Fernanda Torres, 'Ainda estou aqui' e resistência cultural

Fernanda Torres, 'Ainda estou aqui' e resistência cultural

Queridos leitores e leitoras, decidi antecipar meu artigo pela importância da premiação da grande Fernanda Torres. Isso me faz correr o risco de adentrar numa área que não é exatamente a minha, mas, inspirado por Rudá Lemos, meu crítico de cinema de plantão, faço aqui uma digressão sobre o filme Ainda Estou Aqui e a brilhante interpretação de Fernanda Torres, que a levou a ganhar o prêmio de Melhor Atriz em Filme Dramático. Claro, sem deixar de lado um toque de política.

 

Fernanda Torres: Um Brilho Brasileiro no Céu de Hollywood

A vitória de Fernanda Torres como Melhor Atriz em Filme Dramático por “Ainda Estou Aqui” é mais do que um reconhecimento individual de talento: representa um marco histórico na luta pela democracia. A interpretação visceral e comovente de Fernanda dá à obra de Marcelo Rubens Paiva, que aborda os horrores da ditadura militar do Brasil, negados por setores ultra direitistas um tom visceral e comovente.

Interpretando Eunice Paiva — mãe de Marcelo e esposa de Rubens Paiva, deputado federal “desaparecido” pelos militares — Fernanda oferece um testemunho potente à resiliência e à força daqueles que enfrentaram a opressão. Sua atuação nos incita a refletir sobre o efeito da ditadura nas famílias e sobre a necessidade de preservar a memória daqueles que foram mortos ou perderam sua liberdade na luta pela democracia.

A decisão de premiar “Ainda Estou Aqui” reflete não apenas o reconhecimento do talento de Fernanda Torres, mas a importância de seu tema. Em um momento em que o mundo está vivenciando o surgimento de movimentos autoritários e o declínio das democracias, a história de Eunice Paiva serve como um lembrete pungente do valor da liberdade e da importância de defender nossas instituições democráticas.

A Arte Como Trincheira Contra o Obscurantismo

Ao premiar Fernanda Torres, estamos reconhecendo que a arte é capaz de mudar vidas, estimular reflexão e nos desafiar a lutar por um mundo mais justo. Sua performance torna-se um farol de resistência e esperança, nos lembrando que a cultura é uma das melhores armas que temos contra o obscurantismo e o autoritarismo.

Emblematicamente, completa hoje, um ano da tentativa insana de golpe promovida por fanáticos bolsonaristas, que invadiram o Congresso e o STF, depredando obras de arte na ilusão de que tais atos poderiam abalar as estruturas do sistema democrático.

A história recente do Brasil evidencia o quanto perigoso pode ser o negacionismo e a desinformação, especialmente quando fomentados por líderes políticos. Os eventos de 8 de janeiro de 2023, somados aos ataques sistêmicos à cultura durante o governo Bolsonaro, integram um mesmo enredo: o uso da ignorância e do desprezo pela arte como instrumentos para fragilizar a democracia.

A destruição de políticas culturais e o desdém aos artistas não foram meras omissões, mas sim ações deliberadas para silenciar vozes dissidentes e enfraquecer o tecido social. Em oposição a isso, obras como Ainda Estou Aqui , que resgatam a memória da ditadura militar, desempenham um papel vital. Obras como esta, preservam a memória e reafirmaram os ideais democráticos, sobretudo em tempos de crise.

Conclusão

O prêmio a Fernanda Torres não é apenas uma homenagem a uma atriz extraordinária, mas também um marco na luta contra forças que buscam apagar o passado e sufocar a liberdade de expressão. Se “Ainda Estou Aqui” conta as histórias das vítimas da ditadura militar, Torres nos lembra que a resistência importa.

Daí a ligação entre o filme e o reconhecimento de Fernanda, é gratificante saber que o filme torna-se um veículo importante para preservar a memória histórica do Brasil. Através da arte — seja cinema, literatura ou teatro — não apenas arquivamos memórias: criamos um legado de luta e resiliência, um ato político, em um momento em que o bolsonarismo tentava relativizar os crimes de tortura e disseminar uma visão revisionista da ditadura, negando a tortura e até a glorificando; celebrar obras que expõem essas feridas no corpo é um ato político.

A brilhante conquista de Fernanda Torres, juntamente com a narrativa de Marcelo Rubens Paiva, confirma que a arte cheia de significado é essencial para o fortalecimento da democracia. Honrar as histórias dos oprimidos e entender como os artistas têm defendido nossa liberdade são passos fundamentais rumo a um futuro justo e equitativo.

Em poucas palavras: o prêmio de Fernanda Torres foi um momento histórico para o cinema brasileiro e um marco na luta pela democracia. Sua atuação nos lembra de continuar trabalhando por um futuro mais livre, mais justo e mais humanitário para todos.

Filinto Branco - colunista político.

Por Ultima Hora em 08/01/2025
Publicidade
Aguarde..