Contradições brasileiras: Ambiente de negócios hostil, Cultura imediatista e a Baixa Competitividade

Por Tiago Martins - Engenheiro de Produ

Contradições brasileiras: Ambiente de negócios hostil, Cultura imediatista e a Baixa Competitividade

Imagine-se em uma floresta selvagem e extremamente hostil. Poucos recursos, predadores, clima insalubre etc. Agora, vamos considerar que você não teve a opção de escolha em estar ali neste momento, porém teve vários anos para se preparar. O que você teria feito ao longo desse tempo?

Não é novidade para qualquer empresário, ex-empresário e gestor, o ambiente de negócios do Brasil: ausência de políticas de Estado na área econômica e de infraestrutura (os ciclos são de acordo com os interesses do grupo político que está no poder - poder este, inclusive, extremamente centralizado); burocratização excessiva; insegurança e lentidão jurídica; escassez de mão de obra qualificada; alta carga tributária etc. Em suma, como já escutei de amigos empresários, para investir por aqui começando “do nada”, ou você é maluco, ou gosta de sofrer.

No entanto, muitas pessoas investem, muitas são movidas por grandes ideias e pelo desejo de inovar, empreender e serem independentes profissionalmente e financeiramente. Segundo o Governo Federal, somente em 2021 foram mais de 4 milhões de novos empreendimentos abertos no Brasil.

Por outro lado, até recentemente e diante deste cenário repleto de ameaças e desafios, os indicadores relativos à longevidade destes novos empreendimentos não eram nada satisfatórios. Sempre foram muito altos os índices e estatísticas das empresas que não sobrevivem ao final de seu primeiro ano de vida (chegando a 21%). Se aumentarmos o período para cinco anos de mercado, o número de empresas brasileiras que não sobrevivem chega a 60%.

É natural esperarmos e lutarmos por mudanças em políticas públicas que transformem nosso ambiente de negócios em prol do empreendedorismo, liberdade econômica, geração de emprego e renda. Porém, será só isso? Sentar e esperar que o poder público faça a sua parte, enquanto boas ideias, importantes iniciativas e diversas oportunidades de empreendedorismo são desperdiçadas?

O que eu observo é que, independentemente da condição do ambiente de negócios, contribuem muito e de forma decisiva para esta “carnificina do empreendedorismo” por aqui, o completo desconhecimento, omissão e desinteresse quanto a avaliação, adequação e implementação de práticas de governança e gestão, extremamente disseminadas em mercados muito menos hostis do que o brasileiro. Práticas estas, que têm exatamente o objetivo de planejar, preparar, prever, definir e ajustar a direção e o controle de um empreendimento nos rumos de sua sustentabilidade, e ao longo de toda sua trajetória.

No Brasil, infelizmente tais conceitos e práticas são muito ainda relegadas para um segundo plano, como se não fossem aplicáveis ou importantes em nosso ambiente: “Não tenho tamanho para isso”; “Não temos recursos para investir nisso”; “Temos que focar no business”. Quem já não escutou estas frases ou outras semelhantes alguma vez na vida para justificar o porquê de não investir em planejamento, gestão e governança?

Neste ponto, encontra-se nossa contradição: ainda que o Brasil seja um dos países onde as incertezas e ameaças são mais numerosas, e de maiores impactos negativos comprovados dentre diversas outras nações do planeta, aqui também seguimos, majoritariamente, cultuando e reproduzindo os mesmos padrões de conduta empreendedora que têm nos guiado a estes resultados narrados.

Em minha opinião, está mais do que na hora da sociedade atuar proativamente em torno de seus interesses e objetivos, alheios ao poder público, e neste quesito, o empreendedor tem função fundamental nesta transformação.

O papel do empreendedor e executivo neste processo de transformação

Ao compreender, atuar, liderar e engajar em torno de boas práticas de governança, planejamento e gestão, melhor será sua condição de se preparar para a “floresta selvagem” que irá enfrentar (ou já esteja enfrentando). E todo este esforço surge tão logo a decisão de empreender é tomada: Avaliação de Riscos; Planejamento Estratégico; Definição de Propósitos, Valores, Missão e Visão; Definição de Políticas; Mapeamento e Delineamento de Processos etc.

Quanto mais conhecimento e clareza do que se deseja e se pode atingir; quanto mais avaliação, análise, planejamento e simulação de como atingir o que se deseja, considerando os desafios, barreiras e ameaças que serão enfrentadas até lá; maiores as chances de sucesso e/ou menores as chances de fracasso. Ninguém entra em uma guerra sem conhecer os seus objetivos, o campo de batalha e seus inimigos, ou estou errado?

Normalmente, nas PMEs é onde mais encontramos resistências a estes conceitos e práticas. Neste mercado, são ainda raros os empresários, empreendedores e gestores que atuam com essa ótica, com essa cultura de utilizar de uma forma muito efetiva, muito proativa, as ferramentas disponíveis no mercado. A maioria segue expondo suas organizações às “marés do mercado”, a busca permanente pela “grande sacada” que tornará o seu empreendimento com grande “gordura”, inclusive mascarando ineficiência e erros futuros.

O fato é que este cenário em que eventualmente encontra-se uma “grande oportunidade” para empreender e “resolver a vida” está cada vez mais raro. A integração dos mercados globais, o desenvolvimento tecnológico e o fluxo sem fronteiras e sem barreiras para comunicação, tornou as ideias e as informações disponíveis a todos e o tempo todo. Uma grande ideia de ontem pensada por A, hoje já está sendo aprimorada por B.

Neste ponto, muitos devem estar se perguntando: e como então é possível atingir o sucesso neste cenário? A resposta está na eficiência e na efetividade de como os empreendimentos são pensados, criados e geridos no tempo. Grandes ideias não sobrevivem mais por si só, sem uma boa governança e gestão conduzindo sua implementação. Enquanto isso, ideias não necessariamente revolucionárias, são capazes de prosperar a partir da efetividade e da disciplina na aplicação destas ferramentas.

Sob a justificativa de que não há recursos ou tamanho para que sua organização absorva estes conceitos e práticas, ou ainda, diante até mesmo da ausência de informação quanto a existência destas ferramentas, o pequeno e médio empresário segue, monocraticamente e muitas vezes em solidão, gerindo, direcionando e controlando sua organização com base em seu próprio instinto, e sua própria capacidade e perfil (ou não) para atuar nestas matérias.

A combinação de um ambiente naturalmente hostil, e a falta de cultura e percepção da necessidade de utilização de ferramentas de gestão e governança, acabam provocando uma capacidade competitiva inferior dessas organizações no mercado, a qual, por sua vez, é sustentada pela frágil capacidade de identificação de ameaças e oportunidades, e elevada dificuldade em tomar as decisões certas, nos momentos certos. Por consequência, sua própria existência torna-se ameaçada, abrindo caminho para concorrentes e substitutos mais preparados, ou mesmo mais conscientes da importância dessas ferramentas.

Por melhor que seja a sua ideia, por mais rentável que seja o negócio, por mais competente que seja, por mais que o mercado esteja ávido por receber aquilo que você está disposto a oferecer, o mundo dos negócios de hoje é extremamente dinâmico, rápido e elástico. O melhor mecanismo para elevar a garantia de sustentabilidade de um empreendimento, é investindo na capacidade de “arrumar a casinha e mantê-la arrumada” desde o primeiro “tijolo” a ser colocado.

Por Tiago Martins 

Engenheiro de Produção; Pós Graduado em Gestão Financeira, Economia e Gestão da Sustentabilidade; Certificado em Gestão de Riscos pela Universidade de Toronto/Canadá; Conselheiro Consultivo Certificado pela CELINTBRA; especialista em sistemas de gestão, e na construção de modelos inovadores de certificação e de avaliação de conformidade

 

Por Gestão, Governança e Empreendedorismo em 10/03/2022

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