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A véspera de Natal na casa dos irmãos de Sônia Maria de Jesus, 50 anos, terá nesta terça-feira (24) a mesma triste ausência das últimas quatro décadas. Há 42 anos, Sônia Maria de Jesus não pode passar o Natal e nem o aniversário dela, no dia 28 de dezembro, com seus familiares. Sônia é surda e foi libertada da residência do desembargador Jorge Luiz de Borba em Santa Catarina, em junho de 2023, por fiscais do trabalho que a encontraram escravizada na casa de luxo do magistrado, em Florianópolis.
No entanto, após uma decisão judicial autorizar um encontro dela com o casal, Sônia acabou voltando a viver na casa do desembargador ainda no ano passado. Nos últimos meses, os irmãos de Sônia pediram judicialmente e tentaram um acordo com a família Borba para que ela pudesse passar o Natal com a família biológica em São Paulo. Os Borba, porém, não autorizaram. Os advogados Collaço Gallotti Petry, que representam a família Borba, disseram que não irão comentar sobre o caso e que “está em segredo de justiça”.
“Hoje iremos nos reunir. Todos os irmãos e sobrinhos para estarmos juntos porque é a data da nossa mãe e vamos estar todos juntos como ela sempre gostou. Por isso, esse anseio de ter a Sônia junto com a gente. Seria a realização do sonho da nossa mãe. Tudo isso é muito doloroso “, revela Marta de Jesus, uma das irmãs de Sônia. “O Natal é uma data muito simbólica para nós. A minha mãe, mesmo trabalhando como doméstica, o dinheiro era para comprar a comida do mês e ela fazia questão de fazer um macarrão, um frango, umas frutinhas e decorar a mesinha e sempre passamos todos juntos. Minha mãe amava o Natal”, conta Marta.
A irmã também desabafa que, além do pedido negado no Natal, a família Borba impediu que um encontro entre os irmãos acontecesse em janeiro. “Tudo isso é informado para eles com antecedência e eles ficam um tempo sem responder. Aí quando respondem, nossas solicitações são negadas. Reagendamos uma visita no dia 18 de janeiro. Isso foi encaminhado e respondido com um aceite. Posterior a isso, fomos informados que eles iam viajar e iam ficar o mês inteiro viajando. Logo, a visita de janeiro também foi cancelada”, desabafa Marta, que revela que conta com apoio da organização Cáritas para esses encontros e as passagens já estavam compradas quando o casal recusou a visita.
Histórico
Desde o ano passado, a família de Sônia luta no Judiciário para retirá-la da casa do desembargador. Segundo uma reportagem do Intercept com o portal Catarinas, Sônia vive com os Borba desde os nove anos. A mãe a entregou temporariamente à psicóloga Maria Leonor Gayotto, mãe de Ana Cristina Borba, mulher do desembargador, em 1982. Na ocasião, existiria um problema de violência doméstica na família de Sônia. No entanto, a família passou, depois, anos procurando por ela sem encontrá-la.
Ao longo dos anos, porém, Sônia passou a ser escravizada na casa da família Borba. As investigações sobre o caso mostraram que ela passou a trabalhar como doméstica na casa da família sem receber nenhum salário ou mesmo ter direito a descanso. Além disso, estava com problemas de saúde, como um tumor no útero, dormia em um quarto mofado e não pode estudar ao longo de 40 anos.
Após a libertação feita pelos fiscais do trabalho, Sônia foi levada a um abrigo. O caso foi amplamente divulgado na imprensa e os irmãos tomaram conhecimento do paradeiro de Sônia e passaram a buscar novamente contato com ela. Somente após o resgate, Sônia pode passar a frequentar aulas de alfabetização na Associação de Surdos de SC.
No entanto, após o ministro Mauro Campbell Marques, relator do caso no STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizar uma visita do casal Borba à Sônia, ela acabou retornando para a casa daquela família em 27 de agosto de 2023. Na decisão que permitiu a visita do casal, o ministro argumentou que Sônia poderia voltar se manifestasse vontade “expressa, clara e inequívoca”. Estudos do MPT (Ministério Público do Trabalho) contestam a versão de que ela teria expressado o retorno sem ter sofrido pressão.
Na época do resgate, Borba chegou a emitir nota negando as acusações de que ela estava em situação análoga à escravidão e dizendo que faria o procedimento para reconhecimento de paternidade de Sônia, o que foi feito nos últimos meses. Um cálculo sobre as verbas trabalhistas não pagas à Sônia chega a quase R$ 5 milhões.
Mais tarde, em 23 de outubro do ano passado, a Procuradoria-Geral da República denunciou o desembargador e sua mulher por trabalho análogo à escravidão contra Sônia e defendeu o afastamento dela do casal. O STJ ainda não julgou o processo.
Desde o retorno para a casa dos Borba, Sônia continua vivendo com a família e, segundo os irmãos biológicos, o casal cria uma série de obstáculos para o contato com os familiares. Eles se reuniram nos últimos meses seis vezes com ajuda da organização Cáritas. Os irmãos de Sônia contam que os encontros, sempre em Florianópolis, são difíceis já que envolvem muitas despesas para os familiares e ainda uma logística de autorização dos Borba e acompanhamento.
“É um sentimento de muita indignação. Impotência. A gente não tá pedindo nada de impossível e nada que não seja direito. Então ficamos com a sensação de sempre ter que aceitar tudo que é imposto por eles. Isso é horrível. Acho que tudo isso é um grande desrespeito com a Sônia”, desabafa Marcelo de Jesus, outro irmão de Sônia.
Após a batida dos fiscais do trabalho, os patrões pediram ao Judiciário o reconhecimento de paternidade da Sônia e, se não for concedida, requerem a curatela por entender que a trabalhadora não tem condições de responder por si mesma.
A família biológica tem defendido no processo a autonomia de Sônia e afirma que desde que ela começou a ser alfabetizada é possível notar uma evolução em seu desenvolvimento e socialização. O processo ainda não foi concluído
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