Luiz Carlos - Olga, Maria e Taciana

Por Luiz Carlos Prestes Filho*

Luiz Carlos - Olga, Maria e Taciana

Aplaudi a peça teatral “Olga e Luiz Carlos”, em cartaz no Teatro SESC de Copacabana, no Rio de Janeiro, ao lado de minha irmã Zoia. A obra me levou a pensar nos amores vividos pelo meu pai.

O primeiro com a militante comunista, judia alemã, Olga Benário. O segundo com a minha mãe, a pernambucana, Maria do Carmo Ribeiro, que na verdade nasceu Altamira Rodrigues Sobral.

Mamãe teve que mudar o nome por conta da sua militância clandestina no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Inclusive, soube que a sua certidão de nascimento era falsa, somente em 1992, quando eu tinha 33 anos. Por sua vez, Olga, quando entrou no Brasil, em 1934, também tinha um nome falso. No seu passaporte estava registrado: Maria Bergner Vilar. Quer dizer que papai teve duas falsas Marias...

Fato curioso é que o “primeiro amor” do meu pai foi aquele registrado no livro “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes” - um amor de ficção. A obra de autoria do jornalista, Figueiredo Pimentel, filho do famoso escritor Alberto Figueiredo Pimentel, foi dedicada ao arquiteto José Marianno Filho, com prefácio do escritor, jornalista e tradutor, Azevedo Amaral, escrito em 1928, finalizado em 1929 e impresso pela editora Calvino Filho, em 1933.

No livro “Lutas e Autocríticas” de Dênis de Moraes e Francisco Viana, encontramos as seguintes linhas: “Nada tinha do homem de ferro que parece ser nos livros de História e nas aparições públicas. Pelo contrário: (Prestes) é uma pessoa que nos transmitiu sensibilidade e sentimento humano. Quando falou de Olga Benário, sua primeira mulher, a voz ficou embargada e, por segundos, chegamos a pensar que choraria – mas não o fez. E nos surpreendeu quando fez comentários sobre as mulheres. ‘Sempre fui muito feliz com elas’, disse. Teve apenas duas: Olga e Maria.”

O meu Velho viveu uma vida intensa. Foram dois anos e três meses de guerra de guerrilha, ao cruzar o Brasil com a Coluna Prestes (1924-1927); oito anos no primeiro exílio (1927-1931); nove anos de prisão (1936-1945) e outros nove anos no segundo exílio (1971-1979). Na clandestinidade ele viveu em diferentes períodos, de 1934 até 1936; de 1947 até 1958; e de 1964 até 1971: um total de 22 anos. Trago estes números para mostrar que dos 92 anos de vida, 50 anos foram de luta. Considerando que os primeiros 24 anos foram da infância e da adolescência, meu pai teve somente 18 anos de vida adulta em liberdade. Sendo que, entre 1945 e 1947, exerceu o mandato de senador da República. Não tinha muito tempo para se dedicar à família.

Mas, apesar das dificuldades mencionadas, ele não abriu mão de viver uma intensa vida afetiva. Casou, teve 10 filhos que lhe deram, até agora, 25 netos e 25 bisnetos.

Com Olga Benário, o meu Velho enfrentou a prisão, em 1936; a deportação dela para a Alemanha de Hitler, onde nasceu a minha meia-irmã, Anita Leocádia Prestes. A peça em cartaz retrata este momento trágico que terminou com a morte de Olga numa câmera de gás, no Campo de Concentração de Bernburg.

Com a mamãe, o papai viveu o longo período de clandestinidade, da década de 1950. Depois, o período da semilegalidade nos governos do Juscelino Kubistchek, Jânio Quadros e Jango Goulart. Após o golpe militar de 1964, teve que voltar à clandestinidade. Somente em 1971, reencontrou a família no exílio em Moscou. Com a mamãe viveu até o final, quando faleceu em 1990. Foram 40 anos. Com ela viajou todas as 15 ex-Repúblicas Socialistas Soviéticas, hoje países independentes: Rússia, Bielorússia, Ucrânia, Azerbaijão, Armênia, Georgia, Estônia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Tem fotos lindas do casal na distante Sibéria. Estiveram, também, na Bulgária, Tchecoslováquia, Roménia, Polônia, República Democrática Alemã (RDA, ex-Alemanha Oriental), Iugoslávia, França, Itália, Portugal, Grécia, Nicaragua, Cuba, Argentina, Peru, Moçambique e Angola.

Mas de onde surgiu o tal do primeiro amor do meu pai? Relação pouco conhecida até mesmo pelos seus filhos e netos. Que livro é esse “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes”?

A primeira vez que ouvi falar desta publicação, foi pela tia Lúcia, irmã do papai. Para falar a verdade, nunca levei a sério quando me contou que o livro mencionado chegou a Moscou, em 1933. Alegre dizia que todas em casa leram. Mas, um dia o exemplar sumiu e foi depois que o papai tomou conhecimento da publicação.

Certa vez, encontrei uma referência ao livro na primeira página do jornal “Correio Paulistano”, de 19 de maio de 1936, na matéria intitulada “A Companheira de Prestes”, com destaque a uma bela fotografia de Olga Benário:

 

“RIO, 18 (H.) A companheira de Prestes esteve sábado na Polícia Central. Permaneceu desde cedo na Segurança Social. Só às 13 horas foi ouvida pelo delegado Belles Porto. Seu depoimento ao que se anuncia, não trouxe nenhuma novidade. Repetiu que se casara com Prestes, era sua esposa legítima e como tal se considerava brasileira. Esteve quase duas horas sob rigoroso interrogatório. Voltando à Segurança Social Olga pediu alguns livros para ler. Ofereceram-lhe obras em francês e alemão que recusou, declarando que fazia questão de ler escritores brasileiros para praticar o seu português. Às 12 horas ela regressou à Detenção, sempre acompanhada de investigadores, e de automóvel. Deverá voltar à Polícia Central para ser novamente inquirida. RIO 18 (A.B.) O engenheiro eletricista Julio dos Santos, ontem, às 14 horas, dirigiu-se à Polícia Especial no Morro de Santo Antônio. Queria visitar Luiz Carlos Prestes. O sentinela, uma vez confessado o seu objetivo, levou-o ao oficial de dia, Manuel Soares. Repetiu ali, ao oficial, o que antes revelara ao sentinela. Tendo notícia de que havia sido suspensa a incomunicabilidade de todos os presos políticos, resolvera ir aquela corporação para visitar o chefe comunista. O tenente Manuel Soares, suspeitando da atitude do engenheiro, mandou apresenta-lo à Secção de Segurança Social. Julio Santos declarou que não conhecia pessoalmente Luiz Carlos Prestes e só tentara visita-lo por simples momento de curiosidade. Na casa do engenheiro, a polícia apreendeu entre outros livros: “Soviets em Moscou”, “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes” e o magazine “Revue de Moscou”.

  

Foi num leilão que o poeta Alexei Bueno, com a indicação da editora Flávia Portela, adquiriu um exemplar do livro “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes”, e gentilmente me ofereceu. Quando abri o exemplar, em suas primeiras páginas, na introdução de Azevedo Amaral, li o seguinte:

 

“Como todos os seus predecessores na fascinante tarefa de vivissecção psicológica do homem, os novos analistas do consciente e do subconsciente recrutados nas bancas dos jornais, sentem a preponderante atracção do problema do sexo que muito antes da sistematização científica de Freud já havia sido abordado pelos fundadores das religiões como raiz inicial da árvore genealógica do Bem e do Mal. O estudo dos fenômenos éticos tanto no campo restrito da personalidade individualizada como no conflito tempestuoso das correntes e das marés do oceano coletivo tem, em última análise, de resumir-se na investigação dos dois instintos fundamentais da fome e da geração que orgulhosa displicência do homem civilizado insiste em repelir para a degradante obscuridade mas que ressurgem obstinadamente por entre as festas brilhantes da cultura como esquecidos e humildes patriarcas plebeus da prole ingrata e soberba de todos os nossos sentimentos elegantes e sutis. (...) No livro do sr. Figueiredo Pimentel o tema em torno do qual o autor esboça uma obra delicada e sutil de bem observada psicologia coletiva, é o que podemos definir como problema social da sexualidade em uma época de violenta transição. A família cuja história é delineada no seu romance constitui uma expressão representativa da posição em que se encontra a tradicional instituição doméstica em face da violenta concorrência econômica contemporânea cujas asperezas são cruelmente acentuadas, em certos meios burguesas, pelos categóricos de uma vida sumptuária cuja observância se tornou, na prática, o mais acatado princípio ético”.

 

Coloquei em anexo o PDF da capa do jornal “Correio Paulistano”. O leitor interessando poderá perceber que toda ela tem matérias sobre mulheres.

O enredo do livro, para os dias de hoje, é excelente para uma novela de televisão. O jovem capitão Luiz Carlos Prestes se apaixona por Taciana. A eleita não aceita uma aproximação, pois este não é um herói, portanto não merece seu amor. O capitão empreende uma marcha revolucionária pelo Brasil. Ao tomar conhecimento dos feitos de Luiz Carlos, Taciana se arrepende e rompe com padrões sociais estabelecidos e, desesperada, acompanha a trajetória daquele a quem negou seu amor. Quando a Coluna Prestes vai para o exílio na Bolívia, Taciana resolve viajar para encontrar o amado e lhe pedir perdão, se entregar. Mas o encontro é um desastre. Ao perguntar “se ele ainda a amava”, ouve como resposta: “Só amo a minha Pátria”. Ela insiste: “Ofereço-lhe o meu amor, o meu corpo, a minha alma, a minha vida! Tudo é seu!” “Taciana agarrava-se a ele como uma mãe a quem roubam o filhinho”. Finalmente, vem o desfecho:

                        “- Onde está seu coração, Luiz?

                        - Ficou no Brasil, minha senhora.

Também ela perdera a sua grande batalha na vida. Prestes tinha ainda uma réstea de luz e de esperança. A dela estava bruxoleando como luz da lamparina cujo azeite se esgotou aos pés da imagem de Cristo. O vendaval que se aproximava a apagaria para sempre...

- Adeus, Luiz. Que deus o ajude. Adeus.

Era o Fim.

Taciana retirou-se lentamente arrastando o cadáver do seu sonho... Quando chegou a lancha mandou embarcar toda bagagem que levara e entrega-la ao General Prestes. A embarcação partiu como se acompanhasse os funerais daquele grande amor. Horas depois desencadeava-se uma grande tempestade. Choveu abundantemente durante a tarde. A noite aumentou a tormenta, com descargas elétricas. Os estrondos apavoravam os tripulantes da lancha que dificilmente cortava as águas revoltas da baia de La Gaiba. Madrugada alta passou a tempestade. Um lindo dia em perspectiva. Mas, ao chegarem a Puerto Suarez, os homens da lancha deram por falta de Taciana”

 

Há dois momentos neste livro que são, no mínimo, curiosos.

O primeiro está relacionado à personagem Elza Salgado, de 17 anos, chamada, várias vezes, de “menina” em algumas páginas. Ela termina traindo a confiança de seu protetor que desejava mantê-la como "seu segredo" (pág. 65)

O segundo momento guarda relação direta com a personagem central, Taciana, que sonha em ser uma Anita Garibaldi:

 

"Sentia não poder estar ao lado de Prestes e lembrava-se de Anita Garibaldi combatendo junto com o marido. Toda beleza dessa vida de mulher que se fizera guerreira pelo amor do marido, dessa heroína e mártir que sacrificara toda a sua mocidade em holocausto ao seu amor, todo o esplendor, toda a vida de Anita passava em imagens vivas pelo pensamento de Taciana. Imaginava a anjo tutelar do general Garibaldi, na cavalgada indômita, defendendo os ideais do seu amado. Anita, a maior glória, do grande guerreiro, fará a sua inspiração".

 

Na vida real, uma jovem de 16 anos, Elza (Elza Fernandes), foi uma traidora da confiança do Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Antônio Maciel Bonfim, codinome Miranda, seu namorado. Após o fracasso do Levante Armado Antifascista de 1935, surgiu a dúvida de que ela estava facilitando a prisão dos revolucionários. Foi assassinada pelos próprios companheiros em circunstâncias não esclarecidas. Sem qualquer comprovação, este assassinato foi imputado a meu pai pelo Tribunal de Segurança Nacional (STN). Esta militante era conhecida como “Garota”.

Penso que a peça “Olga e Luiz Carlos” ficaria muito mais rica, do ponto de vista dramatúrgico, ao apresentar todas as mulheres de Luiz Carlos Prestes, as verdadeiras e a da ficção, a Taciana. Em especial, porque a de ficção faz referência dramática aos nomes: Anita e Elza. Antes de seus nomes surgirem na vida real, em 1936, Anita Leocádia Prestes e Elza Fernandes, já figuravam em um livro escrito em 1928.

Mas quem foi o tal engenheiro Julio dos Santos, ou Julio, Santos, citado no jornal “Correio Paulistano” que, pelo visto, foi preso, teve sua casa revirada e livros apreendidos? Será que não cabe investigar? Pois, graças a ele podemos confirmar hoje que o livro “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes” circulou bastante na década de 1930.

Luiz Carlos Prestes e Maria Prestes junto ao túmulo de Leocádia Felizardo Prestes (mãe de Prestes), México, 1985

Sem dúvida, “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes” é uma obra de valor histórico. Porque será que ela não é citada em nenhuma das biografias de meu pai, inclusive, nem no livro “Luiz Carlos Prestes na Poesia” de Laércio Souto Maior, que reuniu amplas referências sobre o Cavaleiro da Esperança em prosa, poesia, música e artes em geral.

A peça “Olga e Luiz Carlos" tem o mérito de mostrar que os comunistas são gente como gente. Choram, gostam de poesia e escrevem cartas de amor. Importante mostrar nos dias de hoje que luta revolucionária por um Brasil socialista foi estruturada por mulheres inteligentes, corajosas e lindas. Reais e imaginárias!

Luiz Carlos e Zoia, filhos de Luiz Carlos Prestes e Maria Prestes com as atrizes e ator da peça teatral "Olga e Luiz Carlos" no Teatro SESCde Copacabana.Marianna Mac Niven, Vera Novello e Júlio Adrião.

*Luiz Carlos Prestes Filho, diretor de filmes documentários, é escritor e compositor membro do PEN Clube do Brasil

Sobre o autor do livro “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes”:

Alberto Figueiredo Pimentel foi filho do escritor e jornalista Figueiredo Pimentel. Iniciou sua vida profissional no jornal “Vanguarda”. Atou nos seguintes órgãos da imprensa de sua época: “Boa Noite”; “O Jornal”; “Diário de Notícias”; “A Nação”; “Gazeta de Notícias”; e “Rio-Jornal”. Publicou as seguintes novelas: “Filhos do Baldomero” e “A Inspiradora de Luiz Carlos Prestes”. Era casado com Waldemira Barros Pimentel e tinha o irmão, Gilberto Pimentel. Foi alto funcionário do Departamento Geral de Saúde Pública.

Maria Prestes, 1950

Por Ultima Hora em 01/07/2023
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