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O grotesco encontro entre Trump e Zelensky, transmitido ao vivo para o mundo, foi um espetáculo digno de uma ópera bufa. Tensão no ar, sorrisos forçados e um roteiro tão previsível quanto um folhetim barato. No final, como já era de se esperar, veio o baque: os EUA cortaram a ajuda financeira e militar à Ucrânia, e Zelensky, que até então fazia pose de líder imbatível, não teve outra saída senão recuar, engolindo a seco o abandono de seu maior aliado.
Trump, com sua velha mistura de arrogância e deboche, jogou o jogo à sua maneira, deixando claro que a guerra na Ucrânia não é – e talvez nunca tenha sido – prioridade para ele. Zelensky, por outro lado, se viu numa encruzilhada: sem o respaldo de Washington, precisará escolher entre continuar a luta com cada vez menos recursos ou, quem sabe, começar a negociar uma saída para o impasse. O fato é que o tabuleiro virou, e a Ucrânia, que antes se apoiava na promessa de ajuda ocidental, agora precisa se equilibrar num campo minado, sem saber qual será o próximo passo.
Se há algo que a história ensina, é que os EUA raramente entram em conflitos apenas por princípios morais. A retórica da defesa da democracia costuma vir acompanhada de interesses estratégicos bem concretos – e, no caso da Ucrânia, isso significa jazidas de terras raras.
O subsolo ucraniano abriga algumas das maiores reservas de terras raras da Europa, elementos fundamentais para a fabricação de semicondutores, baterias, armamentos e tecnologias de ponta. Controlar esse mercado significa ter vantagem sobre a China, que hoje domina a produção global desses minerais estratégicos.
A guerra, portanto, não é apenas uma questão de segurança europeia ou resistência contra Putin – é também um jogo econômico onde os EUA não querem sair perdendo.O corte de ajuda pode parecer um abandono, mas também pode ser um recado: se a Ucrânia quiser continuar recebendo apoio, que entregue contrapartidas econômicas.
E a Europa? Ah, essa está num verdadeiro fogo cruzado. De um lado, quer manter a pose de defensora dos valores democráticos e da soberania ucraniana. De outro, sua economia está mais frágil que um castelo de cartas ao vento. Inflação persistente, custo da energia nas alturas, indústrias em dificuldades e, claro, o descontentamento da população crescendo. O apoio irrestrito à Ucrânia, que no início parecia um compromisso moral inquestionável, agora pesa no bolso – e ninguém gosta de pagar essa conta.
Diante do recuo dos EUA, a União Europeia tenta preencher o vácuo, oferecendo apoio – ainda que limitado – a Kiev. No entanto, enfrenta sua própria crise econômica, agravada pelo desgaste político interno. O peso da guerra sobre os cofres europeus já provoca tensões entre governos e eleitores, tornando cada vez mais difícil sustentar a ajuda à Ucrânia sem reflexos negativos em casa. O descontentamento se reflete nas ruas e nas urnas: partidos nacionalistas e eurocéticos ganham força, enquanto a paciência com o conflito diminui.
O dilema europeu é evidente: quer se afirmar como protagonista no cenário global, porém, sem comprometer ainda mais sua já frágil estabilidade econômica. Até quando conseguirá equilibrar essa equação?
Putin e Zelensky: Farinha do Mesmo Saco
Antes de mais nada, não há justificativa para a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ponto. A guerra iniciada por Putin já causou milhares de mortes, destruiu cidades inteiras e espalhou o caos por toda a região. Não há como relativizar isso. Mas, dito isso, vem a pergunta incômoda: será que Zelensky representa, de fato, o lado democrático e livre dessa história?
Putin, a gente já conhece: um autocrata clássico, que persegue opositores, censura a imprensa e governa com mão de ferro. Nenhuma surpresa aí. Mas e Zelensky? Embora tenha sido eleito democraticamente, seu governo tem caminhado por um terreno escorregadio. Censura de meios de comunicação, repressão a vozes dissidentes e, mais recentemente, a suspensão das eleições – tudo justificado pela guerra, claro, mas… até que ponto isso difere do autoritarismo que ele diz combater?
O grande dilema é que apoiar um lado cegamente pode significar fechar os olhos para práticas que, em qualquer outro contexto, seriam severamente criticadas. Para progressistas e defensores da paz, isso é inaceitável – afinal, não se defende a democracia apenas quando convém. Se Putin simboliza o autoritarismo escancarado, Zelensky flerta com um autoritarismo disfarçado de resistência patriótica. Essa análise desafia o consenso tradicional ao mostrar que, quando líderes adotam medidas que limitam o debate e concentram as decisões, aproximam-se de uma lógica ditatorial. Para quem luta por uma sociedade plural e democrática, o risco está justamente em apoiar um lado só porque ele parece ser o "menos pior", quando, na prática, pode comprometer os mesmos valores que se deseja defender.
A verdade é que essa guerra está se transformando numa armadilha geopolítica daquelas. Com os EUA pulando fora, a Europa em crise e a Ucrânia cada vez mais isolada, o cenário que se desenha é de um campo de batalha onde ninguém sabe exatamente o que está fazendo ali. Apoiar a Ucrânia é legítimo, mas a qualquer custo? Fechar os olhos para os métodos de Zelensky, ignorando os abusos internos, é uma saída?
A resposta mais sensata talvez seja uma postura de distanciamento crítico. Nem Putin, nem Zelensky. Nem autoritarismo descarado, nem autoritarismo mascarado. A solução passa por pressionar por negociações e um fim real para a guerra, antes que ela consuma ainda mais vidas e espalhe um rastro de destruição que levará décadas para ser reparado.
No fim das contas, Zelensky recuou, Putin continua jogando xadrez, a Europa tenta manter a pose e os EUA fazem o que sempre fizeram: cuidam dos próprios interesses. E nós? Assistimos a tudo como espectadores de um teatro trágico, torcendo para que, um dia, a razão vença o belicismo.
Como dizem por aí, "quando a maré vira, o barco também se inclina" – e agora, o barco ucraniano navega em águas mais turbulentas do que nunca, com a Europa tentando ser o farol que ilumina o caminho, mesmo que suas luzes estejam cada vez menos brilhantes.
Filinto Branco – Colunista Político
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