Contradições Brasileiras

Por Tiago Martins

Contradições Brasileiras

Capítulo 1/2: Por que nossa capacidade de certificar modelos de gestão não se traduz em resultados para as organizações?

Atuando há alguns anos em gestão de processos, governança, conformidade, riscos e modelos de certificação, desde o início desta trajetória às estatísticas relacionadas a estes temas me atraíram.

Qual seria a relação entre modelos de gestão mais eficientes, volumes de certificações destes modelos com base em padrões de conformidade consagrados, e resultados reais das empresas e do ambiente de negócios?

Até que ponto, modelos de gestão certificados com base em padrões mundiais considerados de excelência (normas) são realmente capazes de entregar resultados com foco no aumento de valor das empresas?

Até mergulhar de forma cada vez mais profunda neste mundo, sempre me intrigou a performance brasileira nesse ponto. Dados de 2019 da ISO SURVEY (boletim emitido pela própria Organização Internacional de Normalização), apontam o Brasil como:

10º país do mundo com maior volume de certificações ISO9001 válidas (norma que estabelece requisitos de um sistema de gestão de qualidade, com foco na satisfação do cliente, otimização de recursos, melhoria de processos e aumento de produtividade);

17º país do mundo com maior volume de certificações ISO14001 válidas (norma que estabelece requisitos de um sistema de gestão ambiental);

16º país do mundo com maior volume de certificações ISO37001 válidas (norma que estabelece requisitos de um sistema de gestão antissuborno).

Diante deste cenário, e tendo em vista meus questionamentos iniciais, sempre ficou muito claro um descompasso muito representativo entre as estatísticas dos modelos de gestão certificados no Brasil, quando comparados a outros países, e os resultados perceptíveis e mensuráveis que o ambiente de negócios do Brasil vinha (e vem) sendo capaz de apresentar em termos reais, se não vejamos:

Ressalvando outros aspectos importantes que envolvem nosso ambiente de negócios, como insegurança política, jurídica e burocratização excessiva, por que um país que está entre os 10 que mais possuem sistemas de qualidade certificados no mundo, sempre figura na lanterna de rankings de competitividade global medidos, segundo, por exemplo, o IMD World Competitiveness Center?

Dentro deste mesmo modelo de gestão de qualidade, por que a percepção coletiva no Brasil, em termos de prestação de serviços e atendimento a clientes, é sempre de um nível muito abaixo do considerado aceitável em diversos nichos de mercado? Quem nunca se enfureceu com o péssimo atendimento em empresas de telefonia, energia, concessionária de veículos e tantos outros mercados?

Por que os desastres ambientais (inclusive desastres recentes e de níveis catastróficos) vêm se multiplicando e se repetindo no Brasil ao longo do tempo, em indústrias que já existem e atuam com base em modelos consagrados (e certificados) de gestão há anos?

Até que ponto é viável crer no Brasil já sendo um dos líderes mundiais em certificações de modelos de gestão de combate ao suborno, após os grandes e recentes escândalos de corrupção amplamente divulgados, e que mais do que expor de forma explícita atos ilícitos de grandes empresários, figuras públicas e empresas deste país, nos trouxe “a céu aberto” a exposição de uma cultura bastante enraizada por aqui, desprovida de valores éticos, especialmente no que tange o trato com o bem público?

 Todos estes questionamentos tornaram-se frequentes e, na medida em que me aprofundei no mercado de certificações de modelos de gestão no Brasil, assim como nos processos estabelecidos para conduzi-las, tive a oportunidade de identificar aquelas as quais considero formarem um conjunto de causas que corroboram para o que passei a classificar de “commoditização das certificações de gestão no Brasil”.

 Estas causas se dividem em dois grandes grupos:

a) Um ciclo de canibalização do mercado, o qual tornou-se refém de suas próprias prioridades e de sua conduta;

b) Uma metodologia de avaliação da conformidade da gestão que tornou-se obsoleta diante do dinamismo, velocidade e demanda que o próprio mercado passou a exigir dos modelos de gestão implementados nas empresas.

Nesta coluna quinzenal, apresentarei o primeiro grupo, relacionado ao tal ciclo de canibalização (a).

O Ciclo de Canibalização do Mercado de Certificações de Modelos de Gestão:

O chamado “Ciclo de Canibalização” corresponde a um conjunto de aspectos, envolvendo organizações com seus modelos de gestão certificados, e as próprias entidades responsáveis pelas certificações de modelos de gestão, os quais provocam entre si uma relação de causa-efeito que se retroalimenta, impedindo e até desencorajando uma mudança de cenário. Dentre estas consequências, pode-se destacar:

A vulgarização, progressiva e exponencial, da percepção de valor de uma gestão certificada;

A perda do reconhecimento das boas práticas de gestão por parte do gestores, empreendedores e público em geral e, em especial;

O baixo valor agregado que estes mesmos modelos de gestão certificados poderiam entregar para todas as partes interessadas da organização certificada.

Diante de um modelo de negócio canibalizado por este ciclo apresentado, é urgente que haja uma reflexão quanto a esta rota adotada em nosso mercado, seus efeitos reais e o que pode vir a ser discutido e revisto na intenção de provocar uma reversão deste processo.

Mais do que o prejuízo com a falta de credibilidade e reconhecimento dos modelos de gestão certificados, impressiona, em especial, o desperdício gigantesco de recursos e de energia na implementação de ferramentas e processos, os quais deveriam primordialmente contribuir para com as organizações, seus objetivos estratégicos e seus resultados, mas que pouco estão alinhados a estes objetivos e resultados, representando tão somente custos de obtenção de um reconhecimento de valor cada vez mais duvidoso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Gestão, Governança e Empreendedorismo em 17/09/2021
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