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Uma nova etapa de investigação histórica acaba de ser autorizada em Salvador (BA): trata-se da escavação arqueológica no local onde funcionou, por mais de um século, o antigo Cemitério do Campo da Pólvora do Desterro. Situado hoje sob o estacionamento do Complexo Pupileira, no bairro de Nazaré, o espaço foi identificado por uma pesquisa de doutorado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) como provável área de sepultamento de pessoas escravizadas e outros grupos marginalizados entre os séculos XVIII e XIX.
A autorização para o início das escavações foi concedida na última quarta-feira (27/3) pela Santa Casa de Misericórdia, proprietária do terreno, e o trabalho será conduzido com o acompanhamento técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O cemitério, que esteve em uso até 1844, pode ter abrigado os corpos de africanos escravizados, incluindo líderes da Revolta dos Malês — o maior levante de pessoas escravizadas da história do Brasil, que completou 190 anos em janeiro deste ano. Também há indícios de que o local tenha recebido os restos mortais de envolvidos na Revolta dos Búzios (1798-1799), movimento de forte caráter igualitário e anticolonial, além de participantes da Revolução Pernambucana de 1817.
“Será feita uma prospecção inicial, logo abaixo da superfície do solo, para demarcar a área identificada pelas fontes históricas e confirmar a presença de restos mortais”, explicou o arqueólogo do Iphan, Alex Colpas. Ele destacou que a iniciativa busca recuperar a memória de brasileiros cujas histórias foram apagadas pelo processo de colonização e escravidão.
A descoberta do local foi fruto de uma pesquisa desenvolvida pela doutoranda Silvana Olivieri, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, com o apoio do professor Samuel Vida (Faculdade de Direito da UFBA) e uma equipe de arqueólogos liderada por Jeanne Dias. As informações estão reunidas no dossiê intitulado Cemitério do Campo da Pólvora.
A escavação será realizada de forma cuidadosa, respeitando o caráter sensível do sítio arqueológico. Segundo Olivieri, “caso sejam encontrados remanescentes ósseos humanos, todo o processo será documentado e analisado in loco, sem retirada de material. Ao final de cada prospecção, o solo será recomposto”. O objetivo é preservar a integridade do local para futuras pesquisas.
Para o Iphan, a ação se alinha com a missão institucional de reconhecer e valorizar a memória de grupos historicamente excluídos. “O Instituto tem apoiado iniciativas que promovem a justiça de transição e a igualdade étnico-racial. Esta pesquisa representa um passo fundamental na reparação histórica e no reconhecimento da contribuição de populações marginalizadas à construção da identidade brasileira”, afirmou Colpas.
Silvana Olivieri ressalta que a redescoberta do cemitério é uma oportunidade única de promover justiça histórica. “Este é um lugar de memória traumática, resultado do colonialismo e da escravidão. Nossa intenção é recontar essa história e prestar contas aos que vieram antes, para que as futuras gerações possam viver em uma cidade mais justa e cuidadosa”, concluiu.
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