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*Luiz Carlos Azedo
Passada as eleições municipais, a força do governo para realizar sua agenda está diretamente relacionada à expectativa de poder em 2026.
Placas tectônicas são pedaços da crosta terrestre, a litosfera, que flutuam sobre o magma; acima delas, estão os continentes e oceanos; eventualmente, se movimentam e se encaixam como peças de um quebra-cabeça. No jargão da política, essa analogia geológica serve para sinalizar aproximações ou afastamentos entre seus protagonistas, como estão acontecendo na geopolítica política internacional e no ambiente político interno.
Esses movimentos podem ser convergentes, quando se movem uma contra a outra, ou divergente, quando se afastam, ou transformadores, quando se movem vertical ou paralelamente. As consequências são os vulcões, terremotos e tsunamis; ou a formação dos continentes, mares e cadeias de montanhas.
Os resultados obtidos pelos partidos de esquerda nas eleições municipais são como o movimento de placas tectônicas. Terão forte influência no reposicionamento estratégico de Lula, que enfrenta um ambiente externo completamente diverso daquele que havia quando foi eleito e um cenário político interno que o obriga a buscar a consolidação de suas alianças com os partidos de centro que participam de seu governo.
O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à entrada da Venezuela nos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e recém ampliado com Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes) e a recente declaração de apoio à candidata democrata Kamala Harris sinalizam também um reposicionamento na política externa.
O rompimento político com Nicolás Maduro, que se tornou um ditador na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, demonstram o compromisso de Lula com a democracia. Sua declaração sobre as eleições norte-americanas, ao identificar o ex-presidente Donald Trump com um projeto de poder de viés autoritário, reforçam esse entendimento. Entre Trump e Maduro, delimitou o seu campo político externa e internamente.
A posição relativa do Brasil no mundo hoje, diante da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China, e a reestruturação das cadeias globais de valor, que estão adquirindo novas configurações regionais, impõem novos desafios. Há um ambiente internacional conturbado, com acirramento de conflitos, como nos casos das guerras da Ucrânia e de Gaza.
Restabelecida a centralidade da democracia na política externa, o desempenho do governo do ponto de vista da economia e da sua agenda social é o vetor principal tanto da governabilidade como do projeto de reeleição de Lula, se esse for seu desejo. Mas nada virá por gravidade, exceto as dificuldades.
Não houve um tsunami eleitoral em 2024, pelo contrário, a grande maioria dos prefeitos foi reeleita. O que ocorreu foi o fortalecimento dos partidos de centro-direita, cujos deputados se entrincheiraram nos municípios, graças às emendas impositivas e ao fundo eleitoral. Passada as eleições municipais, a força do governo para realizar sua agenda está diretamente relacionada à expectativa de poder de Lula em 2026.
A força do centro
Outro sinal tectônico é a convergência do apoio das bancadas do PT ao deputado Hugo Motta (Republicanos), candidato a presidente da Câmara apoiado pelo atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e pela bancada do PL; e ao senador Davi Alcolumbre (União-AP), candidato a presidente do Senado, apoiado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e, igualmente, pela bancada do PL. Na velha dialética, é a unidade dos contrários.
Para além de composição política na formação da mesa e das comissões do Congresso, esse pragmatismo das bancadas do PT significa também um esforço do governo para manter Pacheco e Lira como âncoras de sua governabilidade. Entretanto, isso não se resolverá com a eleição de Motta e Alcolumbre, senão não houver compartilhamento de poder com os dois caciques políticos.
Como dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, as eleições presidenciais são “fulanizadas” e não obedecem à distribuição de forças partidárias. As eleições municipais, porém, mostraram que a blindagem dos partidos políticos de centro e seus parlamentares deu certo, por meio das emendas impositivas e dos recursos do fundo eleitoral.
Essa máquina eleitoral encouraçada, que favorece a autorreprodução dos mandatos e o enraizamento desses partidos nos municípios, não pode ser desprezada. São forças poderosas na disputa eleitoral de 2022, com grande autonomia em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e resolveu confrontá-las, sobretudo onde há possíveis candidatos à Presidência em 2026.
Bolsonaro chegou com força no segundo turno das eleições municipais, mas a maioria dos seus candidatos perdeu para a centro-direita, como aconteceu com a esquerda. O ex-presidente quer hegemonizar o centro, sem se deslocar da extrema direita. Não é da sua natureza.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, é colunista do Correio Braziliense. A coluna deste domingo (03/11/2024) está publicada também no Estado de Minas.
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