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Por Chico Alves - ICL
Pela primeira vez, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional vai escolher o presidente que comandará o grupo nos próximos dois anos em uma eleição, já que desta vez não houve consenso.
Na votação, marcada para a tarde de desta terça-feira (25), a principal disputa é entre os deputados Gilberto Nascimento (PSD-SP), considerado favorito por contar com o apoio do pastor Silas Malafaia, e Otoni de Paula (MDB-RJ), escolhido pelo ex-presidente da bancada, Silas Câmara (Republicanos-AM). A deputada Greyce Elias (Avante-MG) também concorre, mas com chances reduzidas.
Esta eleição para a presidência da frente evangélica será feita sem acordo porque Malafaia tenta a todo custo evitar a vitória de Otoni de Paula, considerado por ele próximo demais do presidente Lula desde que orou ao lado do chefe do Executivo, em outubro do ano passado. Otoni foi aliado de Jair Bolsonaro, mas rompeu com o presidente e atraiu a ira da extrema direita pelas críticas que faz ao bolsonarismo.
Nesta entrevista ao ICL Notícias, o deputado fluminense diz que sua candidatura à presidência da Frente Parlamentar Evangélica tem o objetivo de resgatar para o grupo as pautas de cunho social, que hoje são capitaneadas pela esquerda.
Otoni reitera as críticas à hipocrisia dos bolsonaristas, se opõe ao fanatismo que tomou conta dos evangélicos na política e também diz ser contra o fundamentalismo.
Ele explica que continua com as mesmas posições de direita e conservador, mas não quer se fechar ao diálogo e nem demonizar outros campos políticos. “Que nós tenhamos uma frente parlamentar que não seja nem um puxadinho do bolsonarismo e nem subserviente ao atual governo”, defende.
Deputado Otoni de Paula
ICL Notícias: Por quais motivos o sr. está concorrendo à presidência da Frente Parlamentar Evangélica? Que tipo de distorção o sr. detectou na bancada que pretende corrigir?
Otoni de Paula: Eu sou candidato por entender que a gente precisa fazer na Frente Parlamentar Evangélica mais do que está sendo feito nesse momento. Eu acho que nós estamos muito presos única e exclusivamente às pautas morais, quando nós podemos ser protagonistas naquela Casa também das pautas sociais, que são as pautas cristãs. É a comida na mesa do pobre, é o teto pra ele se abrigar, para ele morar… Pautas essas que hoje são capitaneadas pela esquerda, de uma maneira geral.
Eu entendo que está na hora de a Frente Parlamentar Evangélica contribuir com essas pautas também, sem abrir mão dos seus princípios, dos seus valores. Mas avançando nesta visão da política social.
Sua candidatura para presidir a frente evangélica, em um embate tão difícil, é pra valer? O sr. acha que tem mesmo chance de ganhar?
Eu não gosto de perder. Sou um mau perdedor, porque fico com ódio de mim quando perco. Como eu me amo, jamais entro em uma guerra em que eu não tenha chance de ganhar. É aquilo: voto é voto. Mas acho que as chances são grandes. Eu defendo uma frente parlamentar que abra um diálogo político sem abrir mão das suas convicções e dos seus princípios. Que nós tenhamos uma frente parlamentar que não seja nem um puxadinho do bolsonarismo e nem subserviente ao atual governo.
O sr. disse em entrevistas que é um ex-bolsonarista. O que o fez deixar de apoiar Jair Bolsonaro? Isso não é problema em uma bancada com tantos bolsonaristas, como a evangélica?
Eu não deixei de ser um político de direita, conservador. E não me furtaria de dar o meu voto a Bolsonaro se ele fosse a única opção da direita. Mas eu me declarei um ex-bolsonarista porque no bolsonarismo não é permitido pensar diferente de Bolsonaro, não é permitido discutir novos caminhos, novas ideias. A discordância não é tolerada dentro da bolha bolsonarista.
Eu sou alguém que sempre tive os meus posicionamentos e sempre fui um amigo crítico. Por isso, já não é de hoje, eu era visto como um traidor dentro dessa bolha bolsonarista. Então, eu resolvi dizer que eu não sou bolsonarista mais.
Agora, não ser bolsonarista não significa abrir mão dos meus pensamentos e nem dos meus valores. E nem do meu espectro político, certo? Eu continuo sendo político conservador de direita, mas com a capacidade de dialogar, de ouvir, que é um outro aspecto que não cabe no bolsonarismo, que criminaliza qualquer diálogo.
Quer dizer, criminaliza o diálogo a céu aberto, porque nos bastidores esse diálogo acontece. Mas quando se abre a porta você finge que é todo mundo inimigo, que é todo mundo adversário e eu não nasci para essa hipocrisia política.
Otoni, quando era ainda aliado de Jair Bolsonaro
Foi nesse momento de ruptura que o sr. chegou a dizer que Bolsonaro é o “bezerro de ouro”? O que o sr. quis dizer com isso?
Em momento nenhum eu chamei Bolsonaro de bezerro de ouro. O que eu disse foi o seguinte: na verdade nós, a igreja, nós, os líderes evangélicos, nós criamos uma espécie de bezerro de ouro. Claro, me referindo a Bolsonaro. Sem, contudo, dizer que ele é um bezerro de ouro. Apenas dizendo que nós cometemos esse erro.
E o que que é o bezerro de ouro? É aquela história de Israel, quando Moisés fica quarenta dias no monte, o povo achou que ele já estava morto e então criaram um bezerro de ouro para ser adorado no lugar do Deus de Israel.
O que aconteceu é que o advento do bolsonarismo acabou criando um cisma dentro da igreja, uma divisão dentro da igreja que parecia realmente esse bezerro de ouro.
Ou seja, em todos os anos nós sempre tivemos irmãos nossos que votaram no Lula, que votaram na Dilma, que votaram no PT. Ou seja, nós sempre tivemos essa consciência democrática, essa liberdade democrática. Com o advento do bolsonarismo, nós passamos a demonizar. Ou seja: quem não era Bolsonaro era do demônio, era do diabo, tinha que sair da igreja, tinha que sair do nosso meio.
Sobre esse tipo de demonização é que eu fiz a denúncia. Isso é fruto do bezerro de ouro que nós criamos, que nós levantamos.
Por exemplo, um outro ponto que mostra isso. Me lembro que eu estava com o presidente Bolsonaro no avião presidencial e nós estávamos indo para uma grande igreja do Pará, a Assembleia de Deus, lá do Pará. Eu disse ao presidente Bolsonaro que quando ele entrasse no templo e as pessoas começassem a gritar “Mito!”, ele tinha que repreender , para ele não aceitar aquilo. Porque aquilo era um lugar de adoração a Deus. Não adiantou. Quando ele chegou todo mundo gritou “Mito!”. Essas coisas nunca aconteceram dentro da igreja.
Então, é por isso que eu fiz essa denúncia. Eu não estou numa campanha para tirar Bolsonaro do púlpito e colocar Lula não, tá? Eu estou querendo tirar Bolsonaro do púlpito para deixar Jesus.
Quais os efeitos da mistura que se verificou nos últimos anos de bolsonarismo com a religião evangélica?
Esse fenômeno do bolsonarismo é fruto de uma carência que havia dentro da igreja. Carência de representatividade política a nível nacional. Bolsonaro, então, passou a ser esse representante
A política sempre esteve na igreja, nós sempre convivemos com a política partidária. A diferença agora é um toque de fanatismo que nós passamos a ter. O que diferenciou o advento do bolsonarismo foi a divinização de um lado da política e a satanização do outro lado da política. Isso foi danoso. Mas o bom debate político sempre houve na igreja.
Ao orar por Lula, Otoni (de óculos, à direita) passou a ser criticado por bolsonaristas (Divulgação/Presidência da República)
Quando os grupos que defendiam golpe de Estado ainda estavam acampados à frente dos quartéis, o sr. deu uma entrevista pedindo para que saíssem, disse que não haveria golpe e que eles seriam presos. O que o levou a ir contra a maré naquela ocasião?
Quando Bolsonaro perde as eleições, eu peço para ir vê-lo, ele já estava muito mal psicologicamente, estava com aquela erizipela na perna, devido a essa baixa imunidade pelo estado emocional dele.
E aí eu disse: “Presidente, agora que nós perdemos a eleição a gente tem que se organizar como oposição e o senhor precisa pedir a essas pessoas para que elas saiam da porta dos quartéis. Porque elas estão iludidas, achando que pode acontecer alguma coisa, presidente. E se o senhor não fizer isso, o senhor vai sair pequeno dessa história.” E ele não esboçou reação nenhuma naquele momento.
Eu vi que ele não ia fazer isso. E no mesmo dia, coincidentemente, eu tinha uma entrevista. Ali eu acabei fazendo esse apelo, porque eu sabia que além de não acontecer nada e de toda aquela ilusão que foi montada, havia também um risco de prisão, porque o sistema Judiciário já estava se impondo diante dessa situação toda. Parece que eu antevi as coisas como numa profecia, mas simplesmente eu sabia que ia dar ruim.
E eu tentei alertar, tentei falar, mas fui chamado de traidor naquele momento. Me lembro que quando o presidente Bolsonaro resolveu viajar para a América, ele ia viajar sem dar nenhuma satisfação a esses seus eleitores. Eu me lembro que estava tentando falar com ele, não conseguia falar ao telefone com ele e aí eu dei uma entrevista, se não me engano ao Paulo Capelli. Eu disse: “a viagem do presidente Bolsonaro sem dar uma uma satisfação ao seu eleitorado beira a covardia”. Eles ficaram muito chateados por essa minha declaração.
Mas é que eu sabia que, além de não falar com esses eleitores que estavam esperançosos na porta de desses quartéis, o fato dele viajar isso ficaria muito feio, isso ficaria muito ruim.
Alguns parlamentares evangélicos têm colocado os preceitos da Bíblia acima da Constituição. O que o sr. acha disso?
Eu acho difícil algum preceito da Bíblia, um preceito cristão, ferir o nosso preceito constitucional. Eu entendo que os meus princípios, que são baseados em princípios cristãos e na palavra de Deus, sempre estarão acima da lei. Ou seja, no caso de uma lei ferir algum princípio de fé e de convicção pessoal que eu tenho, eu manterei os meus princípios de convicção de fé. Isso está escrito na própria Constituição.
O que não pode acontecer é uma imposição da minha fé aos outros. Ou seja, o que não pode acontecer é que aquilo que eu creio, aquilo que eu acredito, eu queira que todo mundo creia e que todo mundo acredite. Aí não pode acontecer.
Mas esse fenômeno fundamentalista você não vê apenas no lado religioso. Você vê esse fenômeno também no lado que se diz minoria. Quando os da minoria querem prevalecer sobre os interesses da maioria. Então esse choque de interesses que expressa o egoísmo humano você vai ver em qualquer lugar. Tanto do lado religioso, quanto do lado não-religioso. Cabe ao parlamento, que é uma manifestação da amplitude do pensamento social do povo brasileiro, o controle esses ímpetos. Seja do fundamentalíssimo social, seja do fundamentalismo religioso, para que nós tenhamos essa sociedade que a Constituição assegura, que é um Estado laico e que é um Estado onde a liberdade religiosa está garantida. Inclusive a liberdade de não ter religião nenhuma.
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