Liberdade de Expressão e o Paradoxo da Tolerância

Por Ricardo Oliveira da Silva Doutor em História pela UFRGS e docente do Curso de História da UFMS/CPNA

Liberdade de Expressão e o Paradoxo da Tolerância

No volume 01 do livro A sociedade aberta e seus inimigos, o filósofo Karl Popper apresentou o Paradoxo da Tolerância. Em linhas gerais o argumento desse paradoxo diz que a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. As filosofias intolerantes devem ser combatidas com argumentos racionais. Contudo, se deve ter recursos legais para impedir que se propaguem, uma vez que os adeptos de tais ideias nem sempre estão dispostos ao debate racional e agem com manipulação e o uso da força para impor suas ideias.

Karl Popper foi um filósofo de origem judaica nascido em Viena. A publicação do livro que apresenta o Paradoxo da Tolerância ocorreu no ano que findou a II Guerra Mundial e a experiência do regime nazista na Alemanha, o qual o levou a emigrar da terra natal. O ideário nazista foi elaborado nas décadas de 1920 e 1930 com base em uma concepção racial de humanidade mediante os postulados da eugenia e do darwinismo social.

Para os nazistas os seres humanos se dividiam em raças superiores e inferiores, sendo os arianos a raça superior por excelência. Em nome dessa superioridade os arianos tinham direito em dominar povos inferiores. Mas não apenas dominar. O princípio da superioridade racial também justificava o direito em eliminar as raças inferiores em nome da preservação da raça superior, a ariana. Os campos de concentração colocaram em prática uma política de extermínio do que era considerado raça inferior, vide o caso dos judeus.

Ainda que o regime nazista tenha sido derrotado na II Guerra Mundial (1939-1945), as suas ideias continuam encontrando adeptos até os dias de hoje, inclusive no Brasil, o que coloca em discussão, entre outras coisas, o tema da liberdade de expressão em democracias liberais. O direito individual de expressar opiniões se estenderia até o limite do direito de expor ideias racistas e discursos de ódio que colocam em risco a vida de pessoas?

Os EUA, conhecido como uma democracia liberal pioneira no Ocidente, na Primeira Emenda (1791) da Constituição (1787), estabelece que o poder público não pode limitar a liberdade de expressão do indivíduo. Mesmo que a emenda se refira a atores estatais, é comum o argumento de que essa emenda garante que ninguém pode impedir a manifestação de opinião de uma pessoa, incluindo entidades privadas não governamentais.

No artigo quinto da Constituição Brasileira de 1988 é garantida a livre manifestação de pensamento, para brasileiros e estrangeiros. No entanto, a lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que versa sobre os crimes de preconceito de raça ou de cor, prevê punição no artigo 20 para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. E no parágrafo primeiro desse mesmo artigo igualmente define como crime punível pela lei toda pessoa que “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

O ideário de regimes democráticos foi construído historicamente buscando definir como valor a convivência das diferenças (etnia, religião e cultura, por exemplo) de forma respeitosa e harmoniosa. Um valor que ainda hoje enfrenta desafios, e o bolsonarismo é um exemplo disso. No entanto, é um valor que nós, enquanto sociedade, devemos lutar para sua garantia. E o Paradoxo da Tolerância de Karl Popper é uma advertência para essa necessidade.

Por em 17/02/2022
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