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Como acontece a destruição da vida e das chances de futuro da juventude negra no nosso país? Essa é a chaga fundamental de nossa sociedade doente. Sabemos que a criminalização do negro acontece em todo lugar, mas não sabemos como ela se dá em cada caso particular.
O caso de Rafael Sales Ribeiro de 27 anos, piscineiro querido há cinco anos por todos os moradores em um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, nos esclarece como se dá o “modus operandi” da fabricação do estigma em uma sociedade racista até os ossos como a nossa. A “estrutura” do racismo é formada, como veremos, pela polícia, pelo sistema judiciário e pela imprensa venal e elitista que, literalmente, “criam o criminoso”. E ele é sempre, olha que coincidência, um preto.
Essa é a história. Rafael participou de um churrasco há cinco anos com amigos na comunidade onde nasceu e mora até hoje, no Parque da Cidade ao lado da Rocinha, no Rio de Janeiro. Lá havia amigos e dentre eles alguns membros do “movimento”, ou seja, dos que vendem droga na favela. Jovens que foram criados juntos e se conhecem desde a infância.
Só que Rafael apenas fumava maconha com os amigos, e jamais foi traficante de coisa alguma. Neste episódio foi preso e depois liberado pela polícia.
No entanto, na última quarta feira, cinco anos depois, Rafael foi preso no condomínio onde trabalha – humilhação que compromete todo o trabalho que vinha fazendo no condomínio há cinco anos – onde era querido por todos. A acusação foi de tráfico de drogas – inventada e sem provas – e o juiz da 21ª Vara Criminal do Rio de Janeiro expediu mandado de prisão por cinco anos de prisão para o rapaz.
O juiz obviamente acreditou na versão policial, do mesmo modo que o jornal “A Tribuna” apenas copiou o que a polícia disse. Ainda que todos saibam que a polícia brasileira é campeã em forjar provas e acusações falsas. Aqui reside, precisamente, a perversão de todo o sistema. Se o acusado é um negro pobre, morador de comunidade, então ele é culpado e todos acreditam. Ponto final. Na verdade, a culpa dele foi ter nascido preto em um país doente.
Rafael era até então o menino de ouro da mãe cozinheira em condomínio de classe média alta. Aluno do colégio aplicação da PUC, era a esperança de saída da pobreza da mãe. Estudioso, trabalhador com carteira assinada em uma empresa que terceiriza a limpeza de piscinas há cinco anos, foi, inclusive, defendido pelo patrão como excelente trabalhador.
E mesmo morando no mesmo endereço a vida toda, e trabalhando no mesmo lugar há cinco anos, foi taxado de “foragido” pela polícia e por conta disso preso em flagrante. A primeira mentira policial óbvia é, portanto, que ele estava “foragido”. Afinal, é assim que se cria um criminoso.
A partir daí a criminalização e a construção do estigma do rapaz negro se dá em cascata. Primeiro, os moradores do condomínio de classe alta da Barra, que antes gostavam do rapaz, pedem agora a sua imediata demissão. Parece que, nesses casos, todos passam a acreditar cinicamente em uma polícia que todos sabem ser ineficiente e corrupta.
Assim como jornal e o próprio juiz que deu a sentença. Uma polícia que foi criada para combater o negro pobre pela classe média e pela elite. Para fazer este serviço sujo a arma é retirar qualquer defesa do oprimido e construir uma acusação falsa – que ninguém vai checar a veracidade, afinal é apenas mais um preto – repetida um milhão de vezes. A polícia só faz o que faz porque essas classes do privilégio aplaudem e celebram a morte e a prisão de todo negro pobre.
O resumo desta ópera que acontece todos os dias em todos os lugares do nosso país é que um rapaz trabalhador e estudioso vai ser mandado por cinco anos para o inferno das prisões brasileiras e vai sair, aí sim, um criminoso cheio de raiva e ressentimento contra uma sociedade e um sistema injusto.
É assim que se constrói o preto como criminoso. Até quando vamos aceitar isso? Quantas vidas ainda serão perdidas sem comover ninguém?
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