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Uma das coisas mais comuns é eu ouvir dos meus alunos da disciplina Química Fisiológica, ministrada na UFRRJ, que no jejum usamos as gorduras para manter a glicemia. Mas essa ideia está bastante equivocada. As gorduras que armazenamos são formadas pelo álcool glicerol e tres ácidos graxos, formando os triglicerídeos que ficam guardados nos adipócitos, células do tecido adiposo. Esses ácidos graxos possuem numero par de carbonos e não podem, através de nenhuma via bioquímica, ser convertidos em glicose. Então , no jejum, para o corpo produzir glicose, usa as reservas de aminoácidos guardadas nos músculos. Então, a proteólise de proteínas musculares serve para fornecer aminoácidos ao fígado para que ele produza glicose para os tecidos, principalmente o sistema nervoso e hemácias.
Conforme o homem evoluiu para um comportamento colaborativo na obtenção dos alimentos e a vida moderna trouxe facilidades, vemos a população mundial aumentar o IMC e a obesidade se tornou uma doença da atualidade, onde a diabetes tipo 2 chega com força total até mesmo entre os mais jovens. Antes mesmo da famosa “resistência à insulina” chegar, já existe uma resistência à insulina cerebral, o que já é o início da síndrome metabólica que leva à esteatose hepática, uma condição onde o fígado fica gorduroso e passa a ter dificuldades metabólicas.
Como é uma doença comum, também vão surgindo dietas para combater esse mal e cada verão que passa é uma dieta nova e cada uma tem a sua glória e sua derrota algum tempo depois. Atualmente não ouvimos mais sobre como comer de acordo com o grupo sanguíneo, cortar alimentos ácidos ou comer apenas um tipo de alimento por dia. Mas, o jejum intermitente chegou pra ficar, ganhou seguidores fiéis com ofertas tentadoras de promessas para aumentar a cognição, retardar o envelhecimento e até mesmo prevenir o câncer! Essa popularidade duradoura do jejum intermitente é aquecida com o apoio de celebridades, jornais e livros sobre o tema, inclusive de autores pesquisadores do tema. Na última década já foram publicados mais de 100 ensaios clínicos na área e sugerem que o jejum intermitente é uma estratégia eficiente para a perda de peso, o que eu concordo plenamente. Como a perda de peso geralmente vem com melhorias de saúde relacionadas, incluindo menor risco para diabetes e doenças cardíacas. Mas será que existem benefícios para a saúde que vão além desses relacionados à perda de peso? Será mesmo que o jejum intermitente protege contra doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer, melhora a função cognitiva, cura o câncer ou faça com que vivamos mais? Ou não há nenhum benefício além daqueles que estão associados à perda de peso? E quais são os riscos potenciais?
O neurocientista Mark Mattson da Johns Hopkins School of Medicine, Baltimore, Maryland, autor do livro The Intermitent Fasting Revolution (2022), estuda o jejum há 30 anos, acredita que estamos muito bem adaptados para estado de jejum e que esse talvez seja mais natural entrar em jejum. Existem muitos estudos com roedores, inclusive indicando que o jejum poderia aumentar a longevidade nesses animais. O jejum metabólico se instaura, geralmente, após 12 horas da última refeição e, nesse momento, o corpo entra num estado metabólico onde grande parte da gordura armazenada no tecido adiposo é convertida em corpos cetônicos para ser usada como fonte de energia alternativa. Na série “jejum de cabo à rabo” no canal NAVE Química Fisiológica no YouTube eu falo sobre o metabolismo das fases metabólicas e está disponível para saber mais sobre a bioquímica das fases metabólicas.
O fato é que ensaios clínicos de dietas restritivas são muito difíceis de conduzir, pois os participantes frequentemente abandonam o programa ou não cumprem as determinações exatamente como deve ser, o que deixam dúvidas em relação à eficácia para benefícios além da perda de peso, dividindo os pesquisadores. Ainda devem ser feitos mais estudos para melhorar compreensão dos possíveis benefícios do jejum intermitente além daqueles como reflexo da ingestão calórica. Estudos recentes mostram que o jejum poderia afetar até os ritmos cicardianos e que o período da janela alimentar também influencia muito. Um estudo que mostra efeitos além da perda de peso foram feitos pelo biólogo Ömer Yilmaz e seus colegas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge. Eles mostraram como a restrição calórica aumenta a atividade de células tronco nos intestinos de camundongos, mas isso pode ter um efeito também indesejado, uma vez que uma maior atividade de células tronco pode ser uma fonte de células pré cancerígenas, como relatado por Yilmaz e seus colegas.
Os estudos indicam que é preciso ter mais estudos sobre o tema, para uma compreensão mais robusta sobre os mecanismos bioquímicos e fisiológicos no jejum e suas implicações. Por enquanto, os médicos alertam que o jejum poderia fazer com que os níveis de açúcar no sangue caiam perigosamente em pacientes com diabetes, além de afetar o suprimento de leite em mães amamentando; prejudicar o crescimento em crianças; e aumentar o risco de complicações para pacientes cardíacos. Antes de iniciar qualquer dieta restritiva é importante consultar seu médico e nutricionista.
Profª. Drª. Adriana Pedrenho
Departamento de Ciências Fisiológicas, UFRRJ
Idealizadora da Nave Química Fisiológica
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