Iphan: 'ações emergenciais' para salvar igreja histórica administrada por família investigada pelo MP

A histórica igreja da Rua do Rosário, esquina com Avenida Rio Branco, se tornou mais um ícone do abandono, desde que uma única família tomou o controle de uma irmandade católica / Foto: Wikipedia

Iphan: 'ações emergenciais' para salvar igreja histórica administrada por família investigada pelo MP

Por Patricia Lima do Diário do Rio

De 1721, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte é administrada há 25 anos pela mesma família e sua igreja está fechada há quase 10 anos, apesar de ter renda de aluguéis milionária. Denúncia mostra situação calamitosa

Vicariato da Arquidiocese do Rio de Janeiro responsável pela fiscalização das irmandades, confrarias, ordens terceiras e outras associações de leigos, denunciou junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o péssimo estado de conservação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, administrada há mais de 20 anos pela Família Rachid, que tomou o controle da irmandade proprietária do templo há décadas e mantém o templo fechado há quase 10 anos.

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Na denúncia que foi tema da capa da versão impressa do jornal O Globo de hoje, a instituição anexou um laudo da empresa Imunegold, o qual apontou que a histórica edificação possui um elevado nível de degradação por infestação de cupins. O templo, que fica na Rua do Rosário bem na esquina da Avenida Rio Branco, no coração do Centro Histórico carioca, também é depreciado pela negligência e abandono e havia se tornado um verdadeiro depósito de lixo e materiais de construção. Tudo foi constatado numa intervenção realizada pela Mitra Arquiepiscopal no início do mês de março.

São três séculos de existência, mas a população está impossibilitada de usufruir deste patrimônio histórico há quase 10 anos, tempo em que a Igreja tricentenária está fechada. A situação de desmandos dentro da irmandade é investigada pelo MP, que analisa a gestão de Brígida Rachid, que sucedeu seu pai na associação pública de fiéis nos anos 2000. Brígida, que já foi processada pelo exercício ilegal da profissão de dentista e por gestão temerária em condomínios da qual foi síndica, é corretora de imóveis e corretora de seguros, além de organista. Segundo fontes do DIÁRIO, sua evolução patrimonial desde que tomou posse da instituição que possui prédios, lojas, andares comerciais e apartamentos seria surpreendente.

Segundo o jornal O Globo, o ofício remetido ao Iphan destaca o caráter de urgência de uma intervenção, pois “todo o interior do templo, que está comprometido por falta de manutenção e cuidados encontra-se infestado de cupins, traças e mofo (…) também põe em risco em risco a integridade de peças de valor inestimável”, que fazem do tombamento, sendo, portanto, também protegidas.

Ainda segundo O Globo, o ofício cita que a Igreja possui itens sacros, como vestimentas, peças litúrgicas, obras de arte e tecidos ornamentais, dos séculos XVII, XVIII e XIX, em estado ruinoso. São pilhas e pilhas de paramentos bicentenários jogados como lixo em armários cheios de mofo e poeira. Brígida, por sua vez, diz que a Arquidiocese, dona do maior Museu Sacro da Cidade, ao intervir para salvaguardar o imóvel teria “roubado peças de arte”. Durante a visita do Iphan, expulsou jornalistas aos berros, enquanto chamava os padres de “bonecas”.

Nesta terça-feira (8), após a denúncia publicada pelo jornalista Ancelmo Gois (O Globo), representantes do Iphan e da Polícia Federal realizaram vistoria na edificação e ouviram a provedora, que não quis dar entrevista ao jornal e mais tarde novamente se recusou a falar. Brígida é proprietária de diversos apartamentos no Leblon, que anteriormente pertenciam a uma das irmandades por seu pai geridas. Em áudios a que o DIÁRIO teve acesso, ordena a inquilinos o pagamentos de aluguéis “em espécie”. Mesmo com o grande influxo de valores mensais provenientes de aluguéis na irmandade, apartamentos foram vendidos por 250 mil reais na rua Carlos Góis, segundo O Globo.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte começou a ser construída no século XVIII e possui no altar-mor uma talha rococó do Mestre Valentim, que assina ainda a porta da edificação. O templo tem ainda lampadários de prata e telas dos evangelistas, de autores desconhecidos, além de quadros do famoso pintor Leandro Joaquim. Segundo a denúncia, a capela era intransitável e vinha recebendo obras que eram feitas sem apuro técnico. Os Rachid estavam substituindo o ouro das pinturas por tinta Acrilex, e negligenciando a grave situação estrutural do Coro, que não havia sido visitado pelo Iphan na visita feita pelo órgão em 2024.

Na entrada principal, o tapa vento de madeira trabalhada de quase quatro metros de altura perdeu boa parte dos seus vitrais coloridos, que foram se esfacelando por falta de conservação. Estufado, precisou de emergencial ação da Arquidiocese. Os vidros que restaram foram desmontados por um restaurador credenciado que trabalha junto ao Iphan, para restauro. Bancos históricos furados, e empilhados como barricadas.

Imagens religiosas, livros e documentos antigos da igreja, rouparia antiga dos irmãos da Boa Morte e vestimentas históricas, também foram mencionados no laudo por conta do avançado estado de deterioração e destruição da memória de uma das mais antigas instituições de pardos da história do país. A irmandade foi criada por cidadãos pardos no século XVII como uma forma de integração social desta camada da sociedade através da religião. O DIÁRIO apurou com vizinhos que os Rachid contam pela região que “fundaram” a instituição e que o comando dela teria sido “herança” do falecido pai de Brígida, Alexandre. Ele era um conhecido organista que dava concertos na Igreja, e enquanto viveu, o templo abria com mais frequência e recebia seus concertos.

Segundo o laudo, por risco de desabamento, o coro teve que ser escorado emergencialmente. O Vicariato verificou que parte das tábuas estavam soltas, empoeiradas e com resquícios de cupim, além do desnível ao sustentar um pesado órgão de tubos. O DIÁRIO descobriu, adicionalmente, que o coro já havia cedido 14 centímetros. Sem ter tido seu segundo andar visitado pelo Iphan na última vistoria do órgão, isso não foi constatado à época. A Arquidiocese salvaguardou e isolou as instalações retirando peso de cima do local – que é uma espécie de mezanino em balanço bem em cima da entrada do templo, ocasionando graves riscos a quem entra – e comunicou o fato à Superindentente do órgão, Patrícia Wanzeller, cuja atuação em prol do patrimônio do Rio tem sido respeitada, segundo especialistas.

De acordo com o Globo, o Iphan explicou que a presença da PF na vistoria desta semana foi necessária para verificar também “possíveis extravios de peças sacras”.

No planejamento do Iphan para o patrimônio histórico fluminense, os bens que exigem ações emergenciais são as Igrejas da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, na Primeiro de Março e a Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens, na rua da Alfândega, no Centro; e as Igrejas de São João Batista, em Itaboraí; e de Nossa Senhora dos Remédios, em Paraty.

Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) cita nove templos que exigem atuações urgentes.

Por Ultima Hora em 10/04/2025

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