Entrevista II - Hélio Fernandes - Leia na Coluna; Roberto Monteiro Pinho

Entrevista II - Hélio Fernandes - Leia na Coluna; Roberto Monteiro Pinho

Quando Helio Fernandes completou 99 anos, gravei uma série de entrevistas que à pedido do jornalista só seriam liberadas no ano seguinte. Em sua residência no Jardim Botânico – Rio de Janeiro, ele falou de política, lembrou episódios já relatados em sua coluna, sobre a “Ditadura Militar de 64”. Foi um encontro ameno, ao som de cantos de pássaros, no ambiente ao ar livre, com a brisa afável, e o silêncio digno do ícone do jornalismo brasileiro. Ao todo foram seis entrevistas gravadas.  

Conheci bem a personalidade do Helio, não gostava de intimidade, de aproveitadores, e bajuladores. Quando ia a redação, minha sala ficava no início do corredor de acesso, ele acenava, depois sentava com ele e o diretor comercial Coelho, para ouvir suas observações. Sem dúvida um mestre do jornalismo, com uma riqueza de dados, valiosos e que moldei para atuar na profissão. Foram momentos emocionantes, onde a coragem e o destemor deste combativo baluarte do jornalismo, se fez presente 

Tribuna da Imprensa Digital – A Tribuna apoiou o golpe de 64? 

Helio Fernandes – É preciso ser bem esclarecido esse episódio para que não seja explorado da forma incorreta. Em 31 de março de 1964, estava tudo conturbado, os jornalões apoiaram, o Globo foi mais adesista, e o nosso jornal a exemplo de outros apoiou o movimento militar que depôs o presidente Goulart. Entretanto, só que a partir da promulgação do Ato Institucional nº 1, em 9 de abril, a Tribuna da Imprensa começou mais uma vez a fazer oposição ao governo. Mesmo contra a opinião de Carlos Lacerda. 

Tribuna da Imprensa Digital – Em que período iniciaram as ameaças dos militares a Tribuna? 

Helio Fernandes - No mês de julho de 1967, por ocasião da morte de Castelo Branco, a Tribuna publicou um violento editorial sobre o ex-presidente, que provocou indignação nas forças armadas. Alguns militares, sobretudo os mais jovens, estavam dispostos a empastelar o jornal. Eu fui chamado de “miasma”, e a tentativa de empastelamento foi contida pela ação de militares mais moderados. No dia 22 de julho, contudo, fui preso e enviado a Fernando de Noronha, onde permaneci 30 dias. 

Tribuna da Imprensa Digital - Você é testemunha de um país cujos acontecimentos políticos, hoje só se conhece nos livros de História do Brasil. Qual foi o episódio que mais te marcou? 

Hélio Fernandes - Quando a Tribuna da Imprensa deixou de circular no início de dezembro de 2008, mês em que completaria 60 anos. Chegamos ao limite, fiz a capa da última edição, uma despedida com o coração partido, e lembro da frase dita por você “um dia vamos voltar”. Mas não esqueço também que o jornal nunca se importou com a censura, o que o levou a sofrer diversas intervenções durante o regime. Por essa razão a sede do jornal foi alvo de um atentado a bomba, no dia 26 abril de 1981, mas nem isso impediu a publicação do diário no dia seguinte. Dois momentos marcantes.  

Tribuna da Imprensa Digital - A linha editorial traçada por você ficou marcada pela sua coluna e as manchetes impactantes. Isso mudou o que Lacerda escrevia antes de vender em 1962 

Helio Fernandes - Assumi o jornal em 1962, e procurando tirar o peso do" ranço udenista "que pesava sobre suas páginas. A partir de 1964 passamos a criticar a ditadura, algo que muitos dos jornais da grande imprensa demoraram a fazer. Por essa razão paguei o preço da resistência: dez anos de censura prévia, de junho de 1968 a junho de 1978, um atentado a bomba em 1981 e a pressão econômica, e psicológica em cima dos nossos jornalistas e repórteres. Você testemunhou parte disso. 

Tribuna da Imprensa Digital – Um resumo de 64 a 85? 

Helio Fernandes - Foi um período a partir do AI5 com as prisões arbitrárias, perseguição aos opositores, e intimidação com atos de ação culminando com centenas de mortes de civis. A maioria estudantes e sindicalistas. No período todo, bancas de jornais também foram incendiadas em ações simultâneas em várias cidades do país. Os atentados geralmente ocorriam na madrugada, visando os quiosques que vendiam jornais independentes e de oposição ao governo. Ao longo do ano seriam alvos de bombas livrarias, redações de jornais de esquerda, escolas e entidades engajadas na luta pela redemocratização, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Uma nuvem cinza. Foram os “Anos de Chumbo” na sua essência. 

Tribuna da Imprensa Digital - O ano mais agudo da ditadura? 

Helio Fernandes – Diria que foram os atentados de 1980 isolaram ainda mais a ditadura, mas aplicaram um duro golpe na imprensa independente e de oposição. Aterrorizados pelos ataques, que se intensificariam até setembro, os donos de bancas deixaram de vender os alternativos "Em Tempo", "Movimento", "Tribuna da Luta Operária", "Companheiro", "O Pasquim", "Hora do Povo" e outros. 

Tribuna da Imprensa Digital – Qual foi a sua relação com os anistiados? 

Helio Fernandes - Meu contato era com os advogados criminalistas, George Tavares, Modesto da Silveira e Mauricio Azêdo. Não conversava com os mais novos. Mas foi no retorno dos anistiados à atividade política que a Tribuna passou a dar espaço para manifestações, publicando matérias e até mesmo atuando para eleger parlamentares da esquerda. Em 1982 abrimos o jornal para a campanha de Brizola ao governo do Rio. Em 1968, com os ataques do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), e em 1976, com a Aliança Anticomunista Brasileira (AAB), houve uma aproximação discreta. 

Foto: Acervo pessoal.

Por Roberto Monteiro Pinho em 25/03/2021
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