No Brasil arma não se planta!

Por Jaime Fusco - Advogado Criminalista

No Brasil arma não se planta!

No último dia 24 de outubro, o Rio de Janeiro sofreu com mais um dos, aparentemente, inacabáveis dias de caos na segurança pública. Desta vez, após uma incursão na altura do Complexo de Israel, a Avenida Brasil, talvez a via expressa mais importante da cidade - uma das mais importantes do país - se viu paralisada; com policiais tendo que recuar da operação e 3 civis inocentes mortos, 6 feridos e incontáveis traumatizados após serem submetidos ao fogo cruzado.

Em que pese os debates acerca da efetividade da operação, que, evidentemente, ao ter mais inocentes baleados que apreensões, não fora exitosa; o real questionamento deveria estar em outro ponto: como podem existir territórios do nosso estado em que as forças de segurança, por conta do poderio bélico das organizações criminosas que lá dominam, não consigam adentrar? Qualquer comentário sobre o tema, que vise criticar a política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, que não se debruce especificamente sobre o gigantesco acúmulo de armas de guerra pelas organizações criminosas, é, para dizer o mínimo, leviano.

Obviamente pode se criticar o horário escolhido, justamente o de maior movimentação de trabalhadores inocentes se locomovendo de casa até o trabalho; ou a efetiva necessidade da incursão policial na localidade. O que não se pode olvidar é que o principal problema da operação, como de todas as outras, que causam as mortes e os danos irreversíveis ao nosso tecido social, é a capacidade cada vez mais latente das organizações criminosas de reagir às forças do estado. E o fazem por possuírem, cada vez mais e mais, armas de grossíssimo calibre. Tal situação demanda do poder público criatividade, conhecimento e, principalmente, capacidade política ímpar para solucionar o conflito.

Está mais que evidente que somente incursões em favelas, como fazemos há anos - desde a década de 90, em que a maior favela da América Latina possuía pouco mais de 11 fuzis; até hoje, em que possuem granadas, lança mísseis, e armamento capaz de derrubar helicópteros das forças de segurança - não vão trazer nada de novo além de mortes de policiais, civis e uma sensação de insegurança que permeia o tecido social do Rio de Janeiro há décadas e que parece não ter fim. É necessário, por ser mais seguro e efetivo, cortar o abastecimento de armas do crime organizado; sob pena de nos tornarmos, num futuro não tão distante, um estado que não tem capacidade - mesmo com as forças nacionais de segurança - de exercer o seu monopólio do uso da força em áreas deflagradas.

Nesta seara, o Governo Federal vem buscando maior interlocução com os estados - que possuem a competência constitucional de lidar com a segurança pública -, afim de criar uma força conjunta que consiga abafar as organizações criminosas. O que deve ser visto como uma grande oportunidade política a ser explorada. É o espaço ideal para que seja requerido amparo que, apesar da competência constitucional delegar aos entes federativos a atribuição, atualmente, pelas razões abaixo expostas, cabe ao Governo Federal agir.

Não há mais tráfico de drogas no Rio de Janeiro que em qualquer outro lugar do mundo. Nem mesmo figuramos entre as capitais mais violentas do nosso país. Entretanto, somos uma das cidades mais estigmatizadas sobre o assunto. Isto se dá única e exclusivamente pela capacidade, ante o poder de fogo, de termos localidades inteiras do nosso território em que o poder do Estado é subjugado pelo poder de criminalidade. Inegavelmente tal poder de fogo só se dá em razão do poder econômico que possuem. O que moldou nossa política de segurança pública por anos a buscar grandes apreensões de drogas e dinheiro, afim de sufocar economicamente as organizações, retirando, por consequência, sua capacidade de se armar.

Ocorre que, atualmente, com a dita “miliciarização” do tráfico de drogas, que explora o território como um todo (através de “oferecimento coercitivo” de serviços e produtos, como gás, gatonet etc), tais apreensões pouco impactam na capacidade de se fortalecer e buscar territórios, por parte das organizações. Assim como a incapacidade, mesmo alocados em presídios federais, de desarticulação destas com prisões de seus grandes líderes.

Por esta razão, mais importante que apreender drogas, visando coibir o fortalecimento das ORCRIM, é necessário agir de encontro, de uma vez por todas, com o fornecimento de armas.

Armas não dão no chão. Não são uma planta ou um produto de difícil rastreio. Via de regra, saem das fábricas com números de série, inclusive de suas munições, prontas para serem utilizadas. Inegavelmente o caminho entre sua origem e a mão de criminosos que agem contra as forças de segurança do estado do Rio de Janeiro pode ser dos mais tortuosos; mas a origem é e sempre continua sendo uma: as fábricas.

Necessário, portanto, que se busque seu caminho. Assim como na investigação criminal existe o famoso brocardo “follow the money”, utilizado para investigações de lavagem, precisamos refazer o caminho das armas; sabendo onde esse dinheiro chega.

Neste sentido, foi muito feliz, representando o Governo do Rio de Janeiro, o Governador Cláudio Castro ao cobrar do Governo Federal amparo para lidar com a questão. Como dito pelo Governador, que amparou com dados o que era evidente, as armas que matam civis e agentes de segurança pública no Rio de Janeiro, que amparam e fortalecem a criminalidade, que aviltam contra nosso estado democrático de direito, não forma produzidas aqui. Vêm de fábricas multinacionais que enriquecem com - e fomentam, ao armar criminosos - o caos na segurança pública.

Ante a imprecisão sobre o caminho percorrido pelas armas no nosso território, seria prudente criar uma comissão conjunta que tivesse i) Governo Federal cobrando, de forma dura, países amigos que, com sua indústria armamentista, lucram e fomentam nossa verdadeira guerra urbana; ii) presença de representantes dos entes federativos para que possam fazer o rastreio da movimentação bélica. Deste modo, seria possível descobrir e punir agentes intermediários que praticam o tráfico das armas até as mãos da criminalidade.

Tal iniciativa poderia representar uma verdadeira revolução no combate à criminalidade, principalmente no que tange ao Rio de Janeiro. Estaríamos trocando incursões em áreas deflagradas que, via de regra, acabam por vitimar agentes de segurança e moradores das comunidades, para pontuais operações de inteligência que interceptariam cargas de transporte de armamento e munição; estaríamos enfraquecendo as organizações com segurança aos nossos agentes e cidadãos.

Que tenham, nossos governantes, capacidade técnica, conhecimento e habilidade política para fazer esta ótima ideia, positivamente criativa, nos dar frutos de um futuro mais seguro.

 

 

Por Ultima Hora em 03/11/2024
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