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Como o Brasil nunca conhece a calmaria, temos mais uma semana em que prevemos uma nova crise a afetar nossa querida nação. O que dá a este humilde colunista razões para continuar a preencher seus finais de semana com estas poucas letras. E vamos lá.
Há tempos sabemos que a política ambiental no Brasil é um terreno minado, onde ideais ecológicos frequentemente se chocam com interesses econômicos e alianças políticas. Mas, desta vez, o embate parece ter ganhado contornos de crise interna no governo Lula. No centro da disputa está a licença para a Petrobras realizar estudos de viabilidade na Foz do Amazonas, um tema que coloca em lados opostos o presidente e sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
A tensão não surgiu do nada. Desde que Marina, ainda na campanha, recompôs com Lula, havia um acordo implícito: sua presença seria um selo de credibilidade ambiental para um governo que precisava se reconciliar com a pauta verde, depois do desmonte bolsonarista. No entanto, como qualquer observador atento poderia prever, esse equilíbrio nunca foi estável. Lula é pragmático, Marina não cede nos seus princípios – e a possível exploração de petróleo na Margem Equatorial pode se tornar o ponto de ruptura.
O presidente, cercado por um setor energético ansioso por novos investimentos e pela necessidade de gerar receitas para o país, vê a realização dos estudos de viabilidade como um passo necessário. Em um mundo em transição energética, ainda há uma dependência significativa do petróleo, e Lula não quer que outros países explorem suas reservas enquanto o Brasil observa de braços cruzados.
E essa preocupação não é gratuita: países vizinhos, como Guiana e Suriname, já estão explorando petróleo na mesma região. A Guiana, inclusive, tem registrado uma verdadeira revolução econômica com as descobertas na Margem Equatorial, o que aumenta a pressão sobre o Brasil para não ficar para trás. Governadores e parlamentares da bancada do Norte e Nordeste no Congresso têm usado esse argumento para cobrar a liberação dos estudos, alegando que o país não pode perder essa oportunidade de desenvolvimento enquanto vê seus vizinhos aproveitarem.
Marina, por outro lado, representa a ala que vê esse projeto como um retrocesso ambiental, um risco inaceitável para um dos ecossistemas mais ricos do mundo. Para ela, mesmo que os estudos ainda não signifiquem a exploração em si, abri-los seria um sinal político de que o governo caminha para liberar o petróleo na região, o que poderia enfraquecer a credibilidade ambiental do Brasil.
O ponto de ebulição do conflito veio quando Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, não concedeu a licença para que a Petrobras realizasse os estudos na região, alegando que os impactos ambientais ainda não foram suficientemente analisados.
A decisão irritou setores do governo, e o próprio Lula criticou publicamente o Ibama, dizendo que "não dá para ficar nesse lenga-lenga" e cobrando uma solução mais rápida para o impasse. A fala de Lula pegou mal, principalmente entre ambientalistas e técnicos do próprio Ibama, que viram na declaração um tom de pressão política sobre um órgão que deveria ter autonomia técnica.
Foi então que Rodrigo Agostinho respondeu diretamente ao presidente, de forma respeitosa, mas firme: "Não se trata de lenga-lenga. Estamos seguindo os critérios técnicos necessários para uma decisão responsável". A declaração foi um recado claro: o Ibama não cederia à pressão política e manteria seu compromisso com a avaliação criteriosa dos possíveis impactos ambientais.
Esse posicionamento elevou ainda mais a temperatura dentro do governo. Se antes a crise era uma disputa velada entre Marina Silva e os setores desenvolvimentistas, agora ela ganhou um novo elemento: o embate direto entre o chefe do Ibama e o presidente da República.
A fala de Agostinho também fortaleceu os rumores de que Marina pode estar de saída do governo. Em seu histórico, ela já rompeu com Lula em 2008, quando o então presidente insistiu em flexibilizar regras ambientais para beneficiar o agronegócio e a expansão de hidrelétricas. O roteiro pode estar se repetindo.
O pano de fundo desse embate não poderia ser mais irônico: este ano, o Brasil sediará a COP 30, a maior conferência climática do mundo, na cidade de Belém, no Pará. Como o governo Lula pretende conciliar essa agenda climática global com a pressão interna para liberar a exploração de petróleo na Amazônia? O risco de desgaste internacional é real. Caso o governo avance com os estudos e, futuramente, com a exploração, o evento pode se transformar em um constrangimento, minando a imagem do Brasil como líder ambiental e fortalecendo críticas de ambientalistas e chefes de Estado estrangeiros. Este é o evento onde líderes globais discutirão ações para conter o aquecimento global – e o Brasil deveria ser um dos protagonistas da defesa ambiental.
Se Marina deixar o governo, Lula sofrerá um desgaste internacional, além de perder um dos nomes mais respeitados na agenda ambiental. Se ceder completamente a ela, enfrentará resistência interna de setores econômicos e de sua própria base no Norte e Nordeste, que vê na exploração uma chance de desenvolvimento regional.
A pergunta que fica é: até que ponto o equilíbrio político suportará essa contradição? Se há algo que a trajetória de Marina Silva nos ensina, é que ela não hesita em sair quando percebe que está sendo usada como peça decorativa. Lula pode apostar que ela ficará para evitar um racha maior no governo – mas se o passado serve de guia, essa aposta pode ser arriscada.
Até a próxima semana, com ou sem crise.
Filinto Branco - Colunista político.
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