Memórias históricas e culturais

Por Rogéria Gomes

Memórias históricas e culturais

A história carrega sobre si o peso de escolhas e decisões. Esta semana rememora-se o fatídico dia 08 de janeiro que deixou sequelas, mas apesar do tamanho e do barulho do acontecido não fragilizou a democracia, ao contrário. A destruição do acervo e da sede dos três poderes soma um gasto de mais de R$21 milhões aos cofres públicos para recuperar o patrimônio danificado, considerando-se, lamentavelmente, a perda total de objetos de elevado valor histórico e cultural.

O recorde ficou no STF que teve 135 obras destruídas. Rever cenas de vandalismo que atingiram obras de Burle Marx, de Athos Bulcão não há palavras que descrevam.  Uma lástima imensurável, laivos que ficarão indelevelmente na história e na memória brasileira, sem contar as obras desaparecidas.  Felizmente a maioria já está restaurada.

Muito já foi dito e visto nos dias recentes, inclusive com realização da solenidade, no Congresso Nacional, contanto com expressiva presença de autoridades, embora com algumas ausências, mas registro foi feito. A lição é clara; 2023 foi o ano que a democracia venceu, não como que deveria, mas não recuou. Importa que valores democráticos conduzam as nações ao bem comum e não a polarização, que mesmo em menor escala, ainda persiste independente de partido político.

Fato notório em alguns discursos, a puxar brasa por partidos e pessoas, o que diminui o propósito, mas não anula a marcha. A cultura permeou o evento de maneira bela e poética na voz da Ministra da Cultura Margareth Menezes ao cantar o hino nacional, momento que acolhe simbolismos necessários.

A cultura seguiu sem olhar para trás. Sinais claros de uma retomada mais fortalecida e arrojada em um ano pulsante, apresentando espetáculos de diferentes vertentes. Múltiplos e necessários quase sempre com teatros lotados. Revivendo um passado de glória artística do Brasil. Foram diversos espetáculos que passaram em revista a história nacional, trazendo ao palco a trajetória e vida de brasileiros expressivos.

De Leci Brandão passando por Zé Ramalho, Noel Rosa, Clara Nunes e Virgínia Lane que segue em cartaz. Todos com virtuosas apresentações e diferenciadas propostas, inclusive o musical ‘Ninas’ que trouxe à cena a biografia de Nina Simone, uma artista americana de valiosa relevância.

À parte de biografias, um salto no passado trouxe ao palco Machado de Assis em ‘Brás Cubas’ onde Machado se torna narrador de sua própria história, e até o escritor Franz Kafka, teve vez em ‘Kafka e a boneca viajante’, um belo musical. Sem dúvida a lista comporta outros tantos, mas estes simbolizam bem o que ano representou.

Os coletivos apresentaram espetáculos primorosos que não optaram pela linha biográfica diretamente. O musical ‘Se essa lua fosse minha’ surpreendeu pela força cênica do grupo, ‘Los Hermanos Musical Pré Fabricado’, fugiu do padrão convencional, ’ Viva o Povo Brasileiro’ abarcou a literatura de João Ubaldo, ‘Museu Nacional’ reviveu um dos momentos trágicos da cultura brasileira, ‘Dom Quixote de Lugar Nenhum’ apostou na brasilidade do protagonista, ‘ Julius César- Vidas Paralelas’ fez livre releitura de Skakespeare, o clássico ‘Vestido de Noiva’, propôs uma montagem de valor do grupo mineiro oficcina multimédia, ‘Guasu’ apresentou a guerra do Paraguai, ’80 Década do Vale Tudo’ aposta no teatro documental apresentando a riqueza histórica e artística dos anos 1980, que segue em cartaz, e finalizando lindamente o ano ‘Elis, a musical’ comemorou dez anos da primeira montagem arrebatando o público de forma visceral.  Os internacionais como ‘Beetjuice, o musical’ e ‘Mamma Mia’ também fizeram sucesso, sem contar, ótimas encenações infantojuvenis que rodaram o país. 

Monólogos marcaram presença, tais como, ’Macacos’, ‘Mãe de Santo’, que cumpriu carreira internacional, ‘Como não ser Montgomery Clift’, ‘A Alma Imoral’, ‘A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong’, ‘Alzira’i’, ‘Riobaldo’, ‘O Profeta’, ‘Helena Blavatsky’, ‘Ninguém sabe meu Nome’, ‘Pierrô do Méier’ ‘A língua Mãe’, ‘Isabel das Santas Virgens e sua Carta a Rainha Louca’ e ‘ Só vendo como dói ser mulher de Tóstoi’, estes quatro últimos permanecem em temporada.

Nesse caldeirão eclético é possível observar a exuberância e particularidade dos criativos artísticos e musicais com assinaturas distintas, que se tratando de arte, é saudável e bem vindo. Um mosaico vigoroso para um ano que começou ameaçado, quase desdito, mas terminou com a arte triunfante e o teatro fazendo e representando a história de suas gentes como lhe cai bem e convém.

Não importa a pressa e sim o passo. Que venha um novo ano igualmente potente com a arte vibrando na sua expressão máxima e ampla, essa que não perde o rumo e é garantia da sanidade.

Por Rogéria Gomes

teatroemcenanoradio@gmail.com

Por Ultima Hora em 13/01/2024
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