Reajuste das custas processuais pela taxa Selic é um ato de violência estrutural contra a população

* Jorge Tardin é prof. de direito e tesoureiro da OAB-Búzios.

Reajuste das custas processuais pela taxa Selic é um ato de violência estrutural contra a população

O direito de acesso à justiça, consagrado pela Constituição Federal de 1988, é um pilar essencial da democracia brasileira. Contudo, essa garantia está sob ameaça no estado do Rio de Janeiro, onde a Assembleia Legislativa (ALERJ) aprovou um modelo que atrela o reajuste das custas processuais à taxa Selic. Essa medida, além de ser tecnicamente questionável, representa um grave ato de violência estrutural, pois exclui os mais vulneráveis do sistema judicial e reforça desigualdades históricas.

A taxa Selic, definida como referência para os juros básicos da economia, é instável e volátil. Vincular as custas processuais a esse índice impõe um ônus desproporcional à população, especialmente àquela que já enfrenta dificuldades econômicas severas. Para milhões de trabalhadores, pequenos empresários e cidadãos de baixa renda, a justiça se torna inacessível diante de custos processuais crescentes. Essa barreira econômica agrava o cenário de exclusão social e institucional, contrariando o princípio constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direitos será excluída da apreciação do Poder Judiciário.

Essa decisão não é apenas uma questão de custos, mas uma manifestação de violência estrutural. Em um estado marcado pela desigualdade e pela insegurança, impor políticas que dificultam ainda mais o acesso à justiça é perpetuar uma violência invisível, porém devastadora. Essa violência estrutural não se manifesta em atos isolados, mas nas dinâmicas sistêmicas que retiram da população mais pobre o direito de reivindicar seus direitos, mantendo-a à margem das instituições que deveriam protegê-la.

Além disso, a medida reforça uma percepção de que o Poder Judiciário opera como uma casta privilegiada, distante da realidade da maioria da população. Enquanto exige mais da sociedade, o Judiciário continua a manter privilégios incompatíveis com o espírito republicano e com as necessidades de um estado moderno. Benefícios excessivos, auxílios desproporcionais e uma estrutura rígida e ineficiente reforçam a ideia de que a justiça serve a poucos, enquanto onera muitos. É preciso deixar claro: o juiz não é, e não pode ser, parte de uma elite intocável. O Poder Judiciário precisa ser republicano, eficiente e comprometido com o bem-estar coletivo.

A solução passa por uma reforma profunda. O Judiciário deve eliminar privilégios incompatíveis com a realidade do país e adotar tecnologias avançadas, como a inteligência artificial, para acelerar a resolução de demandas de menor complexidade e ampliar a eficiência do sistema. A modernização tecnológica não apenas reduz custos, mas também minimiza subjetividades e inconsistências, contribuindo para decisões mais justas e acessíveis.

Entretanto, enquanto medidas inclusivas e republicanas não forem implementadas, reajustes como o aprovado pela ALERJ continuarão a ser percebidos como atos de exclusão e violência. Eles comprometem a credibilidade do Judiciário e afastam a população das instituições que deveriam protegê-la. Não podemos aceitar que a justiça seja um privilégio reservado àqueles que podem pagar, enquanto milhões são silenciados pela barreira econômica.

Neste momento, o papel do governador Cláudio Castro é crucial. Ele tem a responsabilidade e a oportunidade de vetar essa medida, mostrando que o estado do Rio de Janeiro está comprometido com a igualdade e com a construção de uma sociedade mais justa. Vetar esse abuso não é apenas um gesto político, mas uma ação contra a perpetuação da violência estrutural que tanto prejudica o estado.

O Rio de Janeiro necessita de um sistema judicial que promova a inclusão, a eficiência e a justiça social. Senhor Governador Cláudio Castro, vete essa medida e demonstre que o Estado é capaz de enfrentar a violência estrutural em todas as suas formas. A justiça não é um privilégio; é um direito universal que deve ser protegido. Essa proteção inclui os advogados, que, ao enfrentarem abusos, veem a advocacia ser aviltada. Defender a justiça é defender a sociedade como um todo.

Por Ultima Hora em 18/12/2024
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