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Dom Pedro usou basicamente o mesmo texto da assembleia constituinte de 1823, mas criou um quarto poder.
Quatro meses após dissolver a assembleia constituinte que preparava a primeira carta magna do país, o imperador Dom Pedro 1° apresentou, ele mesmo, um documento para funcionar como constituição. Não à toa, a Constituição de 1824 acabou conhecida como "outorgada".
Em linhas gerais, a carta imposta pelo monarca era muito semelhante ao projeto preparado pela assembleia. Com uma substancial diferença: o próprio poder de Dom Pedro.
"A assembleia constituinte era limitadora dos poderes de Dom Pedro, basicamente porque, pela lógica dos três poderes, ele se tornava responsável, ou seja, passível de punição e controle", explica o historiador Marcelo Cheche Galves, professor na Universidade Estadual do Maranhão.
A solução encontrada por Dom Pedro foi criativa. "Ele usou basicamente o mesmo texto do projeto de 1823 com a criação de um quarto poder, o poder moderador [exercido por ele mesmo], o que tornava o imperador irresponsável, ou seja, não passível de responsabilização de seus atos e acima dos demais poderes", acrescenta Galves.
Mesmo com essa adaptação autoritária, o imperador julgava que era essencial governar dentro de um modelo constitucional, seguindo uma tendência de sua época. "A roupagem constitucional era importante naquele momento", diz Galves. "Havia forte apelo constitucional nos dois lados do Atlântico."
Capa da Constituição de 1824Foto: Arquivo Nacional
Nesse sentido, na posição de "monarca constitucional", Dom Pedro ganhava certa proteção diante de pressões internas, além de automaticamente se tornar candidato a uma alternativa constitucional em Portugal.
"O objetivo de Dom Pedro foi, de um lado, assegurar uma ordem jurídica e política que preservasse o protagonismo pessoal e simbólico do monarca e, de outro, alimentar esse protagonismo pela entrada em vigor dos dispositivos constitucionais, acionando a tomada de decisões, a barganha de apoios e de favores, o fortalecimento da monarquia constitucional como instrumento e vitrine da presença do Império do Brasil no cenário continental e internacional", analisa o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista.
Ele ressalta que o significado estratégico foi "acenar com a possibilidade de conciliar passado e futuro, tendo em vista a reunificação do Império português pela legitimidade dinástica da Casa de Bragança, pela qual ele não poderia renunciar aos fundamentos do Absolutismo e da Realeza, e pela representatividade social e territorial de interesses, diferentes e conflitantes de seus componentes, como, por exemplo, a definição de esferas de autonomia regional e a escravidão, pela qual pretendia obter a estabilidade e a viabilidade da unidade política do Império".
Autor de, entre outros livros, Dom Pedro – A História Não Contada, o pesquisador e biógrafo Paulo Rezzutti salienta que, o imperador julgava nunca ter deixado de ser liberal. "Naquela época, perante 99,9% dos monarcas europeus, principalmente os líderes da Santa Aliança, que eram anticonstitucionais e antiliberais, Dom Pedro 1° era um louco ao dar ele próprio ao povo uma constituição", comenta.
Além disso, ao se posicionar como monarquia constitucional, o Brasil facilitava o seu reconhecimento mundial como nação independente.
Pesquisador na Universidade Estadual Paulista, o historiador Victor Missiato frisa que a carta também teve o viés de "centralizar o poder de Dom Pedro em um ambiente muito fragmentado pós-independência". De certa forma, era uma maneira de garantir a unidade nacional, considerando o amplo território brasileiro.
Pontos principais
A Constituição de 1824 funcionou para balizar o funcionamento da recém-criada nação independente brasileira. Delimitou a unidade territorial, criou uma divisão clara entre os poderes, garantiu direitos individuais, civis e políticos.
Além disso, "colocou como responsabilidade do Estado brasileiro a educação", pontua Rezzutti. "Definiu o catolicismo como religião oficial, mas garantiu o direito de culto de outras religiões", acrescenta ele.
As principais críticas foram que a carta manteve o voto censitário, ou seja, o voto ligado ao poder aquisitivo do eleitor e dos candidatos, e o regime escravocrata. Galves alerta, contudo, para o risco de anacronismos ao fazer questionamentos contemporâneos sobre esses problemas. "É importante não cobrarmos liberdades que não eram majoritárias naquele tempo", afirma.
Mas ele concorda que a constituição tinha "características de estratificação da cidadania", já que o voto censitário acabava produzindo "camadas de cidadãos com direitos diferentes".
Legado
Martinez afirma que em termos jurídicos e políticos, quase nada ficou até hoje dessa primeira constituição. "Em termos de utopia e de ideologia, herdamos a genérica filiação ao ordenamento constitucional e o seu apelo na regulação das relações sociais no interior da nação e desta com a comunidade internacional envolvente", cita ele, referindo-se a questões como divisão de poderes, representação, direitos individuais e soberania dos Estados nacionais.
"O registro histórico e a memória social evocada ou dissimulada são de um imaginário político de personalismo, centralização, autoritarismo e de violência sistemática, estatal e privada, no exercício e na manutenção do poder, do controle das instâncias governamentais, da terra, da cultura e da impunidade de inúmeras ações espoliadoras praticadas por segmentos expressivos das elites econômicas e de seus representantes políticos", acrescenta ainda.
Fonte DW - EdisonVeiga
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