Elas em Cena

Por Rog

Elas em Cena

Os monólogos estão em alta e as mulheres têm sido presença constante. Elas vêm dominando a cena em espetáculos de estilos diversos. Cada uma delas com atuações distintas e textos reflexivos, necessários e afetuosos.

Sura Berditchevsky atriz com uma vasta trajetória artística, traz à cena um espetáculo lúdico, sensível e repleto de afeto na peça ‘Cartas de Maria Julieta e Carlos Drummond de Andrade’. O universo do poeta em correspondência a sua única filha Maria Julieta é um encantamento e nos chega por este espetáculo de dramaturgia primorosa. O trabalho é resultado da pesquisa de Pedro Drummond, neto do poeta e filho de Maria Julieta e de Sura. São correspondências que se iniciam na infância até a morte de Maria Julieta, que precede a de Drummond.

 Em todas as fases da vida é possível constatar a relação amorosa e presente que mantiveram. Na peça ouve-se a voz de Drummond, o que é um deleite e uma singularidade, e nos mostra um pouco mais desse relacionamento que atravessa a intimidade e as emoções vividas por eles. Atraem-nos a um lugar comovente e às vezes perturbador.

Sura consegue trazer a ternura e as entranhas dessa relação brincando com o lúdico de um jeito certeiro, sem pieguices e sem abrir mão de tocar em assuntos por vezes delicados. Uma declaração de amor de cinco décadas em que a paternidade de Drummond fica latente, revelando-se um pai amoroso de peito aberto e uma filha que cresce o admirando e construindo laços de profundo amor e amizade, traduzidos no caminho literário que também escolheu, embora timidamente.

 A animação gráfica e a trilha sonora ajudam a contar essa história com tantos vieses em que a cumplicidade e o amor são a tônica principal. Berditchevsky capta esses sentimentos de forma impecável e bela em atuação memorável. Um espetáculo repleto de acertos e poesia. Em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal.

Ânima nos apresenta mulheres atemporais. Em um só espetáculo a presença e os pensamentos de mulheres com biografias peculiares estão em cena prontas para nos surpreender. Joana d'Arc, Hipátia de Alexandria, Marguerite Porete, Helena Blavatsky, Harriet Tubman e Simone Weil são as escolhidas para conduzir a narrativa do espetáculo competentemente protagonizado pela atriz Beth Zalcman, experimentada e premiada por sua atuação em monólogos. Muito pouco ou quase nada se sabe sobre essas mulheres revolucionárias, destemidas e ousadas. Deixaram um legado que merece e precisa ser lembrado.  Lucia Helena Galvão filosofa é a dramaturga que tece essas trajetórias de forma não linear e bastante contundente.

Beth interpreta uma tecelã transpondo o universo dessas mulheres com maestria e uma presença cênica notável. Sua atuação abriga domínio absoluto de espaço e tempo, o que influencia diretamente no resultado do espetáculo que transpassa séculos, sobretudo com as mudanças de figurino, outro ponto favorável que ajuda a compor a encenação. A trilha sonora, a iluminação e a direção de Luiz Antônio Rocha completam os acertos. Um texto inteligente de mulheres que merecem ser lembradas nesse feliz encontro com o talento e a exímia performance de Beth que elevam o espetáculo. Em cartaz no Teatro Clara Nunes.

Misturar ficção e contemporaneidade é um dos motes do espetáculo “Em nome da Mãe” estrelado por Suzana Nascimento, que gestou a ideia desde que foi arrebatada pela história do livro homônimo do italiano Erri de Luca.

O que se vê em cena é um misto de passado e presente que apesar de usar o arquétipo religioso, desfeito logo de início, traz à cena realidades, histórias e comportamentos muito comuns às mulheres, especialmente pobres, jovens e soleiras.

A figura poética de Maria de Nazaré é o fio condutor para apresentar a jornada íntima dessa personagem que perpassa a de mulheres comuns da antiguidade esbarrando com frequência em nossos dias.

A partir do anúncio da gravidez de Maria de Nazaré a narrativa segue um traço de idas e voltas no tempo por meio de diversos personagens que completam a história buscando aprofundar o olhar feminino em vários aspectos.

Suzana dá vida a Maria de Nazaré e voz a esses outros personagens que estão à volta da trama em uma atuação convincente e precisa, com doses de emoção na medida certa, permitindo que a história prevaleça.

Suzana tem brilho próprio como atriz e neste espetáculo é possível se constatar de forma mais evidente.

A concepção e dramaturgia são da atriz com direção correta de Miwa Yanagizawa. Cenário, iluminação e figurinos acertam em cheio e embelezam a encenação. Em cartaz no teatro Adolfo Bloch.

Em um tempo de vozes dissonantes há de se ter histórias e atuações que tenham o que dizer. Sura, Beth e Suzana fazem isso com precisão e competência.

*Rogéria Gomes é jornalista cultural, dramaturga, pesquisadora, diretora cênica, roteirista e escritora.

teatroemcenanoradio@gmail.com

 

 

Por Ultima Hora em 15/08/2024
Publicidade

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Notícias Relacionadas

Kelly Jorge Fala Sobre o Lançamento do Camarote do Arpoador e a Magia do Carnaval Carioca
20 de Janeiro de 2025

Kelly Jorge Fala Sobre o Lançamento do Camarote do Arpoador e a Magia do Carnaval Carioca

Peça musical comemora mês da mulher retratando vida e obra de Frida Khalo
18 de Março de 2024

Peça musical comemora mês da mulher retratando vida e obra de Frida Khalo

Escolas de samba do Rio de Janeiro valorizam a cultura em 2024
23 de Julho de 2023

Escolas de samba do Rio de Janeiro valorizam a cultura em 2024

Cidade no Piauí conquista quase 300 medalhas na Olimpíada de Matemática
21 de Outubro de 2024

Cidade no Piauí conquista quase 300 medalhas na Olimpíada de Matemática

Aguarde..