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Hoje eu gostaria de falar sobre a história de um jornal que teve importante papel nas lutas sociais e políticas das primeiras décadas do século XX: A Lanterna, periódico de cunho anarquista e anticlerical que se destacou pela defesa da luta dos trabalhadores e da laicidade no país. Trata-se de um dos temas que analisei no meu livro O ateísmo no Brasil.
O primeiro número de A Lanterna saiu em 7 de março de 1901, na capital paulista, pelos esforços do anarquista Benjamim Mota (1870-1940) e de um grupo de maçons da Loja Luso-Brasileira, atuando como tribuna aberta a variadas correntes de pensamento que não estavam necessariamente alinhadas com à tendência anarquista, mas que se identificavam com a crítica anticlerical do jornal, qual seja, denúncia e luta contra a interferência da religião na vida política e social, particularmente a Igreja Católica, que se ressentia do fato de não ser mais religião oficial do país com o advento da República em 1889.
A Lanterna foi publicada inicialmente com periodicidade quinzenal, distribuída de forma gratuita, custeada por subscrições voluntárias e com a expressiva tiragem de 10 mil exemplares, e chegou, ao final do seu primeiro ano de existência, a uma tiragem de 26 exemplares.
Contudo, após a saída do número 8, em 24 de junho de 1901, a publicação do jornal cessou por meses, devido às dificuldades de custeio na impressão do jornal.
Os custos de edição e impressão eram pagos por seu diretor-chefe, Benjamim Mota, e pelas escassas subscrições voluntárias. Essas interrupções marcariam a vida do jornal ao longo de suas três fases. Essa situação contribuiu para que o jornal deixasse de circular no ano de 1904.
A partir de 1909 A Lanterna teve sua publicação retomada. Contudo, desta vez a direção ficou a cargo do jovem jornalista anarquista Edgard Leuenroth (1881-1968), com Benjamim Mota atuando como colaborador. A sede do jornal era localizada na capital paulista, Largo da Sé, número 5, onde também funcionava a Federação Operária de São Paulo (FOSP).
O jornal passou a circular não mais de forma gratuita, com seu exemplar sendo vendido, além de ser oferecida a alternativa de assinaturas.
O periódico oferecia livros e folhetos aos que pagassem a sua assinatura diretamente à administração, o que pouparia despesas com cobrança ou remessa. Essas eram algumas das estratégias utilizadas para ter suporte financeiro.
Já no quesito conteúdo e interação com os leitores, A Lanterna era composta por artigos escritos por seu redator e pelos que eram enviados via correio ou telégrafo por colaboradores de várias localidades do país e, inclusive, do estrangeiro.
A Lanterna ressurgiu em uma conjuntura onde o movimento anticlerical ganhava força no país. Antes, em 1904, já havia sido criado o Grupo Livre Pensador, filiado à Federação Internacional do Livre-Pensamento de Bruxelas.
O livre-pensamento era definido por tais grupos como uma forma de conhecer as verdades do mundo através da inteligência, guiada pela razão e pela ciência. Em 1911 surgiram a Liga Anticlerical de São Paulo e a Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, que contavam entre seus correligionários com expressivo número de anarquistas.
E iniciativas similares ocorreram em outras partes do país: Liga Anticlerical da Bahia, criada em Salvador em 1908 com a colaboração da maçonaria local; Liga Mato-Grossense de Livres-Pensadores, fundada na cidade de Cuiabá em 1909; Associação Feminil Livre Pensadora, criada em Curitiba em 1909 e composta apenas por mulheres; Liga do Livre Pensamento, fundada no Maranhão em 1911.
Entretanto, na segunda metade da década de 1910 o anticlericalismo começou a perder força coletiva no Brasil. Entre as causas para esse enfraquecimento podem ser apontados três:
1) a canalização dos esforços para resolver o agravamento da questão social, devido ao arrocho econômico em decorrência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a intensificação das greves operárias;
2) o foco na revolução na Rússia em 1917;
3) a repressão policial, uma resposta às greves e mobilizações operárias, que também atingiu a imprensa produzida pelos anarquistas. A Lanterna deixou de circular no ano de 1916.
Apesar disso,
A Lanterna ressurgiu na primeira metade dos anos 1930. Nesse contexto, em termos internacionais, a assinatura do Tratado de Latrão (1929) entre a Igreja Católica e o regime fascista italiano reforçou nos círculos libertários e anticlericais a imagem da Igreja Católica como instituição conservadora e cúmplice dos poderosos.
No Brasil, a ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República em 1930 foi acompanhada de uma reaproximação do Estado com a Igreja Católica. Em 30 de abril de 1931, Vargas assinou o decreto n. 19.941, que reintroduziu, em caráter facultativo, o ensino religioso nas escolas públicas do país.
E, ao lado de 45 bispos, Getúlio Vargas esteve presente na inauguração da estátua do Cristo Redentor, no alto do Corcovado, em 1931.
Em face das novas circunstâncias a Liga Anticlerical do Rio de Janeiro foi reativada já em 1929, sob impulso do militante anarquista José Oiticica (1882-1956) e com a presença de Maria Lacerda de Moura (1887-1945), educadora, escritora e feminista libertária. A partir de 1932 surgiram ao redor do país diversas ligas anticlericais.
A Lanterna reapareceu em 13 de julho de 1933, sob a direção de Edgard Leuenroth. O periódico, que em fases anteriores aglutinou diversos grupos – entre eles, maçons, espíritas, livres-pensadores e anarquistas –, contou na terceira fase com o apoio de comunistas, em prol da luta contra os inimigos em comum: o clericalismo e o fascismo.
Nessa fase A Lanterna estampava dísticos na capa como “Os vampiros da Igreja querem tudo pra si” e “Se o Brasil não acabar com a influência do padre, o padre acabará com o Brasil”.
Mas, apesar da mobilização, o cenário político nos anos 1930 era mais favorável à Igreja Católica. Por meio da pressão da bancada católica, a Constituição de 1934 acabou estabelecendo mudanças nas relações entre Igreja e Estado, explícitas na inclusão de um capítulo relacionado à família, que tratava, entre outras coisas, do casamento religioso e indissolúvel, da aplicação da religião católica no ensino, da inclusão da proteção divina no preâmbulo da Constituição e da aprovação de uma fórmula que permitia a colaboração entre o Estado e a Igreja.
A situação para o ativismo anticlericalista se agravou quando, em 4 de abril de 1935, Getúlio Vargas promulgou a Lei de Segurança Nacional, que definia os crimes contra a ordem política e social. Essa lei tinha nos comunistas brasileiros um dos seus alvos preferenciais, mas foi usada para reprimir ações anticlericais. Em 2 de novembro de 1935 foi publicado o último número da terceira fase de A Lanterna.
No mesmo ano Edgard Leuenroth foi preso e indiciado em dois processos: como diretor de A Lanterna – por crime contra a moral e os bons costumes – e como trabalhador sindicalista e subversivo. Só foi libertado da prisão em 1938
Referências:
RUDY, Antonio Cleber. O anticlericalismo sob o manto da República: tensões sociais e cultura libertária no Brasil (1901-1935). 310 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas: [s.n], 2017.
SILVA, Ricardo Oliveira da. O ateísmo no Brasil: os sentidos da descrença nos séculos XX e XXI. Jundiaí, SP: Paco, 2020.
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