O maior pecado da implantação e certificação de sistemas de gestão no Brasil

Por Tiago Martins - Engenheiro de Produção; Pós Graduado em Gestão Financeira, Economia e Gestão da Sustentabilidade

O maior pecado da implantação e certificação de sistemas de gestão no Brasil

Se você acompanha meu conteúdo com frequência por aqui, sabe o quanto falo sobre pensamentos e estratégias errôneas que a maioria das organizações têm acerca dos aspectos de implementação e certificação de sistemas de gestão. Entre tudo o que já vi e continuo presenciando, existe uma falha que considero ser o maior pecado da implantação e certificação no Brasil, e é sobre isso que abordarei hoje.

Em meio ao processo de implementação e consequente certificação de seus modelos de gestão, as organizações acabam investindo uma quantidade considerável de recursos financeiros, humanos, de tempo e energia, para implementar todo o processo. Condição esperada quando falamos de processos e estrutura que adequam as principais atividades da organização e sua cultura em torno de requisitos normativos padronizados.

Porém, como tenho destacado em artigos anteriores, a excessiva “commoditização” destes modelos de gestão, e a igualmente crescente canibalização dos seus referenciais de avaliação e certificação, culminando com fracos resultados de desempenho, produtividade e competitividade no mercado, são elementos de um ecossistema comprometido por um fator predominante: a quase completa ausência de sinergia e conexão de implementação (e certificação) entre os modelos de gestão implementados, e o core business da organização, seus objetivos estratégicos e seus riscos específicos.

O que isso representa no dia a dia do mercado?

Diante desta condição, a conhecida relação oferta versus demanda, tão conhecida na economia, torna-se uma realidade também por aqui, porém tendo como principal ativo o conhecimento e qualificação profissional.

Na medida em que os processos de implementação de modelos de gestão canibalizam-se a si mesmos, tendo como principal objetivo a sua certificação, e não os resultados e aumento de valor que a organização espera obter deste investimento (e a certificação tornar-se-ia apenas uma consequência natural deste trabalho), o nível de qualificação e competência dos profissionais que atuam nestas áreas passa a ser compatível a esta canibalização.

Não menos valorizado torna-se também o trabalho, competência e a qualificação dos organismos (e de seus profissionais) que atuam no processo de avaliação e certificação destas mesmas organizações.

Em complemento a esta ampla deterioração de um ecossistema que propunha-se ser de busca pela “excelência”, esta baixa valorização do trabalho de avaliação e certificação, impacta também nas próprias etapas e demandas que cercam esse processo: amostragens cada vez menores de evidências, avaliações superficiais de requisitos, e desconhecimento dos avaliadores quanto às características e objetivos da organização avaliada.

Voltando a origem deste ciclo, e como já mencionado, o processo de implementação de modelos de gestão em meio a este ecossistema em franca vulgarização, torna cada vez mais distante a expectativa de expansão de resultados e de ganho de valor para a organização e todas as suas partes interessadas. Em resumo, com foco único e final na certificação (e no caminho que leva a mesma, com o menor esforço e maior agilidade possível), a organização literalmente desperdiça recursos na construção de um “castelo de areia”.

Atuando em adaptações e redesenhos de processos internos, com foco exclusivo nos requisitos a serem atendidos para obter a certificação (e não em seus objetivos e riscos), a organização muitas vezes submete “peças quadradas” de sua gestão ao seu encaixe em “formas elípticas", incluindo todas as “escoriações nas peças”, decorrentes desta prática. Não vai funcionar.

É possível implementar um modelo de gestão de forma rápida, apenas para mostrar ao auditor que foi implementado, objetivando a certificação? Toda a canibalização demonstrada e os resultados que o mercado brasileiro vem colhendo a despeito de seu alto volume de certificações de modelos de gestão, quando comparados a outros países, indicam claramente que sim!

Por outro lado, o que toda essa condição demonstra? A despeito do foco no menor esforço e na agilidade da obtenção da certificação, todo e qualquer processo como esse envolve, necessariamente, doses relevantes de investimentos, energia e desgastes. Então, por que não fazer da maneira produtiva e com foco nesses ganhos de resultado e valor?

Quando o Sistema de Gestão é estruturado e implementado levando-se em conta o que de fato contribuirá com a organização, com seus processos, demandas e objetivos, os resultados e o crescimento de valor surgem com fluidez.

Nesse ponto, temos o que considero ser o maior pecado deste mercado: a perda contínua e crescente de oportunidades de transformação positiva das nossas organizações, que levariam a ganhos de produtividade, confiabilidade e competitividade, além de mudanças positivas na cultura organizacional. Perdas essas que ocorrem, mesmo diante dos investimentos que já estão sendo realizados em torno de modelos que se propõe a indicar os caminhos para estes ganhos.

A “elevação da barra” de qualificação, competência, expectativas e resultados, a partir das boas práticas de gestão no mercado, provocaria uma grande onda de transformação produtiva em toda a cadeia produtiva, culminando com o crescimento econômico e de sustentabilidade de toda esta cadeia.

No vídeo abaixo, o Gerente de Conformidade e Governança da BRA Certificadora (Arthur Dorigo) traz estatísticas importantes, e que demonstram os efeitos reais em torno da implementação de práticas de gestão (no caso gestão anticorrupção ou antissuborno), sem adequado esforço ou dedicação na transformação genuína da cultura organizacional.

https://www.youtube.com/watch?v=Q0fPBQ17CvU

 

 

 

Por Gestão, Governança e Empreendedorismo em 07/02/2022
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