Deus: Razão ou Mistério? - Por Luciano Martins

Deus: Razão ou Mistério? - Por Luciano Martins

  Desde os primórdios da humanidade, Deus tem sido um enigma que atravessa filosofia, religião, ciência, espiritualidade e cultura. Sua existência é debatida com fervor: para alguns, Ele é o fundamento da realidade; para outros, uma construção da mente humana. A busca por respostas a essa pergunta fundamental não apenas molda a existência individual, mas também define uma trajetória da civilização. Afinal, o que é Deus?

Ao longo da história, a ideia de Deus se revestiu de diversas formas no pensamento filosófico. Platão o identificava com o Bem supremo; Aristóteles, com o Motor Imóvel, a causa primeira de tudo o que existe. Spinoza via Deus como substância única do universo, enquanto Descartes considerava a garantia da realidade objetiva. Nietzsche, por sua vez, declarou sua "morte", sinalizando o declínio das crenças metafísicas tradicionais. Cada reformula esse conceito, refletindo as mudanças da época no pensamento humano. A pergunta, no entanto, persiste: Deus é uma realidade independente ou uma necessidade psicológica criada pela humanidade?

As religiões moldaram civilizações inteiras a partir da concepção de Deus. No monoteísmo judaico-cristão e islâmico, Ele é um ser pessoal, moral e transcendente. Já no hinduísmo e no budismo, manifesta-se como uma pluralidade de divindades ou um princípio impessoal. Em cada tradição, Deus se revela na fé, nas escrituras e nas experiências espirituais, orientando a conduta e a visão do mundo dos povos. Para milhões de pessoas, sua presença é inquestionável e acessível pela devoção. Essa diversidade de manifestações é um testemunho da complexidade da busca humana por compreensão.

A ciência desvendou numerosos mistérios do cosmos sem recorrer diretamente a um Criador. No entanto, isso não significa que tenha eliminado essa possibilidade. O Big Bang sugere um início para o universo, mas o que veio antes? A física quântica levanta hipóteses sobre dimensões além da matéria, enquanto a neurociência demonstra que a espiritualidade é uma experiência real para o cérebro humano. A ordenação estruturada do universo pode refletir o princípio de um organizador. Mas isso indica um design inteligente ou apenas a proteção das leis naturais? A ciência, mesmo sem comprovar a existência de Deus, também não pode negá-la completamente, criando um espaço para o diálogo entre fé e razão.

Fora dos dogmas tradicionais, muitos buscam Deus em experiências pessoais e subjetivas. O panteísmo vê-O em tudo; o deísmo O afastado da criação; e outros simplesmente O percebemos como uma energia cósmica. A espiritualidade contemporânea reflete essa busca mais livre e individual, onde uma vivência pessoal se sobrepõe às doutrinas fundamentais. O anseio pelo sagrado continua presente, apenas manifestando-se de formas mais diversas. Essa multiplicidade de interpretações revela a profundidade da experiência humana e a capacidade de cada indivíduo em encontrar seu próprio caminho espiritual.

A influência de Deus atravessa a arte, a literatura, a música e até a política. Obras como a Capela Sistina, A Divina Comédia e os grandes hinos sagrados tentam traduzir, em formas humanas, o desejo de capturar o transcendente. Movimentos sociais, impérios e revoluções foram impulsionados pela ideia de um propósito divino. Mesmo para aqueles que não acreditam Nele, é inegável que Deus moldou a história da humanidade. Essa interseção entre divino e humano continua a inspirar artistas e pensadores, refletindo a busca por significado e propósito em um mundo muitas vezes caótico.

Mas Deus não está apenas nas escrituras, nas artes, nas teorias ou nos céus distantes. Para muitos, Ele se revela no recôndito da alma. No silêncio interior, onde todas as perguntas cessam e as certezas se desfazem, surge uma presença que não precisa ser provada, apenas sentida. Essa experiência íntima, muitas vezes indescritível, pode ser o verdadeiro encontro com o divino.

E quando todas as respostas falham, quando o pensamento se dissolve e resta apenas o puro Ser, a única voz que ecoa no mais íntimo do espírito é aquela que simplesmente diz: "Eu Sou." Mesmo na dor mais intensa, no abismo da desesperança, Ele permanece — inalterável e presente — além da compreensão, acessível ao coração que ousa buscá-Lo. E ao final, na serenidade de quem atravessou a tempestade, resta o ser que, no silêncio da alma, descobre o etéreo, atemporal. O Próprio Verbo.

Luciano Martins é advogado, assessor parlamentar e vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM) no Mato Grosso do Sul.

Por Ultima Hora em 27/02/2025
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