base de Surucucu, analisa o atual cenário na TIY: “A gente sabe que na maioria desses últimos focos [de garimpo] há a presença de garimpeiros envolvidos com facções criminosas, com pessoas de perfil dispostas ao conflito que, como a gente viu os vídeos recentemente apreendidos pela polícia com um interesse em ostentar a capacidade de violência que podem praticar”, avaliou Moura.
Segurança será reforçada
A escalada da violência na TIY fez com que ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisassem, mais uma vez, ir a Roraima. A promessa da comitiva é que a segurança na região será reforçada e as ações passarão por reformulação para uma atuação mais enérgica com o uso da inteligência do governo federal para retirar de forma mais efetiva os garimpeiros que insistem em continuar na região. O ataque aos Yanomami que tirou a vida de um agente de saúde indígena e o confronto de mineradores com a polícia ocorreu três meses após o início das ações para acabar como garimpo ilegal.
A comitiva interministerial, desta vez, contou com a presença das ministras Sônia Guajajara (Ministério dos Povos Indígenas), Marina Silva (Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima), Nísia Trindade (Ministério da Saúde) e representantes dos ministérios da Defesa e da Justiça. Eles se comprometeram a garantir mais segurança para evitar “derramamento de sangue”.
Marina e Sônia sobrevoaram as regiões de Homoxi e Uxiú. A titular do Meio Ambiente informou durante entrevista coletiva que se observa uma redução de 75% do garimpo. Segundo ela, a intenção é que os invasores que persistem na região saiam sem confrontos, para isso, a segurança será reforçada.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, informou que 327 acampamentos de garimpeiros, 18 aviões, 2 helicópteros, centenas de motores e dezenas de balsas, barcos e tratores foram destruídos nas operações de fiscalização.
Desde quando iniciou as operações de desintrusão dos garimpeiros já foram registrados quatro ataques. “O Estado brasileiro não vai tolerar aqueles que de forma flagrante, que de forma ilegal, que de forma criminosa, estão sendo recalcitrantes quanto a decisão de deixar esse território com os povos originários, com os povos indígenas, para que o estado possa cumprir bem o seu papel. A palavra do presidente Lula, portanto, é que não vamos ceder um milímetro a aqueles que desafiam a autoridade legal”, alertou Tadeu de Alencar, secretário de Segurança Pública, representando o ministro da Justiça, Flávio Dino.
Antes de viajarem para Roraima, a comitiva se reuniu com o presidente Lula em Brasília. “O governo brasileiro não vai recuar face à criminalidade. As ações vão ser intensificadas, vamos reforçar as equipes do Ibama, da PRF, da PF com o suporte das forças armadas, que é fundamental o suporte logístico, toda a parte operacional para que a gente possa dar uma resposta à altura”, avisou Marina.
Há um número incerto de garimpeiros que ainda permanece na TI Yanomami. Apesar do aumento do policiamento, o antropólogo Moura critica a legislação e atuação do Estado que não pune severamente os invasores.
Para Marcelo Moura, as pessoas que estão no garimpo ilegal na TIY estão cientes que nada irá acontecer com eles de punição. “Há uma certa leniência ainda do governo que não conseguiu estabelecer punições para os invasores que estiveram até agora”, analisa. “Me parece ainda uma sensação de impunidade que foi se se gestando durante esses últimos meses na medida que os garimpeiros saiam, passavam pelas barreiras da polícia e tudo mais, mas a gente não tem notícia de prisão.”
Incentivo ao garimpo ilegal
As mortes de indígenas e garimpeiros na TIY refletem também a série de ações de políticos estaduais que encorajaram os invasores. O mais conhecido é o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), que sancionou duas leis inconstitucionais pró-garimpo com a aprovação da Assembleia Legislativa. Os textos não vingaram e o Ministério Público Federal interveio. Ainda assim, durante a campanha de 2022, o bolsonarista conseguiu vencer no primeiro turno com forte apoio dos garimpeiros.
Marina, em Boa Vista, afirmou que o Estado brasileiro tem legitimidade para destruir equipamentos de garimpeiros, mesmo que eles contém com apoio local. “Não vai ser uma lei estadual que vai impedir a ação do Ibama, da Polícia Federal e de quem quer que seja. A lei federal é sempre maior do que uma lei estadual e uma lei estadual não pode ser feita para flexibilizar”, esclareceu sem mencionar os políticos.
As ações do governador de Roraima, integrante da Tropa de Choque pró-garimpo, passam longe da moralidade. Após o presidente Lula ter declarado emergência em saúde pública no território Yanomami, Denarium se reuniu, a portas fechadas, com garimpeiros na Base Aérea de Boa Vista, conforme noticiou a Amazônia Real.
A ministra dos Povos Indígenas foi questionada sobre as ações do chefe do Executivo estadual sobre as tentativas frustradas de acobertar garimpeiros. “O estado [governo de Roraima] não pode insistir em permanecer, apoiar ou incentivar a presença, a permanência desses garimpeiros no Território Yanomami, porque acho que o Estado não pode ter como principal atividade econômica uma atividade ilícita. O governador precisa entender que ele não pode ficar fomentando essa atividade ilícita porque alguém vai pagar. E aí esses garimpeiros acreditam que o governador vai poder permitir a permanência deles lá e eles não vão, porque tem uma Constituição que rege. Nenhum território indígena no Brasil há permissão para se explorar minério”, alertou Sônia.
A despeito de sua posição, Denarium acompanhou a ministra de Saúde, Nísia Trindade, na visita aos dois Yanomami baleados que estão internados no Hospital Geral de Roraima. Há duas semanas, Aldo Rebelo, hoje um político que prega a pauta anti-ambiental pela Amazônia, cumpriu uma agenda em Roraima. O ex-ministro do governo Lula nas gestões anteriores palestrou na Assembleia Legislativa e recebeu o título de cidadão benemérito. Durante a agenda em Roraima, Rebelo se reuniu com garimpeiros em um hotel da cidade.
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