CNMP instaura reclamação disciplinar contra ex-integrantes da 'lava jato' do Rio

CNMP instaura reclamação disciplinar contra ex-integrantes da 'lava jato' do Rio

O corregedor nacional do Ministério Público, Oswaldo D'Albuquerque, determinou a instauração de uma reclamação disciplinar contra procuradores da extinta "lava jato" do Rio de Janeiro. Eles foram acusados pelo empresário Sergio Mizrahy de coagi-lo para que firmasse um acordo de delação premiada. 

O pedido de providências apresentado por Mizrahy mira os procuradores Eduardo Ribeiro Gomes El Hage; Fabiana Keylla Schneider; Felipe Almeida Bogado Leite; José Augusto Simões Vagos; Leonardo Cardoso de Freitas; Marisa Varotto Ferrari; Rafael A. Barretto dos Santos; Rodrigo Timóteo da Costa e Silva; Sergio Luiz Pinel Dias; e Stanley Valeriano da Silva, todos da finada "lava jato" fluminense.

"Tendo em vista a competência constitucional deste Órgão Correicional, conheço da presente manifestação, e determino a instauração de Reclamação Disciplinar visando apurar os fatos em tela, no que tange aos membros do MPF, extraindo-se cópia integral dos documentos para autuação de Reclamação Disciplinar própria em relação aos membros do MPRJ", diz o corregedor na decisão, assinada em 8 de agosto. 

O empresário foi alvo de busca e apreensão e acabou preso preventivamente em maio de 2018. Ele foi acusado de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção passiva com base na delação premiada de Cláudio Souza. 

Segundo o relato feito no pedido de providências endereçado à Corregedoria do MP, os procuradores afirmavam o tempo todo que Mizrahy deveria delatar, caso contrário seus filhos e sua mulher também seriam presos. 

Segundo o documento, o empresário sequer negociou os termos do acordo, tendo somente assinado a colaboração depois de ser pressionado pelos integrantes da "lava jato" do Rio. 

"Afora a prisão arbitrária, o requerente foi forçado a dizer sobre
condutas, as quais desconhece, e que, por essa razão, não as praticou, sofrendo ameaça ao ouvir que sua esposa e seus filhos também seriam presos. Palavras que ferem: '(sic)Teu acordo não é só teu não, é teu, dos teus filhos, da tua mulher, eles tinham que estar aqui preso também!', diz trecho do pedido.

A defesa de Mizrahy afirma que ele foi alvo de tortura: "O método ilegal e arbitrário aplicado ao requerente foi de tortura psicológica (coação moral) e física com a decretação de uma prisão preventiva sem fundamentação idônea e de forma desproporcional, com ameaças às pessoas de seus familiares, com a sonegação de elementos favoráveis à defesa e a interferência indevida em outros órgãos ou poderes, em explícito desvio de finalidade".

Segundo o pedido, o empresário ficou preso com mais 47 homens em um local sem condições de higiene. No período de um mês, prossegue o relato, não foi permitida a visita de familiares, nem o acesso a itens pessoais. 

Na delação, Mizrahy descreveu a suposta existência de um esquema de propina na prefeitura do Rio de Janeiro. O caso levou à prisão de Marcelo Crivella (Republicanos), em 2020. 

Depois da prisão preventiva e do acordo de delação, o caso de Mizrahy ficou paralisado: a denúncia contra ele só foi protocolada 30 dias depois da preventiva, e até hoje não houve sequer audiência de instrução e julgamento. 

Defende o empresário no caso a advogada Fernanda Pereira da Silva Machado, do escritório Fernanda Pereira Advogados Associados.

"Uma investigação rigorosa e transparente é a única maneira de assegurar que a verdade seja estabelecida e que eventuais responsabilidades sejam devidamente atribuídas. A sociedade tem o direito de conhecer os resultados dessas investigações, fortalecendo assim a confiança nas instituições e no sistema de justiça", disse Fernanda à revista eletrônica Consultor Jurídico

"O respeito aos direitos humanos, a garantia da ampla defesa e do contraditório, assim como a manutenção do Estado de Direito, são fundamentais para a preservação da justiça e da credibilidade das instituições em nossa sociedade. Estaremos atentos ao desdobramento deste processo e confiamos que o CNMP conduzirá as investigações de forma justa", concluiu. 

Colaboradores reagem
Esse foi o segundo pedido ao CNMP feito nos últimos meses semanas por alvos da "lava jato" do Rio. Há uma solicitação anterior feita por Cláudio Souza, que também disse ter sido coagido a delatar. 

Preso em 2017, Cláudio Souza — mais conhecido como Tony — afirmou em seu pedido ao CNMP que foi forçado a delatar o doleiro Dario Messer depois de ser alvo de uma prisão preventiva. Ele foi detido no Uruguai, em 3 de março daquele ano, ao desembarcar no aeroporto de Montevidéu.

Segundo a petição, Tony recebeu a visita do advogado brasileiro Márcio Delambert depois de ser preso. Ele afirmou que, na ocasião, ainda não sabia o motivo da detenção. De acordo com o empresário, o advogado disse desde o primeiro momento que Tony teria de delatar para ter sua situação resolvida.

Ao finalmente ler sua denúncia e achar que não havia elementos robustos contra ele, Tony teria perguntado ao advogado se não seria o caso de entrar com um pedido de Habeas Corpus, mas recebeu uma resposta negativa.

"Indagou ao advogado se não seria melhor adotar uma estratégia de insurgência contra seu decreto prisional, tentando a interposição de uma ordem de Habeas Corpus, por exemplo, o que a todo momento lhe era respondido negativamente, também pelo advogado, afirmando-lhe peremptoriamente que a colaboração premiada seria o único caminho possível."

No documento, Tony sustentou que, após insistência, e ainda sem saber com clareza os motivos da prisão, acabou aceitando firmar um acordo de delação. A partir daquele momento, contou ele, passou a receber visitas de procuradores da "lava jato", entre eles El Hage, ainda no Uruguai.

Na ocasião, a autodenominada força-tarefa teria apontado quais nomes de seu interesse deveriam ser delatados: Messer, Sergio Mizrahy, Jorge Davies, empreiteiras e políticos, entre eles o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

"O requerente foi vítima de um método medieval que foi utilizado amiúde pela então força-tarefa da operação 'lava jato', que foi o uso da prisão preventiva como método de tortura, e objetivo de enfraquecer a resistência de quem encontrava-se encarcerado."

Tony foi preso por suposta lavagem de dinheiro em um esquema de corrupção envolvendo o ex-governador do Rio Sérgio Cabral. A detenção se deu na operação "câmbio, desligo".

Os pedidos à corregedoria foram feitos pouco antes de o órgão começar uma correição extraordinária no no 8º Ofício da Procuradoria da República, onde funcionava a "lava jato". 

Clique aqui para ler a decisão

Por Ultima Hora em 25/08/2023
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