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1. O populismo jurídico sempre no cio ou o cio do jus-populismo
O populismo jurídico é sempre uma tentação. Tal qual o populismo político. Em comum? O atalho. A ausência e/ou desprezo pelas instituições.
Uma garantia processual que proíba prova ilícita, juiz parcial, suspeito, juiz competente, gol de mão, mão nas nádegas do adversário... É sempre uma questão institucional. É uma instituição.
2.Alegar nulidade por juiz incompetente ou parcial é filigrana?
Sem instituições, não há democracia. Quem apoia ou apoiou ditaduras, golpes de Estado, pode achar, mesmo, que democracia e mandatos eletivos são filigranas. E pode achar que garantia de juiz natural, juiz competente ou juiz imparcial também são filigranas.
Países de Terceiro Mundo e sem compromisso com a democracia não aguentam regras processuais que dão garantias. Querem atalhos.
Talvez por isso é que, em países de Terceiro Mundo como o Brasil, acha-se normal que juízes e promotores combinem decisões, grampeiem escritórios de advogados, que juízes sejam parciais e que, quando um tribunal anula um processo por defeito processual, diz-se que o julgamento foi por filigrana.
3. Constituição é filigrana? Deltan tinha razão?
A Constituição vira filigrana. Claro, quando interessa. Os mesmos críticos das "filigranas" são os que se agarram às mais comezinhas regrinhas de portarias ministeriais e prescrições.
Não faz muito escrevi artigo criticando um advogado-professor que disse que a Constituição dá direitos demais e que garantias são como doenças.
4. O editorial-manifesto de O Globo contra garantias processuais chamando-as de filigranas
Agora o jornal O Globo (edição desta sexta-feira, 3/12) traz em editorial uma espécie de manifesto contra as garantias processuais. Aliás, o editorial tem o título: "Filigranas jurídicas tornam Brasil ambiente propício à corrupção".
O editorial começa com elogio à "lava jato", que teria sido desmantelada pelos tribunais superiores.
Velha ladainha populo-jus-política. Jornais (empresas) como O Globo disputam, nos tribunais do Brasil, centímetro a centímetro suas querelas jurídicas invocando todas as garantias processuais existentes. Vejam: isso é lícito. Constitucional. Legítimo. Interessante é que, quando se trata de garantias processuais para os outros "de quem não gostamos", então as garantias trocam de nome: viram filigranas.
Aliás, não é coincidência que Deltan Dallagnol foi flagrado em um diálogo dizendo que a garantia da privacidade do réu era uma filigrana jurídica. O nome filigrana se consolida mais e mais, agora em editorial.
5. Quanto vale a democracia? Qual é a diferença entre desrespeitar garantia processual e a Constituição mesma?
Quanto queremos gastar — em moeda institucional — para termos democracia? Quanto queremos investir para termos respeitados nossos direitos? Essa é a conta que a Constituição apresenta. Para todos, e não somente para nossos inimigos no uso do Direito como lawfare.
Pensemos seriamente: a ferro e a fogo, qual seria a diferença entre desrespeitar uma garantia processual e uma regra que fala sobre mandato presidencial?
E, aqui, a pergunta de um milhão de democracias: Quem aceita desrespeitar garantia processual e chama de filigrana, importar-se-á se alguém romper com a relação entre os poderes da República, garantida, por acaso, por uma regra processual?
6. Por que cumprir a Constituição é uma atitude revolucionária
Eis a questão. Quem diria que, em 2021, ainda termos de lugar e gritar para dizer o óbvio: garantias processuais não são filigranas! São condição para a democracia, cara-pálida!
Zorro, ao perguntar para Tonto acerca dos índios que vinham em sua direção, ouviu a resposta: "São muitos". Pois parece que são muitos, muito mais do que pensamos, os que desprezam a democracia no Brasil. São muitos.
Por isso, cumprir a Constituição, hoje, é uma atitude revolucionária. Quiçá subversiva.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional, pós-doutor em Direito e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados.
Artigo publicado originalmente no site Conjur
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