Como as medidas anunciadas por Trump impactam o Brasil

Mudanças na economia, política climática, regulamentação das redes e cooperação internacional serão baque para Lula – e podem influenciar política interna

Como as medidas anunciadas por Trump impactam o Brasil

Nas falas do discurso de posse na segunda-feira, 20, e na avalanche de ordens executivas que assinou logo em seguida, Donald Trump, oficialmente (e novamente) presidente dos Estados Unidos, indicou estar pronto para agitar o mundo com uma política que mistura protecionismo, desregulamentação, um Estado enxuto e menos colaboração internacional. E muitas das medidas anunciadas devem afetar diretamente o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora o país tenha relevância marginal para os americanos.

Economia

No discurso de posse, o republicano voltou a sinalizar que irá “estabelecer tarifas e impostos sobre os outros países para enriquecer nossos cidadãos”.

O impacto de uma política tarifária mais dura nos Estados Unidos seria a redução nas exportações ao país, e essa é uma preocupação que também é compartilhada pelos brasileiros. No ano passado, o Brasil bateu um recorde de 40,3 bilhões de dólares em produtos vendidos aos americanos, 9,2% a mais que em 2023 e superando parceiros importantes como União Europeia (+4,2%), China (-9,5%) e Mercosul (-14,1%). Também é relevante que Washington é o maior comprador de industrializados do Brasil.

Trump pretende impor tarifa de 10% a 30% sobre todas as importações e falou em até 60% sobre os produtos que vêm da China, abrindo a possibilidade de retaliação em cadeia e dificultando o comércio global, com óbvias consequências negativas para o Brasil.

“O Brasil já busca diálogo com o trumpismo para estabelecer negociações em nível técnico. Os interesses econômicos americanos são fortes na agenda brasileira e nas relações bilaterais. Será preciso uma ação para conter o discurso antigoverno brasileiro, mas ao mesmo tempo manter as portas abertas do ponto de vista dos negócios”, diz Denilde Hol­zha­cker, professora de relações internacionais da ESPM.

Clima e meio ambiente

Uma das cerca de 100 ordens executivas assinadas por Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris (de novo), como havia feito no primeiro mandato.

Sob o acordo climático internacional, negociado em 2015, países ao redor do mundo concordaram em cortar as emissões de gases de efeito estufa em um esforço para limitar o aquecimento global a entre 1,5ºC e 2ºC acima dos níveis pré-industriais, para prevenir os piores impactos das mudanças climáticas. Trump argumentou que o acordo impõe encargos injustos à economia americana.

Neste ano, o Brasil vai sediar a conferência do clima da ONU, a COP 30, em Belém, assunto em que o novo presidente americano deixou claro jogar no time adversário — e no ataque. Ele não deve comparecer à cúpula e com isso deixará o evento esvaziado — péssimo para o governo brasileiro, que deseja posicionar-se como líder global no tema. O descaso em relação às questões ambientais, item essencial da agenda atual de colaboração entre os dois países, deve provocar atritos entre Trump e Lula.

“Apesar do desafio que isso representa para o Brasil na COP30, a agenda brasileira não se inviabiliza. O Brasil pode, inclusive, diversificar suas relações e assumir maior protagonismo na mediação de acordos. É necessário esperar pelos próximos passos da administração Trump para vermos o teor das medidas que serão anunciadas e o grau de adesão dos empresários estadunidenses”, avalia Marcela Franzoni, professora de relações internacionais do Centro Universitário Belas Artes

Geopolítica

Se seguir na toada da campanha e do dia 1 do mandato, Trump presidirá a saída do seu país da liderança do sistema internacional atual, pondo no lugar um balcão de negócios em que prevalecerá a lei do mais capaz — para Trump, claro, ninguém é páreo para os Estados Unidos.

“Conquistas relevantes do pós-guerra, como a ordem mundial baseada em cooperação e multilateralismo, darão espaço a um modelo com menos regras e decisões baseadas em barganhas”, prevê Stefan Wolff, professor de segurança internacional na Universidade de Birmingham.

Nesse cenário, o governo brasileiro terá menos influência ainda, já que a diplomacia, que é característica de Lula, depende do multilateralismo. Em sua primeira fala a respeito do Brasil e da América Latina após a posse, Trump atestou: “Eles precisam de nós muito mais do que nós precisamos deles. Nós não precisamos deles, eles precisam de nós. Todo mundo precisa de nós”.

A fala foi indício contundente de como pretende levar os próximos quatro anos na Casa Branca: de maneira transacional, fazendo alianças e acordos com quem quer que o beneficie, ignorando quem não o interessa e moldando o mundo à sua imagem enquanto países tentam evitar represálias. Sobretudo agora que assume a presidência do Brics, um bloco considerado hostil a Washington, o Brasil deve ser encarado como rival.

Política interna

Com a presença na posse de Trump de nomes como o liberal ultralibertário Javier Milei, da Argentina, a primeira-ministra nacionalista e anti-imigrantes da Itália, Giorgia Meloni, o seu retorno à Casa Branca indica um fortalecimento e uma mobilização de uma espécie de “internacional da direita”. Eventos paralelos também contaram com a presença de membros da Alternativa para a Alemanha (Afd), partido fiscalizado pelas autoridades devido a inclinações neonazistas, do extremista espanhol Vox e deputados do PL, como Eduardo Bolsonaro.

“Trump será mais favorável à Argentina de Javier Milei, pela convergência de ideias ultraliberais, e com certeza inflamará grupos de direita mundo afora, com consequências para a política interna brasileira”, diz Denilde Hol­zha­cker, da ESPM.

As eleições de 2026 no Brasil devem ser um dos campos que a presidência de Trump vai chacoalhar. Impedido de sair do Brasil por restrições judiciais, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi homenageado na capital dos Estados Unidos, Washington, pelo deputado estadual de Minas Gerais Bruno Engler (PL), que em paralelo aos eventos da posse estendeu em uma rua da cidade uma faixa com os rostos de Bolsonaro e Trump com a legenda “Nós voltaremos.” O capitão, contudo, está inelegível e não pode concorrer ao cargo. A ver.

Big Techs

Outro ponto de acirramento com o Brasil deve ser a posição de Trump em relação aos gigantes da tecnologia, como a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp), Alphabet (dona do Google) e outras redes sociais (notadamente o X, antigo Twitter, do fiel escudeiro Elon Musk). Após sua vitória eleitoral, uma procissão de CEOs do Vale do Silício foi direto para sua mansão Mar-a-Lago, na Flórida, buscando cair nas graças do novo presidente em meio a promessas de desregulamentação.

Mark Zuckerberg, chefe da Meta, anunciou com linguagem belicosa que mudaria as regras de moderação de conteúdo de suas plataformas a serviço da “liberdade de expressão”, devido ao “viés de esquerda” das agências de checagem de fatos, adotando a narrativa da extrema direita que apoia Trump a respeito de uma suposta “censura” nas redes.

Tanto o governo Lula quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) defendem a regulamentação das plataformas digitais, para garantir que não se tornem uma terra sem lei. Com a posição de Trump, e o empoderamento que isso deu aos donos das big techs e à bancada de direita no Congresso brasileiro, a missão se tornará muito mais difícil, senão impossível.

Via Veja

Por Ultima Hora em 21/01/2025
Aguarde..