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Marcelo Buhatem*
Há quase um ano, o judiciário brasileiro foi praticamente obrigado a fechar as portas físicas. Isso desencadeou uma enormidade de mudanças no cotidiano de 14 mil magistrados e de uma centena de milhares de servidores, além, obviamente, do cidadão que busca atendimento no sistema judiciário.
Não se nega que os trabalhos processuais continuaram. Pelos dados do Conselho Nacional de Justiça, milhões de atos processuais foram praticados, do Oiapoque ao Chuí, fazendo com que os atos judiciais não fossem paralisados. Aliás, criou-se um hábito de contar atos judiciais. Tempos estranhos.
Não se sabe ao certo se a qualidade destes atos se manteve, tal qual o antigo normal, porém alguns dados empíricos começam a revelar uma certa diferença na atitude dos julgadores, se comparada às sessões presenciais. A discussão da causa e seus temas mais relevantes parece ser coisa do passado, com raras exceções. Os pedidos de vista minguaram, o que pode ser bom ou ruim. Se por um lado isso pode trazer mais celeridade ao processo, por outro possibilita uma melhor análise do caso. Também já há dados que permitem dizer que as votações unânimes cresceram exponencialmente, aviso de que pode estar sendo enfadonho julgar e discutir teses pela telinha.
Passados 12 meses, a pergunta que não quer calar é a seguinte: quando e como o judiciário vai retomar as atividades?
Esse tema traz enorme discussão na comunidade jurídica, entre advogados, defensores, promotores, magistrados e, principalmente, as partes do processo.
É difícil pugnar pelo retorno presencial de pessoas que estão trabalhando no conforto dos seus lares e afirmam que essa modalidade tem funcionado. Entretanto, a discussão não pode ser tão simplória.
O judiciário é Poder e o Poder não se mostra atrás de complicados sistemas de informática, obrigando as partes e advogados a comprarem computador e Internet rápida, além de outros insumos, igualmente caros.
Certamente, o bombeiro militar desejaria apagar o fogo de sua poltrona residencial, mas não é possível. O médico também gostaria de cuidar dos seus pacientes enfermos em UTI do conforto do seu lar. Porém, não tem como ele exercer seu compromisso com o paciente assim, prova disso é que foram os profissionais de saúde os mais infectados, proporcionalmente, pela COVID-19. Os policiais também poderiam combater a criminalidade de cada dia, quem sabe em casa, descansando. Só que é impossível.
Pois bem, processos criminais, familiares, os que envolvem menores ou idosos e os que necessitam da coleta da prova testemunhal, bem como audiências de instrução e julgamento e outros atos assemelhados, não podem ser jogados na vala comum digital. Não é razoável e pode comprometer o devido processo legal e o direito de defesa, dogmas do estado democrático de direito.
Não é, igualmente razoável que, em municípios pequenos, onde a presença do juiz sempre foi sinal de respeito e garantia de que a lei seria aplicada e cumprida, ele permaneça no conforto do seu lar, enquanto prefeitos, policiais, bombeiros, advogados, padres, pastores, entre outros, mantém suas rotinas normais.
Como cantava o imortal e saudoso Nelson Gonçalves, “Naquela mesa tá faltando ele...”.
Aliás, diga-se, não há determinação do CNJ ou STF proibindo o retorno presencial. Ambos reconhecem a gravidade da situação sanitária, mas deixam aos respectivos gestores a decisão de retorno, caso a caso, respeitando o sistema federativo.
Aliás, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão respondendo ação de um Deputado Federal, indeferiu pedido para que o mesmo continuasse em home office, apesar do Presidente da Câmara de Deputados ter determinado trabalhos presenciais.
Assim, por tudo citado, o Poder Judiciário dos Estados precisa começar a voltar ao quase antigo normal e apresentar à sociedade um plano de retorno, que pode ser mais ou menos rápido, mas que deve, data venia, ser iniciado, obviamente obedecendo os protocolos de segurança sanitários. A sua quase ausência, inclusive, destrói o comércio regional, uma vez que a atividade forense sempre foi fomentadora da economia, trazendo centenas de empregos diretos e indiretos, já que em suas dependências transitam centenas de pessoas. Exemplo disso é que, na área de todos os fóruns brasileiros, a economia regional sucumbiu, deixando severas sequelas, como grandes bairros abandonados pelo poder público. Basta passear pelo centro do Rio de Janeiro para testemunhar o crescimento de pedintes, mendigos e até áreas tomadas por viciados em drogas.
Pois é, “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim.”
*Marcelo Buhatem é Des Presidente da Associação Nacional de Desembargadores (ANDES)
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