Mulheres no Congresso: baixa representação fragiliza direitos e trava avanços sociais

Mulheres no Congresso: baixa representação fragiliza direitos e trava avanços sociais

A representação feminina no Congresso está longe de equivaler ao peso das mulheres na sociedade. Elas são 52,5% dos eleitores, mas têm apenas 15% das vagas do parlamento brasileiro. De acordo com parlamentares, essa desigualdade representativa prejudica a elaboração de políticas afirmativas para elas e afeta de forma negativa a vida de muitas brasileiras.

Atualmente, das 513 cadeiras da Câmara, 77 são ocupadas por deputadas. Já o Senado possui apenas 12 mulheres eleitas entre as 81 vagas disponíveis. Essa baixa representação de mulheres no Congresso é retratada, por exemplo, no Mapa das Mulheres na Política. Segundo o estudo, de 2020, da ONU e da União Interparlamentar (UIP), o Brasil ocupa o 140º lugar no ranking de representação feminina. Desse modo, fica à frente apenas de Belize (169º) e Haiti (186º) nas Américas.

Apesar da desigualdade, houve avanço de 51% nas eleições de 2018 na proporção entre mulheres candidatas e eleitas para o Congresso. Na avaliação da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a ampliação da representação feminina no parlamento é importante porque favorece a discussão de políticas públicas de promoção de igualdade de oportunidades. Além disso, fortalece a discussão de mecanismo de proteção, como foi a Lei Maria da Penha.

“A luta por respeito entre homens e mulheres, assim como o combate duro à violência de gênero, precisa se expressar cada vez mais no parlamento. Por exemplo, na elaboração de leis que garantam igualdade de oportunidades para as mulheres que recebem menos que homens mesmo no exercício das mesmas funções”, afirma a parlamentar.

A vereadora paulistana Juliana Cardoso (PT), em seu quarto mandato na maior Câmara Municipal do país, reforça. Descendente de indígenas e nascida na periferia de São Paulo, Juliana ficou na suplência na eleição para a Câmara federal em 2018. De 70 eleitos por seu estado, apenas 11 foram mulheres.

“Essa representação das mulheres vem avançando no espaço do parlamento, por conta das cotas. Mas ainda é de 15%, enquanto 52,5% da população são mulheres e a outra parte foi a gente que colocou no mundo”, ironiza. “É muito importante avançarmos na representação, porque enquanto mulheres e negros forem alijados da política a democracia estará incompleta. Continuará mandando quem sempre mandou na política, homens brancos de classe alta, que não enxergam de verdade os direitos da classe trabalhadora nem os das mulheres.”

Direitos em xeque

Levantamento da plataforma Elas no Congresso, criada pela Revista AzMina, mostra que a desigualdade na representação também influencia negativamente no dia-a-dia das mulheres. Em 2019, por exemplo, foram 331 projetos de lei propostos no Legislativo federal referentes aos direitos das mulheres. Entretanto, de acordo com a revista, um a cada quatro projetos é desfavorável às brasileiras, pois a maioria dos PLs é apresentada por deputados.

Um dos exemplos foi o projeto do senador bolsonarista Eduardo Girão (Pode-CE), que propõe a criação do Estatuto da Gestante. O PL 5.435 proíbe aborto em todos os casos. Até mesmo os já garantidos pela Constituição – como em situações de estupro ou de risco à vida da gestante. Além disso, dispõe sobre a criação de um auxílio financeiro para mulheres que engravidem e concebam uma criança fruto de estupro.

“A gente não consegue construir políticas efetivas porque a maioria do parlamento é formada por homens. Temos uma bancada feminina muito efetiva. Entretanto, há matérias de gênero que são sensíveis para nós e que demoram para tramitar, por conta dessa masculinidade na hora de tomar as decisões. Outro exemplo disso é a questão da pobreza menstrual. O assunto tocou a população, mas não atingiu os deputados, onde muitos rejeitaram o projeto. Não é à toa que próprio presidente (Jair Bolsonaro) vetou todo o projeto”, lamenta a deputada Silvia Cristina (PDT-RO).

Para a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), a configuração do Congresso permite que homens decidam o futuro da população, retirando direitos das mulheres e ameaçando pautas históricas. Para responder a isso, ela diz, é fundamental que mulheres, sobretudo negras, ocupem espaços na política institucional.

“Com certeza, já avançamos muito. Assim, hoje temos cada vez mais mulheres colocando seus corpos, suas ideias, sua luta para ocupar a política. Mas ainda vivemos uma realidade em que poucas são eleitas, e quando são eleitas têm dificuldades de exercer seus mandatos. As barreiras são inúmeras. Começam, inclusive, na atuação dentro dos próprios partidos, passando pelo excesso de trabalho com a tripla jornada e indo até a falta de ressonância na população para eleger mais mulheres. Então, é fundamental que para termos democracia plena, os legislativos e os executivos tenham mais a nossa cara, do povo trabalhador e das mulheres. Precisamos de mais de nós lá para barrar os retrocessos e fazer avançar nas nossas reivindicações”, defende Talíria.

Machismo estrutural

Ao longo dos anos, as deputadas eleitas apontam que sentem desestimuladas, porque são abafadas pelo sistema político machista que retrai e diminui a eficácia de sua atuação, de acordo com uma pesquisa qualitativa do Instituto DataSenado. Além disso, a projeção feminina no campo político é alvo de críticas por parte dos cônjuges, sendo uma barreira para outras brasileiras se lançarem ao pleito.

Silvia Cristina diz que o machismo estrutural do Brasil é um obstáculo para muitas mulheres se lançarem aos cargos políticos. “Isso é um problema cultural do machismo que impede o avanço nesses temas. Na minha campanha de vereadora, em Rondônia, vi muitas mulheres com capacidade e vontade de concorrer às eleições, mas impedidas pelos próprios maridos”, relata.

Violência política contra mulheres, negros e LGBTs ameaça o exercício democrático nas eleições

Outro problema recorrente é a falta de apoio dentro dos próprios partidos. Na última eleição, diversas legendas descumpriram as regras no repasse de recursos destinados ao financiamento das campanhas de candidatos negros e mulheres. De acordo com as parlamentares, a falta de recursos freia a ascensão de novas lideranças. A campanha de Silvia Cristina, por exemplo, custou menos de R$ 80 mil, cerca de 7,5% do gasto médio de R$ 1.074.212,00 de deputados federais eleitos de Rondônia, segundo reportagem da DW Brasil.

“Sou a prova disso. Até os próprios partidos não acreditam na capacidade efetiva da eleição de candidatas. Sou a primeira deputada negra do estado de Rondônia. Quando você é mulher, pobre e negra, a dificuldade é muito grande. Durante a campanha de 2018, eu consegui ser eleita, mas muitas não são, porque sem apoio é algo muito difícil”, lamenta a pedetista.

Segundo Talíria, os empecilhos vêm desde a atuação nos partidos e, em alguns casos, ocorrem até silenciamento, assédios e poucos recursos nas campanhas das candidatas. “Com muita pressão, estamos avançando na política partidária, mas sempre somos nós a dizer que não aceitaremos mais o preterimento como regra. E quando a própria legenda não repassa os recursos de forma adequada, ela está tirando a oportunidade de novas mulheres e mantendo o privilégio masculino e quase sempre branco”, constata.

No ano passado, foi sancionada a Lei 14.192/21, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. A nova legislação considera violência política contra as mulheres toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos delas.

Para as parlamentares, o projeto enfrentará o ódio e a intolerância, e ainda permite que mulheres se sintam encorajadas a ocupar mais espaços políticos, permitindo o aumento da representatividade no Congresso. Perpétua Almeida alerta que as parlamentares sofrem violências psicológicas e até físicas nas casas Legislativas do país e citou ataques do então deputado Jair Bolsonaro contra a Maria do Rosário (PT-PR). “Isso realmente machuca. Mas temos que ser fortes, estamos aqui exatamente para fazer o combate ao machismo e a qualquer tipo de violência. Essa é nossa missão e não devemos desanimar, devemos lutar e superar.”

A vereadora paulistana Juliana Cardoso não raras vezes foi alvo de ataques machistas em seu trabalho. “Ser mulher no parlamento brasileiro é muito difícil. À vezes significa falar mais alto para ser ouvida, para se defender de ataques na tribuna”, observa. “Isso porque nós falamos em defesa de políticas públicas pela classe trabalhadora e pela vida das mulheres. Enfim, significa ser resistência. Principalmente neste momento repleto de grupos movidos a ódio e preconceito, a gente tem que estar atenta para não ser engolida.”

Já Talíria Petrone afirma que setores da sociedade brasileira simplesmente não toleram que mulheres, sobretudo as negras, tenham protagonismo na política institucional. “Eles nos querem nos mesmos lugares aos quais a sociedade sexista e racista nos reservou. E à medida que há um acirramento da violência política, mais receio as mulheres podem ter de participar das disputas. Da nossa parte, vamos sempre denunciar, lutar nas ruas e no parlamento até que mais nenhuma mulher negra seja ameaçada por reagir à condição de subalternidade que nos foi reservada. Quando falamos que não farão mais política sem nós, estamos dando o nosso recado de que estamos aqui para enfrentar essa realidade.”

Perpétua Almeida diz ainda que as mulheres negras sofrem em dobro a discriminação, pois recebem a carga do machismo e do racismo. Mas a deputada do PCdoB acredita que a página pode ser virada a partir das novas regras eleitorais. “Criamos mecanismos na legislação eleitoral para estimular o lançamento de candidaturas de mulheres e de negros e negras. Além de garantir recursos mínimos da lei para que possamos apresentar nossas plataformas políticas. Foi um grande avanço que, acredito, estimulará muitas mulheres negras a virem para a luta política”, defende.

Mulheres no Congresso em 2022

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o novo Código Eleitoral, com vigência a partir da eleição deste ano. Entre as mudanças, uma contagem em dobro, exclusivamente para fins de distribuição entre os partidos, dos recursos dos fundos eleitoral e partidário dos votos dados às candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara.

Talíria Petrone diz que a disputa eleitoral deste ano é a possibilidade de reverter o perfil conservador do Congresso Nacional, que tem se mostrado, segundo ela, elitista, masculino, branco e hetero-cisnormativo. A parlamentar afirma que só uma representação ampla de todos os setores da sociedade brasileira será capaz de garantir direitos para todos e enfrentar a desigualdade do país.

“Não há possibilidade de termos uma democracia plena sem representatividade e diversidade na política institucional. Os partidos, e aí eu estou falando os de esquerda que são os que realmente estão preocupados com essas mudanças, precisam incentivar, apoiar e bancar candidaturas de mulheres, negras e negros, LGBTIA+, indígenas e quilombolas para que a correlação de forças esteja mais favorável aos setores da população mais atingidos pela política de retrocessos em curso”, afirma a deputada do Psol.

Perpétua acrescenta que derrotar a extrema direita faz arte dessa luta pela igualdade. “Vencer Bolsonaro nas urnas é parte fundamental dessa jornada de esperança na construção de um Brasil mais justo e solidário para todos. Especialmente os mais vulneráveis, como as mulheres.”

Por Ultima Hora em 27/02/2022
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